AUGUSTO LUIS DOS SANTOS
(Caçador Guia)
e
MARIA ISABEL SANTOS
(Caçadora Desportista)
Na foto o casal Santos, em 1968, junto de um búfalo abatido pela Maria Isabel na região do Guro
1 – UMA ACTIVIDADE ALICIANTE
O continente africano - o berço da humanidade - sempre foi a região do globo mais fértil em animais selvagens, muitos deles cobiçados pelo valor dos seus troféus, das suas peles e da sua carne.
Com a colonização dos territórios de África por parte dos europeus, sobretudo a partir do século dezanove quando surgiram as primeiras armas adequadas ao abate dos grandes animais, apareceram os chamados aventureiros que se dedicaram exclusivamente à caça, atraídos nomeadamente pelo valor do marfim de elefante, na época uma espécie muito abundante praticamente em todo o continente.
Ficaram na história nomes de caçadores famosos que foram motivo de inspiração de sucessivas gerações de praticantes desta arrojada e apaixonante profissão. Eles eram conhecidos por “White Hunters” (caçadores brancos), designação que chegou aos nossos dias mas que acabaria por cair em desuso devido às mudanças políticas entretanto surgidas com a independência dos países africanos. A palavra “White” foi abolida passando os caçadores a ser genericamente designados por “Professional Hunters”, não obstante serem ainda, na actualidade, de raça branca a esmagadora maioria dos caçadores guias que conduzem os safaris de caça em África. Uma situação bem enganadora da real capacidade dos negros como caçadores, mas justificada pelo facto de se tratar de uma profissão tradicionalmente exercida por brancos e que ainda hoje conserva o mito deixado pelos tais famosos “White Hunters”, à volta do qual os clientes se inspiram e encontram a confiança para enfrentar os grandes e perigosos animais da selva africana.
Esta realidade, aliás, tem sido aceite com alguma naturalidade pelos países africanos onde a indústria do turismo cinegético continua a ser praticada, destacando-se de entre eles a Tanzania, onde várias organizações se dedicam aos safaris de caça. Muito recentemente, uma das maiores empresas ali radicadas – a Tanganyika Wildlife Safari – divulgou no seu panfleto anual de promoção de safaris os nomes e fotografias dos seus caçadores guias, em número de vinte, e, todos eles, eram brancos, quase todos famosos no ranking mundial da caça em África, destacando-se o conhecido português nascido em Moçambique, Luís Pedro de Sá e Mello (1), designado pelo International Safari Clube, na época venatória de 2003, um dos melhores “Professional Hunters” deste continente.
Na primeira metade do século vinte muitos desses aventureiros afluíram ao território de Moçambique onde encontraram condições extraordinárias para exercerem a caça ao elefante, uma actividade que até era facilitada pelas próprias autoridades coloniais pelo facto destes animais serem considerados daninhos, havendo inclusivamente leis que estabeleciam prémios pelo seu abate em determinadas zonas do território.
Nas décadas de quarenta e cinquenta, esta actividade estendia-se praticamente a todo o território da colónia, contando-se por alguns milhares as licenças que nos últimos anos deste período eram emitidas pelos serviços do Estado que controlavam a fauna bravia, no caso Comissões Provincial e Distritais de Caça.
Atraídos pelo lucro fácil e, também, em muitos casos, movidos pelo espírito de aventura, muitos jovens abandonaram por essa altura as suas carreiras para se dedicarem a esta profissão. Alguns deles, quando a chamada caça profissional foi abolida e foi criada a caça turística, em 1960, acabaram por se tornar caçadores-guias, conduzindo safaris de caça nas coutadas oficiais então criadas. Foi uma alternativa que abrangeu apenas um limitado número de caçadores, tanto pela reduzida capacidade das novas empresas operadoras de safaris, mas também pelo rigor do estatuto desta profissão (Regulamento do Caçador-Guia) que continha um conjunto de exigências, sobretudo do ponto de vista técnico e físico, assim como falar línguas estrangeiras e ter conhecimentos de enfermagem e de pronto socorro.
2 – O PERCURSO DO LUÍS SANTOS
Nascido na cidade da Beira a 6 de Outubro de 1932, o LUIS SANTOS passou a sua juventude na propriedade agrícola que seus pais possuíam em pleno coração do planalto de Chimoio, província de Manica, centro/oeste de Moçambique, uma fazenda de grandes dimensões circundada de florestas e savanas ricas em animais selvagens de pequeno, médio e grande porte, com destaque para os antílopes (elandes, cudos, palapalas e changos), para os dois grandes felinos (leões e leopardos) e outra fauna menor como facoceros, cabritos, lebres, hienas, babuínos, macacos, perdizes, etc,. Não muito longe, nas margens do rio Púnguè, para além destas espécies abundavam ainda outras comuns da região centro de Moçambique, como elefantes, búfalos, zebras, impalas, bois-cavalo, inhacosos, inhalas e, até, rinocerontes. O próprio rio Púnguè era fértil em hipopótamos e crocodilos.
Dividindo o tempo nas lides agrícolas com o pai e nos estudos no colégio de Nª Srª dos Anjos, na Beira, onde fez os estudos primários e secundários, ele aproveitava todos os momentos livres para caçar, tendo-se iniciado nestas lides muito jovem ainda. Começou pelos pequenos animais (galinhas, lebres, pombos verdes, rolas, perdizes, cabritos, etc,) que facilmente se encontravam a escassas centenas de metros da sua casa e à medida que avançava na idade e podia utilizar as armas mais potentes que faziam parte do armeiro do pai foi-se aventurando em incursões venatórias pelas áreas limítrofes e progressivamente foi abatendo exemplares de praticamente todas as espécies de caça grossa, à excepção do rinoceronte.
Foi seu mestre e companheiro inseparável um dos trabalhadores da fazenda, de nome Jambo, um negro que lhe ensinou não só as artes de caça como os segredos de sobrevivência na selva face às privações ocasionais como a fome e a sede e até como recorrer a certas raízes e folhas de plantas para tratamentos de emergência em casos de indisposições repentinas, febres, ferimentos e mordeduras de cobras. Ao longo da sua carreira o Jambo acompanhou-o sempre como pisteiro, uma das principais tarefas de que depende o sucesso das caçadas.
Quando atingiu os 18 anos, o Luís Santos tirou a sua primeira licença de caça de 1ª classe, o “passaporte” que lhe permitiu conhecer novos horizontes. A partir daí todo o tempo livre durante o período venatório era passado na caça em áreas como Marromeu, Chemba, Sena, Dombe, Chibabava e outras regiões de Manica e Sofala compreendidas entre os rios Save e Zambeze.
Entretanto, a carreira de topógrafo que seguiu após ter terminado o ensino secundário e que vinha desenvolvendo na Força Aérea (Base nº 10 da Beira), com passagens anteriores pela Brigada de Fomento e Povoamento do Revuè e pelo Colonato do Sussundenga, tornava-se cada vez mais penosa e monótona à medida que as suas experiências de caça aumentavam. Aos 25 anos deixou para trás essa carreira e tornou-se caçador profissional, dedicando-se, numa primeira fase (1957/1958) à caça de crocodilos no rio Zambeze e depois à chamada caça grossa que na altura proporcionava bons rendimentos com a venda da carne, peles e marfim.
Para além dos seus vastos conhecimentos da vida selvagem e de possuir grande experiência como caçador de espécies como leões (abateu o seu primeiro aos 15 anos), leopardos, elefantes, búfalos, hipopótamos, crocodilos e toda a espécie de antílopes, o Luís Santos reunia outras qualidades que tornavam o seu currículo invejável e dos mais ajustados às condições exigidas para caçador guia. Falava duas línguas estrangeiras das mais utilizadas nesta profissão (inglês e espanhol), dominava as línguas locais chissena, chindau, chinyungue e chiraparapa e possuía prática de enfermagem e de primeiros socorros com cursos tirados na Cruz Vermelha, onde trabalhou como voluntário.
Entusiasmado com os sucessos obtidos pelos seus colegas durante os primeiros dois anos de safaris e também pela motivação que lhe foi incutida pelo seu amigo de infância e colega de caça, de nome Janak, filho de gregos também agricultores radicados em Maforga, perto de Vila Pery (actual Chimoio) e um dos primeiros caçadores-guias de Moçambique que iniciaram os safaris nas coutadas oficiais criadas em 1960, o Luís acabou por ingressar, em 1963, na organização Simões Safaris (2), na altura concessionária de três das melhores coutadas da província de Manica e Sofala (nºs 6, 7 e 10).
O Luís Santos com os seus pisteiros junto de um elefante abatido na coutada 1, em 1964.
O Luís posando junto de presas de elefantes abatidos por clientes que ele e outro colega conduziram num safari em Kanga N'Thole, em 1964
Junto de um belo exemplar de Kudu
A Isabel com o produto de uma caçada bem sucedida
NOTA: Texto e fotos extraídos da biografia que publiquei em Outubro de 2004 no Álbum de Recordações do meu site http://www.geocities.com/Vila_Luisa. Pode ser visto directamente e na íntegra AQUI:
Marrabenta, Julho de 2007
Celestino Gonçalves