CARTAS DA BEIRA DO ÍNDICO
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FÉRIAS EM MOÇAMBIQUE
(2008/2009)
VISITA A MARRACUENE
Uma das tarefas que temos sempre que voltamos a Moçambique é visitar as campas dos antepassados maternos das nossas netas, sepultados no cemitério de Marracuene, a vila situada na margem direita do rio Incomáti, a 30 Km da cidade de Maputo.
Aquela bonita terra, que no tempo colonial foi baptizada de Vila Luisa, foi berço da família, pelo que são profundos os laços que a ela nos ligam!
Depois de uma paragem relâmpago que fizemos no cemitério, no dia 8 do passado mês de Novembro quando íamos em viagem para o Xai-Xai, voltamos ali no dia 16 seguinte, para uma demorada visita.
As nossas netas - Maura e Dania - são as fieis companheiras destas romagens de saudade e sabendo embora a história que nos liga a esta terra não se cansam de interrogar os avós sobre este ou aquele pormenor, sobretudo quando passamos ou paramos junto dos locais e das casas que fizeram parte da nossa vivência e dos seus antepassados. À medida que vão crescendo, mais interesse mostram de conhecer como foi essa vivência!
A vila tem vindo a ser recuperada muito lentamente, estando ainda longe de se apresentar com o rosto dos tempos passados quando era considerada local de eleição dos citadinos para visitas de fim de semana, bons almoços nos restaurantes e para as célebres tardes dançantes no pavilhão de chá ao som das melodias românticas tocadas ao piano pelo velho Nunes!
Mesmo assim, há vestígios de recuperação que denunciam interesse das autoridades em reconquistar para a vila o estatuto turístico que a celebrizou, pese embora faltar ali a grande atracção que eram os hipopótamos do grande e bonito rio Incomáti.
Mas uma outra atracção, neste caso periférica, é a praia da Macaneta, a meia dúzia de quilómetros da margem esquerda do rio. Essa sim, progrediu nos últimos anos e regista já um considerável movimento, tanto de residentes da capital como de turistas sul africanos. As construções ali, quer de residências de fim de semana quer de infraestruturas de apoio aos frequentadores, ocupam já alguns quilómetros de extensão na zona fronteira ao mar, justificando assim a importância desta que é considerada a melhor praia da zona sul do país, entre Maputo e o Bilene.
O batelão que serve a outra margem não tem horários estabelecidos, sobretudo nos fins-de-semana, tal o movimento de viaturas e passageiros que regista e obriga a travessias constantes.
Um dia destes lá estaremos para saborear aquela maresia inconfundível das praias batidas directamente pelas ondas do mar e tomar uns banhos nas águas temperadas e límpidas do Índico!
DOCUMENTÁRIO FOTOGRÁFICO
Ex-libris de Marracuene - o grande e bonito rio Incomáti
Avó e netas enquadram o cenário maravilhoso!
A bela residência do administrador, bem conservada!
Quem os viu (há 56 anos quando nos conhecemos)...e quem os vê agora!..
Junto ao cais de travessia do rio. Os vendedores de artesanato aparecem logo!
A foto que sempre tiramos junto da nossa primeira casa depois de casados!
Um trecho da linha férrea entre a Vila e o rio
As meninas na rua da Administração
Para recordar o meu primeiro local de trabalho (1952)
O velho pelado de futebol, tal como era nos tempos em que ali joguei com Malangatana, José Júlio, Panguene, Verde, Silveira, Babiolákis, Nunes e outros cujos nomes esqueci! Aliás, foi esta juventude que limpou o terreno e colocou ali as primeiras balizas!
As meninas quando saiam do bonito cemitério de Marracuene
Saudações amigas, aqui da beira do Índico!
Maputo, 1 de Dezembro de 2008
Celestino (Marrabenta)
EM TEMPO:
Para satisfazer o pedido de alguns amigos/leitores desta Carta, publico a seguir o texto da Carta nº 9, do ano de 2004, inserida em algumas comunidades (talvez meia dúzia), e que relata uma das visitas então feitas a Marracuene.
Informo ainda, também para satisfazer a curiosidade de um desses amigos, que durante as férias de 2006/2007, em Moçambique, não escrevi qualquer "Carta", uma atitude que teve a ver com alguma desmotivação na participação nas comunidades, felizmente já ultrapassada graças ao apoio moral que entretanto fui recebendo daqueles que conheceram as razões do meu silêncio, nomeadamente o João Abreu, o Manel Palhares, o Rogério Carreira e o Zé Maria Mesquitela, amigos estes a quem publicamente desejo agradecer esse apoio.
Eis a Carta de 2004:
CARTAS DA BEIRA DO INDICO
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ROMAGEM DE SAUDADE A MARRACUENE
Marracuene é aquela pequena vila, outrora também chamada de “Vila Luísa”, que se encontra situada junto da margem direita do rio Incomáti, a 30 Km da cidade de Maputo, que praticamente todos os moradores da capital conhecem. Foi nesta vila que iniciei a minha actividade profissional em Moçambique, no já longínquo ano de 1952 e quis o destino que ali me apaixonasse por uma menina que já me atura há 49 anos!
Ligado por tais laços àquela bonita localidade, que era o expoente máximo, naquela época, de atracção de turistas no sul de Moçambique, devido às suas belezas naturais e à rica fauna bravia daquele grande rio, nomeadamente hipopótamos e crocodilos, as raízes que nos prendem a Marracuene são ainda muito fortes, pese embora o facto de termos perdido ali todo o património imóvel angariado por meus sogros ao longo de toda a sua vida. Uma vida que acabou por terminar ali mesmo, alguns anos já depois da independência, repousando os seus corpos no velho cemitério da vila ao lado de outro progenitor, avô de minha mulher.
Aquele pequeno cemitério passou a ser para nós local de romagem de saudade e representa para a família como se fosse um território neutro onde podemos entrar e permanecer em perfeita segurança, tal o respeito que estes locais merecem da população. Ali nos deslocamos periodicamente para tratar das três campas que o tempo vai degradando. Há muitos anos que este cemitério deixou de ser utilizado, existindo outro, de grandes dimensões, no lado oposto da estrada.
Durante as nossas visitas a Moçambique, ali nos deslocamos com a família e desta vez tivemos mesmo que fazer a capinagem periférica uma vez que a habitual limpeza que ali era feita pela Administração local por ocasião do dia dos finados (1 de Novembro), não foi feita este ano. Fomos acompanhados da filha e das duas netas, ou seja, estiveram presentes três gerações dos ascendentes que ali repousam, que são os pais e o avô paterno de minha mulher, portanto, bisavós e trisavô das descendentes mais novas.
Como é habitual, depois daquela romagem, demos uma volta pela vila, recordando os bons tempos que ali passamos e dando a conhecer às netas a história dos seus antepassados, cujas campas elas muito carinhosamente ajudaram a limpar e embelezar com flores.
Depois tiramos algumas fotos junto dos locais que mais significado têm para nós, como seja a igreja onde casamos, a primeira casa onde vivemos e junto do muro onde tantas vezes nos sentávamos quando ainda namorávamos, a admirar o rio e a planície subjacente.
Durante as visitas que fazemos a Marracuene, evitamos sempre passar em frente de qualquer das sete casas (5 lojas e 2 residências) que a família ali possuía. Procuramos assim evitar choques emocionais que naturalmente invadem qualquer cidadão que viu os seus bens desaparecerem de um dia para o outro, sem qualquer compensação, graças à chamada “descolonização exemplar” conduzida pelos senhores Mário Soares, Almeida Santos e outros “patriotas” de caca que conspurcaram o poder em Portugal no pós 25 de Abril de 1974.
As nossas netas, à medida que vão crescendo, vão-se apercebendo que os seus antepassados fizeram parte de uma história que está mal contada, sobretudo pelos extremistas (marxistas, leninistas, maoistas e estalinistas) que na altura governaram o país e que foram responsáveis pela situação desastrosa, mesmo de penúria, em que ficaram praticamente todos os portugueses das ex-colónias que se viram forçados a partir de mãos a abanar deixando para trás o produto de toda uma vida de trabalho. Mais, foram ainda responsáveis pela animosidade com que essas pessoas foram recebidas na metrópole, onde as trataram por “retornados”, uma palavra que estigmatizou de forma degradante toda essa gente laboriosa!
Quero ser bem claro, para não correr o risco de ser apontado injustamente como inimigo da descolonização, que este desabafo nada tem contra o direito que o povo de Moçambique teve à sua independência. Isto está fora de causa e esta posição tive-a sempre e mantenho-a inalterável. Com o que não concordo e tenho afirmado abertamente, é com a atitude da parte portuguesa que não defendeu os direitos dos seus cidadãos e continua a não assumir a sua responsabilidade junto daqueles que, como a minha família, perderam aqui e nas outras ex-colónias, todos os seus bens.
Maputo, 26 de Dezembro de 20004
Celestino (Marrabenta)
P.S. – Para quem tiver a curiosidade de aprofundar a história da minha ligação a Marracuene, passe pelo meu Site www.geocities.com/Vila_Luisa e aponte a seta nas “Crónicas & Narrativas” – Capº I – “Os meus primeiros contactos com a Fauna Bravia de Moçambique”
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NOTAS ACTUAIS
1 - O Capº I das Crónicas & Narrativas, acima referido, foi retirado do site para dar lugar a novas publicações. Em breve o publicarei de novo.
2 - Foram retiradas as fotos de 2004, por se tornarem repetitivas com as de 2008.
Saudações amigas, aqui da beira do Índico!
Maputo, 11 de Dezembro de 2008.
Celestino