16 November 2012

118 - GORONGOSA - NOVOS LORDES DA SELVA



PARQUE NACIONAL DA GORONGOSA

NOVOS LORDES DA SELVA

Texto e fotos de Jean-Paul Vermeulen




Passavam mais de trinta minutos que estávamos parados na proximidade do Rio Urema. Ao chegar, o ruído do motor tinha afugentado os crocodilos para dentro da água e agora
esperávamos em silêncio que eles saíssem para retomar o seu banho do sol.
Um elefante veio da mata atrás do carro sem que nos apercebêssemos imediatamente. Estava visivelmente irritado. O nosso veículo era um contraste na paisagem e com certeza o paquiderme ia testar as nossas intenções. Numa fracção de segundo já estava perto. Muito perto. Abanando a cabeça. Não havia ambiguidade quanto ao seu descontentamento pela nossa intrusão no seu território. Os elefantes da Gorongosa têm a reputação de ser agressivos e de atacar quem pode representar uma ameaça para eles. Ficámos totalmente silenciosos, sem fazer qualquer movimento. A estratégia do silêncio e imobilismo deu resultado. Após alguns segundos o elefante parou. A mudança de atitude foi radical e estava agora totalmente descontraído. O rio era o seu destino. Entrando na água foi bebendo e, após um banho de lama na outra margem, desapareceu como apareceu.
Para entender a inimizade do elefante perante o Homem, temos que recordar que em 1972 havia mais de 3.000 elefantes pelas matas da Gorongosa e que menos de 200 sobreviveram à guerra civil. O elefante é reconhecido pela sua inteligência. Ele tem também uma boa memória. Uma memória de elefante… A retomada de uma relação mais pacífica com o Homem será lenta… como a da Gorongosa.





PROJECTO DE RECONSTRUÇÃO DA GORONGOSA
                                                                                   

O Projecto de Reconstrução da Gorongosa foi iniciado em 2005 e as mudanças já são notáveis. Espécies praticamente desaparecidas há quinze anos atrás, como a emblemática pala-pala, a impala, a nyala, a piva e a oribi possuem agora efectivos que, em algumas delas, suplantam as existências dos tempos áureos do Parque. Búfalos e bois-cavalo são objecto de programas de renovação e multiplicação. Elefantes e hipopótamos também foram introduzidos para aumentar a diversidade genética, bem como Chitas que tinham totalmente desaparecido nos anos setenta. Apesar destes sinais encorajadores, não deixam de aparecer situações preocupantes a determinar
novos desafios
Uma delas é a aparente estagnação, se não lenta extinção, de algumas espécies como é o caso dos leões. Nos anos 60 a Gorongosa albergava uma população estimada em mais de 500 desses felinos e podia orgulhar-se de ter a maior densidade de toda a África Austral. Actualmente será de 30 a 50 o número de leões dentro de Parque. Apesar dos esforços de reconstrução dos ecossistemas e da aparente abundância de caça para a sua alimentação, essa população não cresce. A situação é particularmente preocupante dado o facto de, ao nível da África, o número de leões selvagens se ter reduzido em mais de 80% nestas últimas duas décadas.

Alguns cientistas já prevêem que até ao final da próxima terão completamente desaparecido. Sendo o leão, muito provavelmente, o mais emblemático dos Big 5, como imaginar a selva sem o seu rei? A situação requer medidas urgentes ao nível do continente para proteger o habitat e as populações viáveis. Este é o objectivo do recém-lançado Projecto Leões da Gorongosa que vai, a longo prazo, tentar trazer respostas para a sua recuperação e conservação no Parque.


OS BIG 5 AGORA SÃO OUTROS

Inicialmente território dos Big 5, a Gorongosa perdeu essa qualificação nos anos setenta quando desapareceu o último rinoceronte naquela região. Enquanto o Parque se esforça para reconquistar o seu estatuto, o poder de sedução mantém-se intacto com os seus próprios Big 5.

O primeiro é a Serra da Gorongosa, recentemente incluída na zona de protecção total. Como uma sentinela no horizonte e contrastando com as baixas altitudes do vale do Rift, a Serra acusa uma precipitação (mk) de dois metros que origina uma vegetação luxuriante. Um recente “bioblitz” – um estudo científico, curto e intensivo de pesquisa – demonstrou a presença nas suas encostas de uma grande diversidade de espécies de fauna e de flora ainda desconhecidas da ciência, entre as quais algumas endémicas. O segundo é o lago Urema e as zonas pantanosas à sua volta, cuja extensão só pode verdadeiramente ser apreciada do céu, especialmente durante a estação das chuvas, quando a sua superfície se estende até 20 vezes o seu tamanho normal. O terceiro são as falésias de Kúndue, antigas testemunhas das convulsões geológicas que se iniciaram há milhões de anos e que um dia dividirão a África em dois continentes, a partir da Etiópia até a região centro de Moçambique. O quarto é a gruta de Codzué, a mais comprida de Moçambique, onde um dia talvez se descubram vestígios dos primeiros hominídeos que percorriam o Leste da África. E o quinto? É, claro, o elefante. Temido, admirado, procurado, dizimado, ele está a voltar em força e é o verdadeiro lorde desta selva.


TURISTAS

Localizado na extremidade sul do Grande Rift, no seio de um vasto ecossistema definido, modelado e alimentado pelo ciclo de água e dos rios que  o     percorrem, o Parque Nacional da Gorongosa representa um activo importante para o desenvolvimento turístico do Pais. Em 1973, no seu apogeu, ele recebeu cerca de 20.000 turistas do mundo inteiro, tendo-se tornado uma referência na África Austral até ao seu encerramento durante a guerra civil. Graças a um vasto esforço de promoção ao nível nacional e internacional, o número de turistas está em franco crescimento nestes últimos anos. Em 2011 o Parque teve cerca de 7.000 visitantes, dos quais um pouco mais da metade são moçambicanos. A médio prazo a Gorongosa tem todo o potencial para se reposicionar no pódio dos melhores destinos turísticos da região, gerando receitas e empregos que, desesperadamente, as comunidades à volta do Parque precisam para o seu desenvolvimento.

Mia Couto diz que “Nenhum lugar acontece naturalmente. Toda a geografia é uma plantação do Homem”. O extenso território do Parque Nacional da Gorongosa é um desses lugares enriquecido pelo cruzamento entre natureza, cultura e história. As noites na Gorongosa são, desde sempre, ritmadas pelos sons persistentes dos batuques. À volta da fogueira contam-se histórias onde mitos e eventos são reinterpretados para reescrever o mundo desde a sua criação. No Chitengo, belo local que acolhe a administração e os visitantes, também se reinventa o passado e advinha o futuro do Parque. As visões são claramente diferentes. Os interesses também. Mas um novo capítulo dessa geografia está já sendo reescrito.

O ELEFANTE DA GORONGOSA

Uma tarde, ao regressarmos ao Chitengo, cruzamos com uma manada de elefantes. O encontro foi bem pacífico. Ficamos a observá-los, com o pôr-do-sol em pano do fundo, enquanto atravessavam a estrada para procurar um tando (pastagem aberta, planície, geralmente húmida). As sombras esticam-se no infinito e o céu alaranjado pinta-se de roxo escuro. Os sons claros das criaturas da noite anunciam o despertar dos adormecidos do dia. É a hora mágica da África e, por um instante, o tempo parece suspenso no ar.


O elefante da Gorongosa é bem similar ao Homem em termos de inteligência, relações familiares e complexidade social. Mas, para sua desgraça, tem sido caçado desde as trevas dos tempos devido às suas pontas de marfim. Ao observar os elefantes no Parque da Gorongosa nota-se algo de diferente. Muitos deles não têm essas presas, pelo menos são muito mais pequenas do que o normal. Como se eles tivessem sido obrigados a abandoná-las para finalmente ficarem em paz. Elefantes sem presas ocorrem naturalmente, mas são a excepção, não a regra. Similarmente ao que aconteceu em outras regiões de África, a hipótese mais provável é que durante os anos de guerra civil, os caçadores tenham abatido sistematicamente os elefantes com maiores presas, deixando de lado os animais sem valor comercial. Talvez só 6 % da população inicial tenha sobrevivido. Mas ela está a crescer e admite-se que, esses descendentes, carreguem nos seus genes as características que provavelmente contribuíram para a sobrevivência da espécie nesta parcela do País. Felizmente a população de elefantes da Gorongosa não está isolada e, com medidas apropriadas de protecção, mais cedo ou mais tarde alguns animais de grandes pontas irão encontrar o caminho desta vasta área de protecção e enriquecer o património genético dos Lordes da Gorongosa. Os primeiros seis elefantes com aquelas características já chegaram vindos do Kruger Park. Por esta vez com a ajuda do Homem…

(Fim de citação

                                                                  *   *   *





BREVE COMENTÁRIO

Este interessante artigo foi publicado no último número da revista MdeMoçambique e tem vindo a ser difundido nas redes sociais por muitos amigos da Gorongosa.
O seu autor, a quem agradeço a gentileza de me ter enviado o texto e fotos em formato acessível para aqui publicar, faz uma avaliação realista da situação actual do Parque sustentada no conhecimento directo do que ali se tem feito para a sua recuperação, deixando-nos optimistas com o seu futuro face  aos  progressos ali alcançados na recuperação de algumas espécies emblemáticas, algumas até já superaram os efectivos de outrora. Por outro lado, o caso concreto da estagnação dos efectivos de leões e o lento desenvolvimento de outras espécies como o búfalo e o boi-cavalo, são um aviso importante de que muito há ainda a fazer para tornar a Gorongosa o grandioso santuário que já foi.  Caberá aos governantes, ao mais alto nível, tomar as medidas adequadas que implicam defender energicamente o Parque  de toda a espécie de inimigos como são os garimpeiros do ouro, os madeireiros, os furtivos, etc.

Saudações amigas!
Celestino Gonçalves