(REPUBLICAÇÃO)
I N D I C E
l - 1ª Parte – VIAGEM E PRIMEIROS DIAS DE
ESTADIA NO PARQUE
ll - 2ª Parte – VISITAS À SERRA E OUTROS
POLOS DE INTERESSE
TURÍSTICO
lII - AGRADECIMENTOS
IV – ANEXOS – FOTOS
- Da primeira parte da crónica
- Da segunda parte da crónica
ARQUE NACIONAL DA GORONGOSA
I - Primeira Parte
VIAGEM E PRIMEIROS DIAS DE ESTADIA NO PARQUE
(de 9 a 19 de Novembro de 2006)
1 – A VIAGEM MAPUTO - CHITENGO
Depois da última visita que fiz ao Parque Nacional da Gorongosa, em Janeiro de 2000 e goradas que foram duas outras tentativas de ali voltar em 2002 e 2004, consegui finalmente, de 10 a 19 do corrente, visitar de novo este maravilhoso santuário da fauna bravia que em tempos foi considerado o melhor de África!
Fiz a viagem de Maputo para o Parque de carro, na companhia de um velho amigo e companheiro de trabalho, o Dr. Paul Dutton, eco-biologista sul africano de reconhecidos méritos no campo da fauna bravia, que se mantém activo e presta serviço como consultor da Carr Foundation, do já famoso milionário norte americano Greg Carr que há dois anos a esta parte vem desenvolvendo um importante projecto de restauração e desenvolvimento no mesmo Parque.
Os cerca de 1.200 quilómetros que separam Maputo do Chitengo foram percorridos tranquilamente na razoável viatura do Paul, em dois dias, com uma reconfortante
paragem e pernoita em Inhassoro na casa de praia de um amigo comum, o Ricardo Teixeira Duarte.
Desde 1994 que não me encontrava com o Paul Dutton e esta foi uma excelente oportunidade para um desfiar de recordações dos tempos (e foram muitos anos, antes e depois da independência) em que ambos demos o melhor do nosso esforço em prole da defesa e conservação da vida animal selvagem em Moçambique.
2 . – CHEGADA AO PARQUE
Animado pelas constantes informações que vim recebendo ao longo dos últimos 10 meses, da parte do nº 2 do Projecto Carr, Vasco Galante, cheguei ao Parque com a curiosidade muito aguçada de conhecer os progressos ali alcançados depois da minha ultima visita há cerca de 7 anos. A chegada ao Chitengo, no final da tarde do dia 10, foi sentida com alguma emoção, felizmente não tão forte como aquela de que fui acometido em Janeiro de 2000 quando ali cheguei depois de 19 anos de ausência e encontrei ainda fortes vestígios de destruição causados pela guerra.
O encontro que tivera em Lisboa, em finais do ano passado, com Greg Carr e Vasco Galante, realizado justamente para falarmos do Parque, da sua história e do seu desenvolvimento, sobretudo nas décadas de 60 e 70, fora o ponto de partida para uma aproximação e consequente colaboração com a direcção do Projecto da Carr Foundation e daí o honroso convite que da mesma recebi para visitar o Parque sempre que desejasse.
Também a ligação que sempre tive com duas das principais figuras que desde 1994 têm estado à frente da administração do Parque, concretamente o Dr. Baldeu Chande e o Engº Roberto Zolho, dois bons amigos que sempre me dispensaram carinhosas atenções, me dera coragem para voltar e me sentir ali como nos velhos tempos em que fui colaborador directo do mesmo Parque.
O ambiente que fui encontrar no Chitengo, de muitas caras novas, de cientistas e técnicos ainda provisoriamente instalados mas empenhados num trabalho sério e árduo, não me surpreendeu e rapidamente me familiarizei com as pessoas que muito gentilmente me receberam e cada um à sua maneira quiseram ouvir-me sobre o passado histórico do Parque.
O jantar servido numa mesa comum e participado pelos responsáveis e todo o staff técnico e científico presente no Chitengo, foi a primeira das muitas atenções de que fui cumulado durante a estadia no Parque e que muito me sensibilizaram. Naturalmente que o estatuto de decano dos serviços de fauna bravia, que me vem sendo atribuído por ser o mais idoso dos antigos funcionários dos serviços de fauna bravia ainda na ribalta, muito contribui para que este tipo de manifestações vão acontecendo, felizmente, na minha vida!
3 . – A PRIMEIRA VISITA AO INTERIOR DO PARQUE
As actividades no Parque começam ao raiar do Sol, tal como antigamente e isso implica levantar cedo. Não se faz qualquer esforço pois também as normas de deitar se regulam pelo mesmo diapasão: cedo!
A primeira surpresa ao sair do bungalow foi o espectáculo dos babuínos (macacos-cão) que em bandos de algumas dezenas invadem sistematicamente o acampamento do Chitengo todas as manhãs, numa atitude de atrevimento que leva as pessoas prudentemente a desviarem-se do seu caminho! Também uma ou duas famílias de facoceros (javalis africanos) têm o mesmo hábito e sem receio dos humanos vagueiam pelo acampamento e se alimentam nos seus bem tratados relvados. Esta situação, que preocupa já os responsáveis do Parque, decorre porque devido à guerra que grassou na região o Chitengo fora abandonado durante anos e naturalmente estas duas espécies ali encontraram boas condições de alimentação, nomeadamente nos frutos das mangueiras e mafurreiras.
Planeado o primeiro passeio que se seguiu após o café e as torradas da manhã (madrugada queria eu dizer), tomamos assento num confortável e bem apetrechado 4x4, juntamente com os meus companheiros de viagem de Maputo, Paul e Gilian, do Dr. Baldeu Chande, da bióloga Alexandra e do Hendrik Pott, este o condutor do game drive voluntário para esta que não é a sua habitual tarefa mas que gosta de fazer de vez em quando para desanuviar o espírito!
Os preparativos e a saída do Chitengo, a caminho dos tandos, por me serem ainda tão familiares, fizeram-me recuar quarenta anos e sentir-me como nos tempos em que isso era uma rotina muito agradável porque se esperava sempre um dia diferente no interior do Parque. E na verdade era isso que acontecia pois os muitos milhares de animais que povoavam estes tandos, savanas, lagos, rios e florestas, eram os nossos actores favoritos porque nos proporcionavam espectáculos de rara beleza, como eram as lutas entre os machos, o acto de procriação, os nascimentos das crias, o banho dos elefantes e a forma como as mães educam e protegem os filhos, o canto das aves mais barulhentas como a águia pesqueira, os calaus trompeteiros, os francolins, as galinhas do mato, os toracos, as ibis e as rolas cujo eco vindo de longe é uma autêntica sinfonia que nos encanta! E quando o dia era mesmo de sorte, podíamos ainda deparar com coisas raras de ver como eram os leões a caçar (na Gorongosa normalmente só caçam durante a noite), uma jibóia a engolir um antílope ou encontrar um daqueles grandes e cada vez mais raros elefantes, conhecidos por cambacos, que vagueiam distantes das manadas porque a lei da natureza dá aos mais novos força suficiente para os afastarem das fêmeas!
Voltar a estes sítios que tão bem conheci e que foram palco de muitos anos de trabalho, é muito reconfortante, pese embora o desalento que sinto pela escassez de animais que agora povoam o Parque.
Mas as surpresas agradáveis começaram a surgir logo que atingimos o tando do Sungué. Ali por perto da Casa dos Leões vimos os primeiros animais, como impalas, inhacosos, facoceros, changos e oribis. Ao longe, em várias direcções e a recortar o horizonte, divisamos silhuetas de outros das mesmas espécies.
Este primeiro contacto com os famosos tandos da Gorongosa, após a minha última visita de há sete anos, deu para perceber que a recuperação dos animais da planície, embora lenta, é uma realidade, sobretudo para aquelas cinco espécies. O mesmo não se pode dizer de outras de maior porte como os búfalos, zebras, bois-cavalo e elandes que aos milhares povoavam praticamente toda a zona turística do Parque e que agora estão ainda num processo lento de recuperação. Para estas espécies há mesmo um projecto de reintrodução já iniciado com búfalos vindos do Kruger Parque.
Transposta aquela planície, onde se presencia um dos mais belos pôr de Sol em Moçambique, com a silhueta da Serra da Gorongosa desenhada a Oeste, no fundo azul do céu, o nosso guia seguiu pela picada 4 que é uma das melhores rotas para encontrar leões e que conduz ao lago Urema. Algumas paragens para fotografar pequenos grupos de Inhacosos, de impalas, famílias de facoceros, antílopes isolados como changos e oribis e aves de grande porte como o solitário e pachorrento calau da terra, foram animando o grupo no percurso até ao miradouro do Urema. Não vimos leões mas a certeza de que eles existem por perto e em bom número é já uma consolação!
Outra surpresa agradável ocorreu quando chegamos ao miradouro do lago Urema e constatamos que ocorrem ali três verdadeiros milagres: a presença já de muitas dezenas de hipopótamos, algumas centenas de crocodilos e, de pasmar, enorme quantidade de Inhacosos com efectivos a rondar os dois mil! Em Janeiro de 2000 contavam-se pelos dedos das mãos os Inhacosos e os crocodilos e havia apenas um tresmalhado hipopótamo!
Este fenómeno, quanto aos hipopótamos e crocodilos, justifica-se pelo facto das cheias que entretanto ocorreram e fizeram transbordar o rio Zambeze. Este grande rio é atravessado pelo Vale do Rift que faz ligação com o oceano Indico na região da Beira e passa precisamente no coração do Parque onde o Lago Urema é receptor das águas vindas do Norte e albergue natural destes animais que sempre acompanham o curso das cheias.
Depois de uma paragem e de nos regalarmos com a paisagem do lago Urema vista do miradouro, seguimos a rota que passa pela lagoa do Paraíso, agora com pouca água devido à época seca que se atravessa (as chuvas aproximam-se), mas mesmo assim bem frequentada pelas espécies já referenciadas na planície do Sungué e por grande variedade de aves como os imponentes jabirus, os desengonçados marabus, as elegantes garças e cegonhas, as barulhentas ibis, as grandes sécuas, os gansos do Nilo, os vaidosos grous coroados, os colhereiros na sua frenética faina de pesca, as galinhas d’água, os mergulhões, os pássaros martelo e uma infinita variedade de aves mais pequenas. Aqui a paisagem convida a bater muitas fotos e a observar os animais. É também o sítio ideal onde se ouvem com intensidade os silvos agudos das águias pesqueiras, tão característicos e penetrantes na imensidão das savanas e das planícies.
Tomamos depois a picada 11 que acompanha a margem direita do rio Urema até à ligação da estrada Urema-Chitengo onde estivemos bem perto de um grupo de cerca de 20 hipopótamos. Esta zona apresenta-se, tal como outras que visitei nos dias seguintes, bem regenerada de vegetação espessa, com árvores e arbustos que constituem habitat preferencial para as espécies de floresta como inhalas, imbabalas, porcos do mato, macacos, cabritos vermelhos, civetas, manguços e porcos espinho, que ali já estão muito bem representadas e em relação às quais a caça furtiva em massa que se verificou nos anos de guerra civil não causou o impacto terrível verificado nas restantes espécies comuns no Parque, algumas delas levadas quase à extinção, como foi o caso dos elefantes, búfalos, hipopótamos, zebras , bois-cavalos e dos grandes e médios antílopes.
Estávamos agora na zona frequentada pelos elefantes, cujo número tem aumentado significativamente e atingem já mais de duas centenas, quando em 2000 rondava os 125 exemplares e formavam aquela que foi a primeira manada a regressar ao Parque depois da razia dos anos anteriores a 1994. A hora já avançada do dia e o calor que se fazia sentir não nos permitiu encontrar estes grandes paquidermes, de certo já recolhidos ao ambiente mais fresco da floresta distante das picadas.
Nos dias seguintes tivemos mais sorte!
O resto da manhã foi passada a observar alguns grupos de hipopótamos nos pontos de mais concentração de água ao longo do rio Urema. Tomamos depois a picada do Urema e fizemos os 25 Kms de regresso ao Chitengo sempre entretidos com o brusco e regular aparecimento dos busch animals, pois todo o percurso é revestido de densa e verdejante floresta!
Um dia gratificante e memorável!
Maputo, Dezembro de 2006
PARQUE NACIONAL DA GORONGOSA
II - Segunda Parte
VISITAS À SERRA E OUTROS POLOS DE INTERESSE TURÍSTICO
(de 9 a 19 de Novembro de 2006)
Quem visita actualmente o Parque Nacional da Gorongosa na condição de turista comum e o faça pela primeira vez, pode voltar de lá plenamente satisfeito. Chegado ali pela manhã, pernoitar no Chitengo e regressar pela tarde do dia seguinte, nos percursos turísticos seguidos pela pode ver muitos e variados animais das espécies que nos últimos doze anos têm regressado e multiplicado nas imensas planícies, savanas, florestas, rios e lagoas do Parque.
Não é ainda, naturalmente (e todos sabemos porquê), a Gorongosa de outros tempos, pujante de grandes manadas e grupos de animais, mas graças às medidas de protecção que ali vêem sendo desenvolvidas desde 1994 que já se podem ver espécies de praticamente todas as que foram reduzidas até quase à extinção no período de guerra e nos dois anos que se seguiram ao acordo de paz de 1992. Elefantes, búfalos, leões, hipopótamos, crocodilos, pivas, palpadas, impalas, changos, oribis, facoceros, imbabalas, inhalas, cabritos cinzentos e macacos, têm já uma representação considerável nas áreas abertas ao turismo e podem ser observados ao longo das picadas bem tratadas do Parque. No caso das pivas, que em poucos anos passaram de umas escassas dezenas a mais de duas mil, podemos considerar que é uma recuperação fantástica que a continuar neste ritmo em breve teremos todos os tandos repletos deste emblemático animal de planície, que antes da guerra atingiu mais de seis mil exemplares!
A par da boa representação daquelas espécies os visitantes podem contar com uma extraordinária fauna alada que continua presente como antes, enriquecendo sobremaneira o colorido das paisagens e contribuindo com os seus cantos para que ali nos sintamos na verdadeira selva africana!
Não é tão significativa ainda a recuperação de quatro outras espécies igualmente emblemáticas, como as zebras, os bois-cavalo, as gondongas e os elandes, que são ainda em reduzido número e teimam em manter-se afastadas da zona turística, onde outrora eram aos milhares nas planícies e savanas.
Também os chamados necrófagos, como hienas, chacais e os próprios abutres, que praticamente desapareceram do Parque devido à quebra da cadeia alimentar de que dependiam, tardam em aparecer justamente porque tal cadeia ainda não foi reposta. Sê-lo-à, certamente, quando os grandes herbívoros e os carnívoros como os leões voltarem a povoar a Gorongosa numa escala que alimente e equilibre a mesma cadeia.
O projecto Carr Foundation, como já tive a oportunidade de dizer, foi como que uma dádiva dos deuses que surgiu há dois anos, altura em que, não obstante algumas tentativas e abnegado esforço de dedicados técnicos moçambicanos de reabilitar o Parque durante os anteriores dez anos em que os apoios do próprio Estado e de organizações internacionais ficaram sempre aquém das necessidades para o desenvolvimento de programas da envergadura dos ali em curso actualmente. As esperanças, todavia, nunca se desvaneceram durante esse período e o que ali foi possível fazer antes da chegada de Greg Carr pode considerar-se de muito positivo porque, sem dúvida, contribuiu para salvar este maravilhoso santuário bravio.
A execução dos programas do Projecto de Restauração da Gorongosa, da iniciativa de Greg Carr e apoio do governo de Moçambique, visam áreas que antes não foi possível abranger, tais como reintrodução de espécies, construção de novos acampamentos, centros de formação e de investigação, museu, escolas, postos sanitários, estância termal, etc., assim como a continuação de reabilitação das infraestruturas como acampamentos, pontes, estradas, pista de aviação, etc. Nestes dois anos de actividade do projecto, é já bem patente o progresso alcançado nessas áreas, com destaque para a construção de pontes na principal via de acesso ao Parque, do santuário de caça (onde já foram colocados cerca de 50 búfalos importados do Kruger Park) , restauro de boa parte do acampamento turístico do Chitengo, abertura e limpeza da rede de estradas e picadas, etc.
Outras acções decorrem num ritmo satisfatório, tanto na zona do Parque como na periferia, com destaque para a região da Serra, considerada o pulmão do Parque porque dali vem praticamente toda a água que forma e alimenta o grande ecossistema da Gorongosa. A criação de viveiros de árvores nativas e até endémicas para a recuperação dos danos causados no revestimento florestal das encostas e até dos planaltos superiores da Serra, a formação e implantação de um corpo de fiscais e os estudos com vista à criação de uma indústria de ecoturismo com a directa participação das comunidades residentes, são trabalhos já bem visíveis em Nhancuco, Canda e outros locais, com aceitação das autoridades, incluindo das tradicionais que começam a compreender os objectivos do Projecto Carr que é facultar-lhes postos de trabalho e rendimentos tirando partido dos recursos naturais únicos que a própria Serra oferece.
Visível também nessas acções é a formação, no Chitengo, de agentes para a fiscalização (estes não só para a Gorongosa mas para qualquer outra área de conservação do país). O programa de apoio às comunidades é outra das tarefas prioritárias que já apresenta resultados muito positivos sobretudo nas áreas da saúde, ensino e agricultura.
Os estudos já feitos e os que decorrem nesta fase do Projecto Carr, que prevê uma duração de 30 anos, envolvem cerca de duas dezenas de técnicos e cientistas, nacionais e estrangeiros, que, em condições ainda precárias em termos de instalações, se multiplicam em acções no terreno e nos gabinetes, no sentido de se alcançarem o mais rápido possível os objectivos do Estado e da Fundação: a recuperação do Parque e o seu desenvolvimento a níveis nunca antes atingidos.
Todas estas actividades contam também com quase três centenas de funcionários e trabalhadores moçambicanos, que estão imbuídos de um espírito novo e concomitante com o clima de entusiasmo que reina nos mentores do Projecto e nos responsáveis do Estado que em conjunto levam por diante esta obra admirável que muito vai dar que falar além fronteiras!
A direcção e acompanhamento de todas estas actividades são feitos pelo próprio Greg Carr, o americano que ali investe uma fatia da sua fortuna pessoal, sem qualquer propósito de lucros ou de retornos. Um homem que já era famoso pela forma como fez a sua fortuna mas que agora, graças ao projecto de recuperação da Gorongosa, se tornou mundialmente uma figura admirada como conservador da vida animal e amigo das populações em vias de desenvolvimento. A ele se deve, pois, a viragem de cento e oitenta graus operada nestes dois últimos anos e que conduz o Parque aos resultados previstos no seu projecto que é torná-lo de novo o melhor de África!
Durante a minha recente estadia no Parque, de 10 a 19 de Novembro último, graças ao estatuto de convidado, tive o privilégio de efectuar deslocações, de carro e de helicóptero, a locais aos quais o visitante comum ainda não tem acesso. O Dr. Vasco Galante, director das comunicações, nem precisou que lhe fizesse qualquer pedido especial pois organizou um programa que incluiu várias visitas, nomeadamente à zona turística e outros locais onde o projecto está a desenvolver acções, como é o caso da Serra da Gorongosa, das quedas do Murombodzi, das falésias do planalto de Cheringoma e das nascentes de água quente no Buè-Maria (futuras termas). Também visitamos o santuário de caça instalado do lado esquerdo da estrada pouco depois da entrada no Parque.
Depois dos primeiros contactos com os animais da zona turística, o Dr Vasco Galante levou-me no seu carro, juntamente com os meus colegas de viagem de Maputo para o Parque - o Paul Dutton e a Gilian - , ao primeiro daqueles passeios, precisamente às quedas do Murombodzi que ficam na nascente do rio do mesmo nome, a uma altitude de 900 metros na Serra. Antes de atingirmos este destino visitamos uma ex-colega e amiga dos primeiros anos pós independência, a Teresa Despiney, uma beirense licenciada em medicina veterinária e especializada em fauna bravia, que depois de ter trabalhado na EMOFAUNA (Empresa Moçambicana de Fauna) esteve em vários projectos do ramo noutros pontos de África e agora, qual Diana Fossey, se isolou nas florestas da encosta da Serra da Gorongosa, não a proteger gorilas, que ali não existem, mas a desbravar mato, a plantar árvores, ananases e outras culturas, numa salutar comunhão com a natureza e com as comunidades rurais, um velho sonho que finalmente realiza e que só é acessível a pessoas dotadas de grande coragem e rara sensibilidade! A sua fazenda, situada a cerca de 500 metros de altitude, é atravessada pelo rio Nhandare, que nasce lá no alto da Serra e traz água em abundância, mesmo na época seca e cujas margens conservam uma exuberante vegetação com árvores de grande porte. Um local de rara beleza onde fizemos uma pausa e nos refrescamos naquelas águas cristalinas, antes do almoço vegetariano (com produtos da horta) que a anfitriã nos ofereceu e a outros membros do Projecto, incluindo o próprio Greg, que entretanto ali apareceram de surpresa para igualmente visitarem esta intrépida sertaneja de quem todos são admiradores e amigos!
Ainda no trajecto para as quedas o Dr Galante fez novo desvio pela povoação de Nhancuco, para nos mostrar os viveiros de árvores nativas destinadas ao reflorestamento das encostas da Serra, já em franca produção. Ali se desenvolvem, bem como noutras aldeias da periferia da Serra, actividades do programa de apoio às comunidades, bem como acções de fiscalização por parte do corpo de guardas especialmente preparados para o efeito.
A partir dos viveiros de Nhancuco continuamos a subir durante meia dúzia de quilómetros, agora por caminho mais íngreme e sinuoso até às quedas, um trajecto que só as viaturas 4x4 podem fazer enquanto melhor estrada não for construída. Os últimos 500 metros foram percorridos a pé visto que só existe (propositadamente e por questões de salvaguarda do meio ambiente) um carreiro que conduz ao rio, a uns cem metros a jusante das quedas. Ali chegados e depois de nos regalarmos com o maravilhoso espectáculo daquelas águas caindo directas e em cascata de mais de cinquenta metros de altura, por entre frondosas árvores, a tentação de nos banharmos é tão grande que alguns mergulharam, mesmo vestidos, nas piscinas naturais que se formam nas rochas dos vários patamares da falésia e do leito do rio. Os mais atrevidos chegam mesmo a suportar com o “chuveiro” vindo lá de cima, nas partes de menor precipitação. Isto só é possível nesta época do ano porque o caudal é baixo a comparar com a grande avalanche de águas da época das chuvas, que se mantém até Julho/Agosto.
Estava ainda bem viva na minha memória a extraordinária beleza deste local, que não visitava há mais de 40 anos!
O regresso das quedas ocorreu ao fim da tarde desse dia e na passagem pela vila da Gorongosa fizemos uma paragem para um refresco na pousada, um dos vários edifícios ali construídos na última década que antecedeu a independência pelo maior comerciante da região, o Dário Santos Mosca, pessoa muito conhecida e estimada pelas populações locais e com quem privei durante os anos de actividade no Parque e posteriormente em Portugal enquanto viveu.
Não resisti em colher fotos das pinturas das paredes do bar, por serem alusivas à fauna bravia do Parque e terem sido feitas na década de 60 por um artista beirense – Maga - que conheci, o
mesmo que pintou, na mesma altura, alguns murais nas paredes dos bungalows do acampamento do Chitengo.
Mas a ida às quedas do Murombodzi não esgotou a minha curiosidade pelo resto da Serra, que na década de 60 conheci, sobretudo as encostas e planaltos da região norte quando efectuava operações de fiscalização e também durante um demorado reconhecimento florestal a pé com o engenheiro silvicultor Aguiar Macedo e outro funcionário do Parque, o Luís Fernandes. Alguns dias depois da minha chegada ao Parque, o Dr Vasco Galante, dispondo já do helicóptero que entretanto regressara da África do Sul, facultou-me várias deslocações utilizando este meio de transporte. Aproveitando um trabalho de reportagem das actividades do projecto que o jornalista António Elias, dos jornais Notícias e Domingo, ali foi fazer na mesma altura, sobrevoamos e visitamos locais como a própria Serra, as falésias do planalto de Cheringoma, os viveiros de Nhancuco, as nascentes de água quente do Buè-Maria, o santuário de caça e as áreas do Parque onde a recuperação dos animais é mais evidente.
mesmo que pintou, na mesma altura, alguns murais nas paredes dos bungalows do acampamento do Chitengo.
Mas a ida às quedas do Murombodzi não esgotou a minha curiosidade pelo resto da Serra, que na década de 60 conheci, sobretudo as encostas e planaltos da região norte quando efectuava operações de fiscalização e também durante um demorado reconhecimento florestal a pé com o engenheiro silvicultor Aguiar Macedo e outro funcionário do Parque, o Luís Fernandes. Alguns dias depois da minha chegada ao Parque, o Dr Vasco Galante, dispondo já do helicóptero que entretanto regressara da África do Sul, facultou-me várias deslocações utilizando este meio de transporte. Aproveitando um trabalho de reportagem das actividades do projecto que o jornalista António Elias, dos jornais Notícias e Domingo, ali foi fazer na mesma altura, sobrevoamos e visitamos locais como a própria Serra, as falésias do planalto de Cheringoma, os viveiros de Nhancuco, as nascentes de água quente do Buè-Maria, o santuário de caça e as áreas do Parque onde a recuperação dos animais é mais evidente.
O voo à Serra proporcionou-nos logo à partida, poucos minutos após a descolagem do Chitengo, um encontro com uma das duas maiores manadas de palapalas já em recuperação no Parque, muito próximo da zona turística. Cerca de meia centena destes elegantes antílopes negros correram velozmente à aproximação do helicóptero, mas logo o piloto se desviou para não lhes provocar mais instabilidade. Vimos ainda um pequeno grupo de gondongas, também fugidias, durante a rota.
O sobrevoo da Serra emocionou-me sobremaneira logo que o aparelho atingiu os primeiros cumes a sul e começou e divisar-se na minha memória a ideia que conservava desta majestosa montanha de cerca de 30 por 20 Kms., com 1862 metros de altitude no seu pico mais elevado que é o Gogogo (a segunda mais alta do país). Essa ideia tornou-se completamente distorcida agora a observa-la de cima, numa abrangência a perder de vista, com florestas, rios, vales e planaltos do interior a formarem paisagens deslumbrantes, onde os verdes se multiplicam desde o mais carregado das copas das árvores ao mais desbotado de amarelo das planuras, passando pelo cativante esmeralda e pelas misturas esfuziantes das cores acre, amarelo e castanho das folhas de muitas espécies florestais de altitude, autêntica simbiose de tons que a natureza ali nos dá. Um espectáculo soberbo, de rara beleza, que mexe com os nossos sentidos, que passou aos nossos olhos nessa viagem e que jamais se esquecerá!
Após tão emocionante sobrevoo o experiente piloto, o Berthus Reineke, que conhece já toda a região como as suas próprias mãos, levou-nos às encostas da Serra para vermos o que se pode classificar de grande calamidade para a conservação do meio ambiente e sobretudo das águas que generosamente escorrem da montanha. Trata-se das actividades de garimpeiros que sulcam e abrem poços nos leitos e margens dos rios (ao que parece à margem das leis) para retirarem ouro, deixando esses locais completamente desfigurados e poluídos com o mercúrio utilizado nessa mineração. Por onde passam esses exploradores fica um rasto de destruição e degradação dos solos ribeirinhos cujas consequências em termos ambientais e para a saúde das populações são muito graves. Vimos crianças brincando nas águas barrentas e envenenadas dos rios onde decorrem essas actividades!
Dali o simpático Berthus rumou aos viveiros de Nhancuco onde se fez a primeira aterragem para que o jornalista se inteirasse dos trabalhos ali em curso. De seguida retomamos o voo em direcção ao antigo acampamento da Bela Vista, um local muito bonito que outrora fora escolhido para um turismo selectivo, com construções erguidas durante os primeiros anos da minha actividade no Parque e que a guerra destruiu completamente. Disse-nos o Vasco, pelos intercomunicadores, que em breve se iniciaria a recuperação desse acampamento.
Seguiu-se depois a rota das planícies da zona mais baixa, os chamados tandos, com sobrevoo repetido do lago Urema onde se aglomeram já algumas centenas de hipopótamos e crocodilos e muitos milhares de aves aquáticas com predominância de flamingos. Ali perto, nos tandos do Goínha, vimos sucessivas manadas de centenas de pivas, o animal (antílope) em maior recuperação desde a calamitosa destruição da fauna do Parque dos anos de guerra.
Uma vez ultrapassado o lago para sul, o helicóptero entrou na zona turística de savana e florestas de galeria onde os elefantes encontraram ambiente (alimentar e de tranquilidade) para se reinstalarem e reproduzirem depois do colapso que os reduzira quase a zero nesta região nos anos mais críticos que foram os últimos que antecederam o final da guerra em 1992 e os dois seguintes, até 1994, quando o Parque foi alvo da maior chacina antes de ser recuperado definitivamente pelas autoridades da fauna. No ano 2000, quando ali estive, eram 125, numa só manada. Agora ultrapassam em muito as duas centenas, dispersos em mais grupos e até já aparecem os cambacos isolados! O piloto mostrou-nos uma dessas manadas mas fê-lo seguindo as instruções rigorosas de não voar muito baixo e circundar afastado para não provocar instabilidade nestes sensíveis e complicados animais.
O rumo seguinte abrangeu o sobrevoo do santuário de caça, onde estão já em franca adaptação meia centena de búfalos importados do Kruger Park. Minutos depois aterrávamos junto das nascentes de água quente do Buè-Maria, um local de floresta densa muito perto do rio Punguè e que o Projecto Carr pretende desenvolver com infra-estruturas adequadas a uma estância termal.
O regresso ao Chitengo fez-se sobrevoando o rio Púnguè, sempre atraente com as suas águas rasgando os areais do seu leito agora em grande parte à vista por se estar na época seca. Foram mais de três horas, na sua quase totalidade passadas no ar, observando as maravilhas que tornam este o local cujo ecossistema de características únicas é considerado o mais completo para a fauna e flora de todo o continente africano.
A visita às falésias de Cheringoma, noutro dia da estadia, foi mais uma jornada inolvidável, tanto pelo que nos foi dado ver do ar (muitos animais e paisagens bonitas), como pela observação directa, no terreno, desta maravilha da natureza.
O helicóptero levou-nos ao ponto mais alto do planalto onde nasce o rio Nhandindi, que ali mesmo, através de milhões de anos, rasgou as rochas calcárias e se despenha a mais de 50 metros, formando um conjunto de impressionantes falésias que ladeiam o mesmo rio até atingir as planuras do Vale do Rift, onde despeja as suas águas cristalinas nas barrentas do Mucombeze, depois se fundem com as do Urema, do Ding-Ding e finalmente do Púnguè a caminho do Indico.
Será neste mesmo lugar que o Projecto vai criar um acampamento com características muito especiais visto que será vocacionado para turistas, estudiosos e adeptos do contacto com estes fenómenos da natureza!
Noutras ocasiões, de helicóptero e de carro, acompanhei ainda o Dr Vasco Galante e o jornalista António Elias em deslocações visando essencialmente o encontro com elefantes e leões. Tivemos sucesso quanto aos primeiros, mas de leões apenas encontramos os poisos já que por duas vezes chegamos atrasados alguns minutos em relação a outros visitantes que os viram, uns na picada 4, outros na 6.
Paciência, a sorte não nos acompanhou neste particular mas o facto real da sua presença já razoável no Parque é mais um consolo que ficou desta visita!
Dias depois do meu regresso a Maputo recebi telefonemas do Dr Vasco e do Hendrik dizendo que os leões apareciam praticamente todos os dias, um dos grupos até com crias. Mandaram-me fotos, uma das quais aqui deixo porque se trata do animal que sempre foi e se mantém como o emblema do Parque!
Entretanto, numa tarde de pausa no Chitengo, ministrei uma palestra aos alunos do curso de fiscais de caça que ali decorre integrado no programa de formação de agentes para os Parques Nacionais e Reservas do país. Naturalmente que o tema abordado foi sobre a fiscalização e o combate à caça furtiva, baseado na minha experiência profissional de longos anos de actividade, tanto no Parque Nacional da Gorongosa (1963/1968), como noutros pontos do norte, centro e sul de Moçambique.
No dia 19, à tarde e depois de mais um game drive na zona turística, parti para a Beira no helicóptero que igualmente levou o jornalista António Elias no seu regresso a Maputo.
Curiosamente o meu companheiro de viagem na ida para o Parque, o Paul Dutton, também viajou no heli para a Beira, mas para ir a uma consulta de urgência face a problemas de saúde, felizmente sem gravidade, tendo regressado no mesmo dia ao Parque onde ficaria até à segunda semana de Dezembro.
Atordoado de tantas emoções vividas nos últimos 10 dias, mas muito feliz, regressei a Maputo, no dia imediato, no avião executivo do Greg Carr, em companhia de 3 técnicos consultores sul africanos que regularmente se deslocam ao Parque.
Outras viagens se sucederam, ao sul e norte do país, tornando esta estadia em Moçambique das mais emocionantes de todas as anteriores!
Maputo, Dezembro de 2006
Celestino Gonçalves
Fiscal de caça-chefe, reformado, que viveu e trabalhou
em Moçambique de 1952 a 1990
lII - AGRADECIMENTOS
- Ao Greg Carr, pelo convite que me fizera em finais de 2005, em Lisboa e pelas atenções que me dispensou e me fizeram sentir tão à vontade no Parque como nos tempos em que ali trabalhei!
- Ao Dr Vasco Galante, o grande colaborador, impulsionador e extraordinário entusiasta dos trabalhos de recuperação e desenvolvimento do Parque, por todo o apoio e deferências generosas à minha pessoa, facultando-me uma estadia inesquecível!
- Ao Eng. Roberto Zolho, administrador do Parque, por mais uma vez me ter recebido com o desvelo e carinho de um filho!
- Ao Dr Baldeu Chande, outro dos “filhos” que não esquece os velhos que lhe deram as bases do seu conhecimento e que, mesmo assoberbado com as suas novas funções no Parque, não deixou de me dar “uma mãozinha” em alguns momentos da estadia!
- Ao Hendrik Pott, o simpático e incansável encarregado polivalente do Chitengo - cujo pai conheci e admirei como caçador e simultaneamente conservador da vida animal na província de Inhambane -, pelos cuidados e atenções inexcedíveis que teve com o velho durante a estadia no Parque!
- Finalmente, ao meu particular amigo e ex-colega de trabalho, o consagrado eco-biologista Telford Paul Dutton, que, ido de Durban (Africa do Sul), onde vive, para o Parque da Gorongosa em missão de consultoria ao Projecto Carr Foundation, me deu boleia a partir de Maputo, encaixando-me (como sardinha em lata) numa nesga do interior do seu carro abarrotado de tralha para as suas actividades de campo!
A todos um BEM HAJA!
Maputo, Dezembro de 2006
Celestino Gonçalves
IV – ANEXOS – FOTOS
Da primeira parte da crónica
DA SEGUNDA PARTE DA CRÓNICA
(FIM)
1 - Esta crónica foi agora (re)publicada face à extinção do servidor Geocities
em 2008, onde havia sido publicada e, ainda, por solicitação de vários amigos que
desejam recordar a visita aqui relatada.
2 - As legendas das fotos serão recolocadas oportunamente.
Lisboa, 1 de Maio de 2016
Celestino Gonçalves