(15)
UM PASSEIO À INHACA
Várias tentativas falhadas de ir à Inhaca levaram-me a admitir que teria de regressar ao velho continente com mais uma frustração no que às viagens fora de portas diz respeito!
Valeu ter prolongado a estadia em Moçambique muito para além do previsto para que a tal oportunidade acabasse por surgir. Um telefonema já noite adiantada do Sérgio Veiga, anunciava-me a viagem para o dia seguinte, aproveitando um passeio turístico com dois clientes portugueses.
Antes das 7 lá estava na casa deste velho amigo, em pleno Bairro do Triunfo, onde ele e seu ajudante já estavam nos preparativos para meter o barco na água, ali mesmo em frente. Para além dos 5 ocupantes, também o “Gunga”, um bonito perdigueiro inseparável companheiro da caça e da pesca do Sérgio, tomou lugar no bote.
O mar estava calmo e brilhava como um espelho! Só a neblina matinal nos roubou o belo espectáculo da cidade, que deixamos para trás e aos poucos ficou reduzida às silhuetas dos grandes prédios recortadas no horizonte. Pela frente foi-se divisando a imagem das duas ilhas, com a dos Portugueses a fundir-se na vizinha Inhaca.
Uma hora de viagem estupenda e estávamos lá, em plena praia fronteira ao acampamento do Sérgio, uns bons quinhentos metros à direita do complexo turístico da Ilha. O programa não permitiu mais tempo ali do que o suficiente para trocar de roupa e colocar apetrechos de pesca e mergulho no barco.
Chegada à Ilha em frente da entrada do acampamento do Sérgio.
Contrariando os restantes companheiros, que dispensavam comer algo, lancei mão de duas latas de salsichas que faziam parte da minha bagagem de comezainas que levei e à socapa pedi ao cozinheiro para as preparar rapidamente. A fome que tinha dava para devorar qualquer daqueles avantajados mata-bichos de garfo dos velhos tempos das minhas andanças pelo mato!
Já estavam todos de novo a bordo para o périplo às ilhas, reclamando a minha presença, quando peguei na frigideira ainda no fogo e corri com ela para junto dos meus companheiros oferecendo a cada um (incluindo ao “Gunga”), uma bela e bem quentinha salsicha. Ninguém se fez rogado e lá fomos mar a fora mastigando o belo manjar, que foi providencial já que o regresso ao acampamento aconteceu apenas pelas 4 da tarde, altura em que recarregamos os estômagos com um belo caril de lulas!
Há mais de dez anos que não visitava a Inhaca e as recordações que conservava não eram de todo agradáveis, já que da última vez que lá estive esta ilha estava ainda sob grande pressão de uma elevada população humana que ali se refugiara durante o período da guerra civil. Actualmente encontram-se ali cerca de seis mil pessoas, distribuídas sobretudo pela orla costeira e que são ainda um peso excessivo para a capacidade da ilha relativamente à agricultura e aos produtos do mar, considerando que se trata de uma reserva natural onde apenas a indústria do turismo deveria ter lugar.
Vista da Ilha da parte Leste
O Sérgio, para além de experimentado caçador-guia, é um dos mais consagrados pescadores e mergulhadores desportistas de Moçambique, detentor de muitos recordes de espécies de peixes raros. Há dois anos retratei (ver Álbum de Recordações do meu Site pessoal
www.geocities.com/Vila_Luisa ) este homem como das personagens mais multifacetadas que tenho conhecido nesta terra, devido às várias actividades profissionais que tem abarcado e à sua extraordinária capacidade de as desenvolver.Caçador profissional, pescador, pintor, jornalista, futebolista (jogador e treinador), atirador de stand e fotógrafo, são actividades que o Sérgio desenvolveu nos últimos trinta anos, mas recentemente iniciou outra que já então anunciei: a de escritor, tendo sido publicado em Novembro último o seu primeiro romance “O Cântico da Galinha do Mato” (ver fotos em “Pictures” nas Comunidades da Beira, Inhambane e MGM), que é um sucesso comprovado pela segunda edição já em curso. Ele é hoje um dos meninos bonitos da cidade, visitado na sua casa por muitos fãs e até por gente da comunicação social, de cá e de além fronteiras, que desejam fazer notícia dos sucessos da sua aliciante carreira.
O Sérgio durante a cerimónia de lançamento do seu livro em Maputo
Estou a falar de um dos poucos “intrusos” extra população local que desenvolvem na Inhaca actividades turísticas. Há mais de trinta anos que ele tem base de apoio na ilha para as suas incursões piscatórias e de caça submarina fora da zona de reserva e para os mergulhos nos locais de observação das grandes espécies marinhas. O Sérgio conhece como ninguém esses locais, que ajudou a preservar como santuários dessas espécies e que são uma atracção turística aqui mesmo às portas da capital. O passeio que ele nos proporcionou durante um único dia, só foi possível pela sua grande experiência e conhecimentos desta região.
Com o Sérgio na praia da ponta sul da Ilha
Aproveitando a situação da maré, navegámos em redor da ilha dos Portugueses, ao longo da linha de areias que faz ligação à Inhaca. Junto desta atravessamos na direcção do oceano até ao Farol, passando pela carcaça enferrujada de um velho navio ali afundado desde a segunda guerra mundial. Fundeamos junto da praia da ponta mais a sul da ilha, onde a paisagem é encantadora pelos contrastes da vegetação, das rochas e das areias, com o mar a perder de vista. Ali nos regalamos a mergulhar nas águas calmas e límpidas das piscinas naturais, observando os peixes multicores!
O Farol da Ilha
A segunda fase deste passeio incluiu uma paragem junto do velho navio afundado para alguns mergulhos e observação das espécies. Isso foi feito apenas pelo Sérgio e pelo seu cliente mais novo, atendendo à profundidade das águas e aos cuidados a ter com os tubarões, frequentadores desse local para caçarem os grandes peixes que ali procuram abrigo.
Parte visível do Navio afundado, perto da ponta Sul da Ilha
Navegamos depois pelo lado oriental da ilha dos Portugueses e a meio desta, onde a paisagem mais se parece com um deserto africano de areias, fundeamos de novo para nos deliciarmos com mergulhos em águas calmas e límpidas.
Antes do regresso ao acampamento, o Sérgio proporcionou-nos a observação de uma zona de corais onde arpoou um polvo de razoáveis dimensões, suficiente para o jantar dos elementos do grupo.
Pelas cinco e trinta da tarde iniciámos o regresso à capital, mas as condições do mar eram já bem diferentes. Levantava-se o bem conhecido vento sul que normalmente assola a baía ao fim do dia e que obriga a viajar sob ondas crispadas e muito inconvenientes para as pequenas embarcações. A viagem durou mais meia hora do que o previsto e ocorreu sob o constante chapiscar das ondas que nos encharcaram até à medula, não obstante os impermeáveis que usamos.
O regresso do belo passeio à Inhaca foi de facto um autêntico suplício que só terminou em areia firme frente ao Bairro do Triunfo, pelas 19 horas. Só o Sérgio e o seu ajudante se mostravam tão serenos como se tivessem feito a travessia da baía em águas tão calmas como aquelas da viagem de ida. De resto, até o “Gunga” enjoou!
Mas valeu a pena, pelo dia inesquecível que passamos na lendária e muito bonita ilha da Inhaca!
Maputo, Março de 2005
Celestino (Marrabenta )
No comments:
Post a Comment