27 March 2010

73 - ENTREVISTA DO MINISTRO DO TURISMO DE MOÇAMBIQUE

Fernando Sumbana

ENTREVISTA DO MINISTRO DO TURISMO FERNANDO SUMBANA


UMA ANÁLISE ABRANGENTE DOS PRINCIPAIS PROBLEMAS DO SECTOR DO TURISMO EM MOÇAMBIQUE
(GORONGOSA - UM EXEMPLO DE PROGRESSO)

O Ministro do Turismo de Moçambique, Fernando Sumbana (esquerda) e Greg Carr, quando trocavam os documentos do Acordo de Gestão Conjunta do Parque Nacional da Gorongosa entre o Ministério do Turismo de Moçambique e a Fundação Carr, cerimónia que decorreu no Chitengo em 24 de Junho de 2008



ENTREVISTA

Nota: O Ministro afirma que na Gorongosa, coisas que o Governo esperaria fazer em 10 anos foram feitas em 3 ou 4, graças à parceria com a Fundação Carr.
Sumbana não concorda com as estatísticas.
Por Emídio Beúla e Paulo Mubalo
Fotos de Naíta Ussene



Fernando Sumbana Jr é ministro do Turismo e está agora a cumprir o seu terceiro mandato. Conhece muito bem o sector que dirige há 10 anos e talvez seja por isso mesmo que não concorda com as estatísticas oficiais que há 10 anos fixam em 1.5% o contributo do Turismo para o PIB. O ministro diz que 190 milhões de dólares anuais só em receitas do turismo internacional – contra os USD 40 milhões de há 10 anos, é muito dinheiro e que devia ter deslocado a percentagem do sector no PIB.

Em entrevista ao SAVANA, Sumbana Júnior fala dos altos e baixos do Turismo e, pelo meio, diz que o movimento de turistas no Mundial de Futebol será abaixo das expectativas. Lá para o fim, o ministro fala dos seus interesses empresarias e adverte que não é rico, que os seus interesses empresariais não se fazem à custa do erário público e que está à vontade porque não se acha em conflito de interesses.

Vamos começar pelas áreas de conservação. Muitas famílias continuam a disputar espaço com animais bravios dentro de reservas e parques nacionais. O Parque Nacional do Limpopo (PNL), é disso exemplo ou são aparên cias?


Aqui nós temos que reconhecer. Se falarmos do caso específico do PNL, há desafios grandes neste momento. Quando se desenhou o parque, a primeira medida devia ter sido a transferência das populações com habitações próprias, seus haveres e machambas. Mas o desenho foi feito no sentido de várias coisas acontecerem em paralelo. No processo de transferência das populações foi onde se encontrou mais problemas. Primeiro porque os recursos financeiros para transferir as populações dependiam de terceiros. Nós fizemos um programa confiando numa promessa de terceiros e estes não trouxeram os recursos ao rítmo que nós pretendíamos. Isso condicionou o cumprimento do programa e não nos permitiu concluir o programa em tempo útil.
Primeiro tínhamos de discutir o pacote de reassentamento com as populações e elas concor darem. Isso foi feito. Segundo, foi necessário escolher o local para onde deveriam ser trans feridas. Ultrapassou-se essa fase. Tudo isso tinha que ser feito depois de os parceiros que iam financiar concordarem e para concordarem eles tinham que vir visitar, ter encontros com as populações e estar alguém a fazer traduções ora de chan­gana para inglês, ora de inglês para changana. Isso durou cerca de dois anos e meio. E encontramos uma resposta: as populações concordaram e escolheram a área para onde iriam habitar, a casa razoável para a sua com pensação e todo o pacote que envolve a transferência dos seus bens.
Mas tínhamos uma condição: construam as primeiras 18 casas, depois as populações têm de ver e confirmar que estão de acordo. O Construtor também teve as suas dificuldades de iniciar a cons trução mas lá avançou. Acabadas as 18 casas, as populações tiveram que ver e mandar corrigir. Foram feitas as correcções e as famílias abrangidas foram transferidas para lá. Depois disso tivemos que fazer uma segunda etapa, uma segunda demonstração. Entraram em processo de construção mais 22 casas. São essas que estão na fase final e feitas com base em aceitação anterior. Só depois disso o doador estaria disponível para libertar os outros fundos que são 10 milhões de euros que vão permitir a transferência de 75% da população que vive no interior do PNL. E o processo demorou, porque a ligação tem de ser feita via secretariado da SADC. O secretariado da SADC é que tem de pedir dinheiro aos nossos parceiros de cooperação que neste caso é a Cooperação Alemã. E depois disso há um acordo entre Moçambique e a SADC. Felizmente a parte moçam­bicana cumpriu tudo o que tinha por fazer: auditoria, estudo de trabalho e neste momento aguardamos que a qualquer momento a SADC assine com o Governo Alemão e depois disso assine com Moçambique. Nós já lançamos concurso desde ano passado para a construção das futuras casas e já enviamos para o Tribunal Administrativo, logo que libertarem o dinheiro nós vamos iniciar com a construção de 75% das casas para a população.

Para além do PNL, há outras áreas com problemas semelhantes?

A maioria não tinha população lá dentro. Mas temos exemplo de Gorongosa que as populações estão lá dentro, mas a situação está sob controlo. No Parque Nacional das Quirimbas há problemas porque há uma rota de ele fantes devido ao circuito Niassa - Tanzânia. Por vezes tem havido confrontação, mas o Governo está neste momento a fazer a vedação exactamente no ponto mais crítico para proteger as populações. Temos também as Forças Armadas a ajudar e todas as administrações têm instrumentos para afugentar animais. O conflito existe, ainda é uma grande preocupação. Na reserva do Niassa - aqui nós estamos a falar praticamente de uma reserva que tem o tamanho de Luxemburgo - temos o distrito completo dentro do parque. Secularmente as populações conseguiram conviver com esta situação, mas vai aumentando, os recursos hídricos vão sendo cada vez mais escassos e a luta pela sobrevivência do ser humano começa a ser um grande desafio. Temos tido alguns problemas e o que temos feito é procurar proteger as aldeias das populações.

Em que moldes são geridas as áreas de conservação? Há parques e reservas nacionais concessionadas?

Nenhuma área de conservação está concessinada como tal. O Governo fez parcerias. No caso do PNG, por exemplo, fizemos parceria com a Fundação Carr. Trabalhamos em conjunto, o Go verno tem um representante na direcção e outro foi indicado pela Fundação Carr. Fizemos isso porque apareceu uma organização com recursos financeiros interessada pela conservação e com vontade de trabalhar com Governo moçambicano e de seguir a agenda moçambicana. Podemos dizer que há progressos: coisas que nós esperávamos fazer em 10 anos, conseguimos fazer em 3 a 4 anos. Quanto à Reserva do Niassa, há uma sociedade que foi criada para o desenvolvimento daquela área. Nessa sociedade, o sócio maioritário é o Estado moçambicano, o Presidente do Conselho de Administração é parte moçambicana e é representado pelo IGEPE. Portanto, a política não diz que o Governo não pode concessionar. Podemos, mas por uma questão de prudência procuramos avançar por estes passos que permitem fazer a leitura dos resultados. Em função dos resultados, o Governo pode pensar em concessionar ou mesmo desistir em conces sionar.

As áreas de conservação requerem muitos investi mentos quer para sua res tauração quer para sua manutenção. As receitas que gerem são suficientes para cobrir as suas des pesas?

Normalmente, os parques e reservas não são actividades rentáveis porque gasta-se muito dinheiro na conservação da biodiversi dade e não se pode pressionar muito os recursos só porque se quer dinheiro. Nós podíamos, através de várias concessões no PNL, ter dinheiro suficiente para cobrir todas as actividades. Mas passado algum tempo, aquilo já não seria um parque, mas uma cidadela do Limpopo. E podíamos fazer em PNG, mas havíamos de perder todo o aspecto prestigioso de Gorongosa. Até podíamos ferir as populações e violentá-las com pressão, alterando profundamente o seu modo de vida. O que procuramos fazer é elevar o seu nível de vida e não confrontar as populações com novos modelos de desenvolvimento que não respondem com aquilo que é a sua vida.
As parcerias que fizemos são justamente para contrabalançar. Nós devíamos gastar no mínimo 80 dólares por hectar para conservação dos parques. Nós não temos esse dinheiro e o que estamos a fazer é tentar mitigar aquilo que é crítico: ter fiscais, ter medidas para combate às queimadas descontroladas, proteger as populações, e fazer o repovoamento para garantirmos que o parque tenha qualidade. Mas todo o exercício que fazemos é no sentido de que os parques sejam autónomos nos próximos tempos. Estamos a discutir com a sociedade civil para encontrar formas de criar instituições autónomas que tenham a capacidade de mobilizar recursos financeiros.

Não sendo rentáveis, como é que ficam os 20% da comunidade? Têm recebi do?

Nós temos estado a fazer com regularidade em todos os parques e reservas nacionais. Tem estado a surgir problemas nas fazendas de bravio que são tuteladas pelo Ministério da Agricultura. Mas ao nível do Governo estamos a trabalhar para avaliar o que está a acontecer. Agora adoptamos um mecanismo muito célere em que a receita é captada para as finanças distritais e/ou provinciais e, em um mês, possa ser devol­vida para servir interesses da comunidade. Já não haverá o ciclo de três a seis meses.

AVALANCHE DE TURISTAS: LONGE DAS EXPECTATIVAS

Moçambique via no Mundial de Futebol da África do Sul uma oportunidade para atrair turistas. Estamos a cerca de dois meses para o arranque da prova, essa visão ainda continua?

Nós temos que pensar que quando procuramos tirar o máximo de oportunidades do Mundial 2010 tem de ser com base naquilo que somos e podemos. Estamos a melhorar as estradas, temos uma companhia aérea que cobre todo país, temos hotéis que estão a ampliar, nas províncias há hotéis de qualidade para todos os bolsos, etc. Há pouco tempo visitámos Inhambane e, da consulta que fizemos aos operadores, soubemos que há muitas reservas para o mês de Julho porque muitos sul-africanos não querem estar na África do Sul durante o período dos jogos. É uma boa amostra uma vez que Inhambane é o local mais visitado. Portanto, haverá muita movimentação. Há hotéis que estão a trabalhar a todo vapor para ver se estarão disponíveis nesse período. É o caso do Hotel Radisson em Maputo e outros que apareceram em Manica. Mas o aproveitamento do Mundial de Futebol não significa apenas ter uma grande multidão a atravessar a fronteira. É criar o apetite nas pessoas por Moçambique e deixar um legado no sentido de que estas pessoas queiram visitar mais o país. Por isso estamos a nos organizar para criar uma certa movimentação em termos de promoção turís tica.

Quais são as expectativas em termos numéricos?

É preciso dizer que o movimento não corresponde àquilo que era nossa expectativa. Nós próprios pensávamos que teríamos um incremento substancial, que estaríamos cheios de turistas. Mas a avaliação que a própria África do Sul fez é que nem sequer os bilhetes estão a ser comprados com o rítmo que se esperava. Há muitos bilhetes, e a FIFA abriu um esquema para simplificar mais a venda de bilhetes. Várias pessoas, sobretudo, as que se esperavam que viessem da Europa, não virão. Aliás, a avaliação recente feita pela África do Sul concluiu que poderá registar-se uma refracção em termos de turistas tradicionais por não quererem estar num momento de tanta movimentação.
A África do Sul previa ter mais 450 mil turistas e agora a previsão é que vai ser menos. Nós esperámos tirar cerca e 10% desta quantia. Estávamos a espera de 45 mil turistas como resultado da Copa Mundial.
45 mil não chega a ser uma grande fatia, mas seria substancial porque nós sabemos que são turistas que vão gastar no hotel, no restaurante e vão deixar receita no país. É só imaginar se cada um gastasse mil dólares no país, nós estaríamos a falar de 45 milhões de dólares num espa ço de um mês.

Ultimamente já ninguém fala do ambicioso projecto turístico de Xefina. O que está acontecer?

Não tenho falado publicamente, mas nós continuámos a trabalhar com dossiers. Houve acertos entre investidores e o Município de Maputo, levaram alguns anos. E alguns deles não era falta de vontade. O ponto é que fez-se um estudo de impacto ambiental que recomendou que não se fizesse uma ponte. Só o não se fazer a ponte alterava completamente a estrutura do projecto. Passava a haver necessidade de estudar a forma mais eficiente de se transportar as pessoas para lá. Tinha que se estudar o segmento de turistas que quer ir para lá. Nem toda a gente gosta de atravessar de barco. Em segundo lugar, houve necessidade de encontrar uma base para cons tituir uma rampa de lançamento dos barcos para lá. Em finais de 2009 o município fez a entrega aos investidores do local onde eles irão usar como base para transportar material. A promessa que temos dos investidores é que vão começar a movimentar-se este ano.

As estradas que dão acesso a locais turísticos continuam com problemas de transitabilidade...

Continuam com muita deficiência. Mas há manutenção possível e sentimos que a ANE tem estado a fazer o melhor que pode para manter a transitabilidade das vias de acesso. A estrada para Ponta de Ouro tem estado na agenda do Governo nos últimos dois anos e a perspectiva é posicionar-se e deixar o sector privado fazer a ponte para a Catembe e fazer estrada até Ponta de Ouro. Houve um concurso de pré-selecção e acredito que neste momento está-se na fase de avaliação final das propostas que foram colocadas e naturalmente esperam-nos boas notícias nos próximos tempos.
Outra via em estado crítico é a que vai até Massingir – PNL. Mas devo dizer que fizemos mapeamento de todas as vias de acesso a locais turísticos e estão na agenda do MOPH como priori dade e algumas vão ser este ano objecto de intervenção.
Há locais onde se faz intervenção de manutenção regular e há outros que vão ter intervenção de grande envergadura. Mas ao mesmo tempo o Governo iniciou um novo paradígma, que é de pegar em áreas completas, equipar de infra-estruturas e convidar os privados para investir. Daí surge o projecto que nós temos estado a referir muitas vezes que é o Projecto Arco Norte. Identificamos áreas no Niassa, Cabo Del gado e Nampula e estamos a concluir um estudo que vai ser apresentado em Maio. Há definição clara do tipo de ruas, sistema de distribuição de água, saneamento, centros comerciais, hotéis, campos de golfe, residências e capacidades de carga desses mesmos lugares. É uma atitude proactiva que o Governo tomou para não ficar à espera de problemas, como tivemos, por exemplo, na Ponta de Ouro. Temos inves tidores à espera da conclusão do plano, pois tudo segue um planeamento rigoroso para garantir que seja feito com base nas regras.
Até finais deste ano já estarão alguns deles a arrancar, isso se não houver elementos fora do nosso controlo. Como sabem, temos muitos projectos em carteira, veio a crise financeira e os grandes investidores viram que já não podiam avançar.

Recentemente, o sector hoteleiro foi alvo de uma inspecção internacional. Uma das conclusões tornadas públicas é que há, regra geral, falta de higiene nos hotéis moçambicanos. Até falou-se da circulação de ratos em algumas cozinhas. O MITUR sabia disso?

Nós não sabíamos. Mas foi uma visita muito estranha de uma pessoa que representa um organismo internacional. Não trabalhou com nenhuma entidade local, pôs-se a visitar hotéis que nós nem conhecemos. Se for a fazer uma inspecção nos hotéis há-de encontrar muitos hotéis em situação precária, mas pega num hotel como Avenida, como Polana, há-de encontrar que as condições estão muito bem. Aquele relatório para mim parece mais um relatório de anti-marketing. Na competição internacional aparecem notícias que pretendem quebrar vantagens que o país tem. Pareceu-nos isso, porque se fosse uma coisa séria teria sido discutida connosco e aí teríamos tido a possibilidade de contraditório e explicar o que é que se passa. Teríamos explicado inclusive que o Governo tem um programa de reclassificação de hotéis, que o Governo está a andar em hotel por hotel para verificar se as estrelas que o hotel ostenta correspondem aos serviços, à infra-estrutura e a todo tipo de facilidade que cria ao hóspede. Ninguém nos deu essa lição, nós é que assumimos fazer esse trabalho. Mas nós não desqualificamos a informação que vem no relatório, estamos a trabalhar olhando para aquilo que foi dito para aprimorar.

Mas o problema parece demasiado complexo e não será resolvido apenas com a reclassificação, isto é, com a diminuição ou aumento de estrelas…

Não só estamos a frente de reclassificação, mas ao mesmo tempo estamos a intensificar a formação. Estamos a trabalhar com o Ministério do Trabalho que tem estado a dar muito apoio. Contamos com escolas especializadas como a de Hotelaria e Turismo de Inhambane, a Escola de Turismo de Cabo Delgado e com a iniciativa de várias pessoas que a título individual vão fazendo a formação. O que temos estado desde que introduzimos a campanha do bem servir, é despertar a responsabilidade das pessoas. Há-de notar que em alguns dos sítios onde vamos, o atendimento deixa a desejar não porque o trabalhador não saiba fazer. Pura e simplesmente desleixa-se, relaxa. E isso não é só problema dos hotéis, restaurantes e “Chapas”. É a nossa atitude em relação a terceiros: como é que devemos servir o outro? O que estamos a fazer é: aprendam a servir bem e tenham o prazer em servir bem.

Em algumas áreas de atracção turística há problemas de hospedagem, sobretudo, em momentos de pico. Inhambane é um dos exemplos. Há incentivos para operadores no sector?

O Governo deu incentivos dos mais atractivos que a gente pode encontrar aqui no continente africano. Tudo o que tiver que importar para desenvolver um empreendimento turístico está isento de direitos do IVA, desde que não seja produzido aqui no país porque temos que proteger a produção nacional. E essa isenção vai desde mobiliário, ar condicionado, material para cozinha, para sistema de congelação, etc. Se importar um helicóptero para transportar clientes de uma zona para outra também tem isenção. Se comprar um Iate também tem isenção do IVA. Para algumas pessoas até parece um exagero essa isenção. Mas isso foi uma isca, no sentido positivo, que o Governo pôs para tirar um peixe grande. Estes projectos integrados que queremos fazer no Niassa, Cabo Del gado e Nampula avaliados em mais de um bilião de dólares significam que os investidores serão atraídos por esses incentivos. Mas a partir do dia que abrirem as portas vão trazer muita receita para o Estado através do IVA e outros impostos.

Até Junho, quantas camas teremos?

Neste momento estamos com cerca de 38 mil camas em Moçambique. Pela leitura que temos estado a fazer nas cidades de Maputo, Nampula, Tete e Beira, teremos mais 400 camas até Junho.

TURISMO NO PIB

Qual é a contribuição do Turismo para o PIB?

Nos últimos 10 anos, as estatísticas oficiais dizem que a contribuição do Turismo para o PIB é de 1.5%. Mas essa é uma questão que está em debate, porque está-se a avaliar os critérios para ve rificar a contribuição ao PIB. É que, na realidade, todos os dias nós vemos que a contribuição é substancial: está-se a trabalhar, está-se a consumir. Mas as estatísticas revelam isso. O que eu posso dizer é que devíamos olhar para outros elementos que completam o sector do Turismo, como o emprego que gere, as receitas anuais, etc. Por exemplo, nos últimos 10 anos as receitas anuais em termos de turismo internacional cresceram de 40 milhões de dólares para 190 milhões de dólares actuais. Ora, sair de 40 para USD 190 milhões só em receita interna cional, significa que pelo menos devia ter se deslocado a curva ou a percentagem do Turismo no PIB. Mas isso é um desafio que estamos a levar à cabo. Vamos fazer um estudo - que chamamos de contas satélites – que permite ver o que é que um empreendimento turístico provoca de positivo. Na construção, aumenta o PIB da construção, provoca transportes e aumenta o PIB dos Transportes, provoca Indústrias porque vai trazer bens de consumo, etc. Mas também podemos fazer ensaios como este: experimente parar o Turismo na província de Inhambane. O Turismo é que faz correr as pessoas em todos o lados, quem está a fazer cesta é o turista, quem está a preparar peixe é o turista, quem está a transportar é o turista, o avião que aterra mais vezes em Vilanculos é do Turismo. Então, aqui nós podemos ver que esta indústria está a trazer um grande impacto no desenvolvimento económico e social.

Falou de receitas anuais em termos do turismo inter nacional. Qual á receita anual global?

Nós fizemos uma avaliação através de um inquérito turístico e chegamos à conclusão de que cada turista fica cerca de quatro dias no país e gasta por dia mais ou menos 45 dólares. Trabalhando nesses números, podemos chegar à conclusão de que hoje, em termos de gastos tanto de turistas nacionais como de internacionais, estamos por volta de 350 milhões de dólares.

Quantos postos de emprego o sector já criou?

Neste momento estamos com cerca de 37 mil trabalhadores. O Turismo é o sector que está a empregar mais, talvez depois da agricultura.

Recentemente, Moçambique organizou um seminário sobre turismo científico. Que se pretende com este segmento?

Trata-se de um segmento essencialmente de estudiosos, académicos, voluntários que se deslocam para vários países para aprender, ensinar ou para trabalhar voluntariamente. Verificamos que é um segmento muito bom e que está a crescer a nível mundial e foi por isso que decidimos acolher este seminário para entender melhor o que é. No seio das organizações internacionais que promovem este turismo vamos procurar criar condições para que venham turistas fazer estudos em Moçambique. Pode vir um turista fazer um estudo do processo de reassentamento do PNL. Ele deverá, a partir de agora, ser devidamente licenciado e deixar uma cópia do estudo como património para o país.

Ainda na segmentação do Turismo, falava-se do Turismo de massas. Qual tem sido a tendência do Turismo a nível nacional?

O que acontece é que nós só vemos turista quando ele sai do avião ou quando ele sai de um autocarro, mas qualquer viagem que você faz até Gaza para visitar um amigo já é turismo. Desde que não vá por motivos de trabalho e doença e que não fique menos de um dia ou mais de um ano. É turista porque vai estar num ambiente diferente do seu, eventualmente vai consumir coisas que em condições normais não iria consumir. O que acontece é que o hábito dos moçambicanos é visitar familiares e em momentos de lazer normalmente nos períodos de Páscoa e fim do ano. Nesses momentos os maiores turistas que estão em Inhambane, Ponta de Ouro, Pemba, Zalala, etc, são nacionais.

Esses movimentos estão sistematizados? Há números?

A maior dificuldade que temos é a de fazermos o registo do turismo doméstico, porque deve ser feito por inquéritos. Enquanto o turista internacional preenche uma ficha, o nacional não é obrigado a preencher nada. Portanto, não há dados sistematizados que nos possam dizer que este é turista e este não é. Foi feito um inquérito familiar no INE e a partir daí vamos ter uma informação sobre o movimento do turismo doméstico. O Governo tem criado actividades de animação para promover o turismo doméstico: festival de Zalala, do Tofo (agora da Barra), do Wimbe, da Ilha de Moçambique, etc. Há também pretextos como a abertura da época de Canhu, festividades do Nhyau, de Timbila, tudo isso faz com que as pessoas se movimentem.

E agora fala-se do projecto Kapulana nos distritos…

Pois. Agora vamos arrancar com os próximos 20 e esperamos que durante os próximos 18 meses estejam concluidos. Já abrimos em Moamba, vamos abrir no Guijá e Alto Molócue até finais de Abril. Ainda não abrangimos todos os 128 distritos, pois estamos a falar de cerca de 50. Estamos a atacar os locais com maior necessidade em função das indicações dos governos provinciais. Antes de avançarmos muito, temos de aperfeiçoar o processo de gestão. Nós não queremos ser elefantes brancos. A qualidade tem de ser a mesma, no projecto Kapulana de Alto Molócue e da Ponta de Ouro.

Para além da sua atracção turística, a costa moçambicana, sobretudo na zona Sul, ficou mediatizada pelas construções desordenadas que punham em causa o ambiente. Actualmente parece que ninguém fala disso. O problema passou para a história?

Infelizmente ainda continuam alguns casos desses, porque há pessoas que pedem terreno e começam a construir. Quando o edifício está a uns três ou quatro metros, procura-se saber o que é aquilo e dizem que é empreendimento turístico. A lei não permite que se faça alojamentos turísticos sem licenciamento prévio. Mas como as pessoas podem ter acesso à terra dizem muitas vezes que é para construção de uma habitação. Depois disso pedem licença de construção, iniciam com as obras sem seguirem as posturas. Estamos a fazer uma monitoria e quando notamos que são empreendimentos turísticos, aproximamos e mandamos adequar esses empre endimentos àquilo que são os padrões. Recentemente, estivemos em Inhambane e vimos que até há estabelecimentos que não respeitaram a distância da orla marítima e recomendamos aos nossos quadros locais para mandar deslocar os empreendimentos. Teremos que tomar medidas, já chamámos atenção por várias vezes, existe a lei. Quem estiver a infligir a lei não terá outra alternativa senão assumir as consequências.

PATRIMÓNIO DA HUMANIDADE

A Ilha de Moçambique é um espaço de atracção turística e Património da Humanidade. Mesmo assim, continua a cair de podre. Que projectos o MITUR tem para salvá-la?

Há um projecto de restauro da Ilha de Moçambique que está sob controlo do Ministério da Cultura. Nós temos um representante e o MICOA também tem.
Além disso, o nosso plano Arco Norte abrange a Ilha de Moçambique. Queremos promover a restauração da Ilha e muitas casas poderão ser transformadas em hotéis abertos. Hotel aberto significa que temos uma parte que é casa e outra que é hotel. Desenhámos também um projecto que visa promover empreendimentos de lucro. A ideia é criar oportunidades onde ainda há possibilidades claras de expansão, as populações podem ter melhor acesso à escola, hospital, trabalho, maior porção de terrenos e isso vai permitir de certo modo o descongestionamento da Ilha de Moçambique.

Ainda na Ilha de Moçambique, o ministro da Saúde parece que não concordou com a ideia da transformação do hospital local em hotel…

Eu e o ministro da Saúde entendemos que havia necessidade de se avaliar o que se deve fazer aí. E a primeira opinião do ministro da Saúde era não transformar o hospital em hotel. Mas já enviou equipa para lá e neste momento está a ponderar-se a hipótese de uma parte ser usada para hotel. É que efectivamente, não há necessidade de usar todo aquele empreendimento para hospital.


SUMBANA E OS PRESIDENCIÁVEIS

Em 2014 antevê-se uma possível transição na liderança do partido Frelimo. Seu nome é um dos citados em alguns círculos restritos para a Presidência? Está preparado para assumir o cargo de Presidente da República?

Eu acho que se alguém mencionou meu nome deve ter sido na brincadeira, porque nem sequer há equação nesses termos. Eu sempre procurei trabalhar honestamente e onde estou me sinto muito bem e servirei onde for necessário. Eu pertenço a um partido onde escolhemos as pessoas que assumem essas responsabilidades e são pessoas com características muito bem claras. Olha para a história da Frelimo até agora, são pessoas muito carismáticas e com uma intensidade histórica. Aliás, se olhar por aí há-de chegar à conclusão de que se alguém mencionou meu nome foi mesmo uma brincadeira. O melhor é seguir como uma brincadeira completa, porque não tem nada a ver com a minha vida.

Actualmente, o discurso político em voga é sobre gerações. E há quem fala de uma possível transição, em 2014, da geração de Nachingueya para a do pós- independência na presidência do Partido e da República no caso de vitória nas eleições. Já pensou nisso alguma vez?

Para lhe dizer a verdade, nós temos estado a gerir muito bem o processo de transição. Temos estado a fazer as coisas muito perfeitas e, por isso, nunca equacionei isso. Veja que o nosso Presidente vem da resistência contra o sistema colonial e está a fazer coisas que estão a surpreender o mundo inteiro. Porque? É carismático, conhece muito bem os problemas do povo moçambicano, sofreu com o povo moçambicano, está a fazer aquilo que o povo recomenda que faça. Portanto, eu sinceramente nem sequer passa pela minha cabeça debater esses assuntos.

O senhor é um dos ministros que têm interesses empresariais e que, provavelmente, se acha numa situação de conflito de interesses. Têm interesses na área do Turismo?

O que eu faço é seguir o que a lei diz. Primeiro, não me envolvo na gestão e, segundo, evito conflitos de interesses.

Mas sendo ministo/empresário, como é que evita conflitos de interesse?

Quando fui nomeado ministro do Turismo, a empresa a que estou associado tinha uma série de oportunidades no sector do Turismo. Tínhamos muitos estudos feitos, estávamos avançados, mas eu disse para pararem e pararam. Os gestores estão a trabalhar e as coisas estão a andar e não vejo problema algum. Eu sinto-me confortável, ando à vontade, porque nunca me sinto em conflito de interesses. Quem por alguma razão se mete em conflitos de interesse não fica confortável.

Em certos círculos de opinião seu nome é associado à lista de empresários mais ricos de Moçambique. Quer comentar?

As pessoas confundem o facto de uma pessoa ser accionista numa empresa com ser empresário. Eu efectivamente não desenvolvo a actividade empresarial. Eu tenho interesses lá. Agora, essa coisa de que sou uma das pessoas mais ricas do país, são pronunciamentos desagradáveis porque não é verdade. Eu não ando a concorrer nisto e naquilo. Nem ando a fazer contagem do que este tem e o que não tem. Essa questão da riqueza é capaz de ser relativa, se calhar vêm uma pessoa com uma casa e pensa-se que como tem casa já é rica. Mas não é isso.

Mas considera-se um homem rico?

Não, de maneira nenhuma me posso considerar um homem rico. Posso me considerar rico do ponto de vista de relações humanas, brinco com todas pessoas, tenho muitos amigos, tenho uma família muito unida, tenho colegas que trabalham comigo muito bem. Sou rico nesse sentido. Mas rico do ponto de vista monetário, eu acho que seria exagero.

Os detentores de cargos governativos têm a obrigação de fazer a declaração dos bens. Mas não é pública, no sentido de ser escrutinado pelo público. Qual é a sua opinião sobre esta matéria? Já fez…

Há pessoas que fizeram o que vocês estão a fazer agora, aproximaram-se e conversaram comigo. Mas não faz sentido uma pessoa fazer uma publicação de tipo a minha casa é esta, o meu carro é este, etc. Isso até podia chocar algumas pessoas. Estamos a falar da questão da riqueza e não riqueza, mas para o povo moçambicano normal um carro já é riqueza. Há pessoas que não têm, aqueles que têm não podem abusar, andarem aí a ostentar.

A sua empresa está a dar resultados positivos…

Daquilo que eu vejo das contas anuais não tanto como seria de esperar, mas não dá para fechar (risos).

Para terminar, gostaria de dizer algo que eventualmente não perguntámos?

O que posso dizer é que fizeram bem por terem colocado as últimas perguntas, porque quando se pergunta fica-se com uma indicação ou resposta. Eu acho que nós devíamos valorizar as pessoas que têm iniciativas, desde que sejam feitas de forma sã e transparente. Não devemos hostilizar ninguém que cria riqueza para o país, porque está a dar mais oportunidade ao terceiro e está a valorizar o nosso país. Fizeram uma pergunta querendo saber se eu tinha interesses empresariais, confirmei que sim. Mas tomem isso como uma contribuição das minhas capacidades para o desenvolvimento do país. Agora, se fizesse isso à custa do erário público ou se fizesse à custa de sacrifício de terceiros, aí é que seria grave. Mas tudo é feito na perspectiva positiva. E posso dar exemplo da empresa a que estou associado que esteve envolvida no desenvolvimento de uma fábrica de medicamentos. Para que servem os medicamentos? É para curar pessoas e não é uma coisa que dá lucros fáceis. Portanto, o objectivo último era esse, embora houvesse um intermédio porque a empresa é feita por uma certa rentabilidade. Todas as coisas que a empresa a que estou associado faz têm uma componente social muito forte que vão fazer com que eu possa dizer que valeu a pena ter passado para este planeta.

SAVANA, 19-03-2010


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NOTA À MARGEM:

Esta entrevista acaba de nos ser enviada pelo Dr. Vasco Galante, director de comunicação e do turismo do Parque Nacional da Gorongosa.


Amor - Leiria, 27 de Março de 2010

Celestino Gonçalves



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