"Esta imagem foi tirada com uma máquina Pentax 35 mm da era pré-digital numa lagoa sazonal criada no verão pelo alagamento das planícies aluviais do Urema. Eu estava a ensinar o pessoal do parque com o Fernando Costa na escola de formação que tinha sido criada no acampamento de Chitengo, do Parque da Gorongosa. Enquanto obtínhamos amostras de peixes para estudo para um dos nossos projectos de trabalho de campo, um determinado hipopótamo separou-se de um grupo de cerca de 20, e apareceu à tona da água como fosse uma "matrona" com um chapéu alto e estivesse a provar diferentes estilos florais. Mas depois de ter gasto quase todo o rolo de 36 imagens, em apenas uma delas é que o hipopótamos apareceu com um chapéu que lhe ficava mesmo bem e proporcionou-me esta oportunidade de obtenção de uma fotografia única. O chapéu florido em questão é na realidade uma praga aquática invasora denominada Jacinto-de-água ou Eichhornia crassipes a qual foi introduzida nos ecossistemas húmidos de África a partir da América do Sul. Embora esta planta seja uma séria praga que impede a água de fluir e que causa excessivo consumo de oxigénio em detrimento da restante fauna aquática, incluindo os peixes, era uma espécie de salada para um animal que tem a capacidade de consumir 50kgs de erva diariamente. Também os Babuínos se aventuram em águas infestadas de crocodilos para apanhar e comer as suas atractivas flores cor-de-malva. A imagem acima teve uma carreira que se pode comprovar aparecendo primeiramente como a capa da revista da "Wildlife Society of South Africa" e mais tarde impressa em grandes "posters" que pude observar nas mais diversas residências. Quando o diapositivo original me foi devolvido pela gráfica fui surpreendido pelos cortes à volta da face do hipopótamo. Os fotolitos originais desapareceram misteriosamente da gráfica e pude ver mais tarde a imagem exaltando as atracções faunísticas das áreas de conservação da África do Sul e do Botswana e até, imaginem, publicitando um sabão para a barba! O danificado diapositivo do hipopótamos ficou esquecido numa gaveta durante muito tempo, acumulando bolor, até que uma "cirurgia digital" sarou a profunda ferida. No entanto, a característica do animal que mais me marcou foi não o chapéu mas sim o seu olhar de descontentamento como que a antecipar a guerra que se avizinhava e em que a abundante e variada fauna bravia do Parque Nacional da Gorongosa iria alimentar as facções combatentes durante 12 anos. Os hipopótamos que atingiam o número de 6.000 por todo o parque ficaram reduzidos a menos de 20, quando levei a cabo a primeira contagem aérea em 1994, depois de terem cessado as hostilidades. Todo o perímetro à volta do lago Urema estava pejado de ossos esbranquiçados de hipopótamos cuja carne e marfim tinham ajudado a sustentar uma guerra em que não houve vencedores. Voltei ao parque em algumas missões patrocinadas pela "IUCN - World Bank / GEF", inicialmente para assistir ao processo de reabilitação através da reocupação do parque e do combate à caça furtiva. A desminagem era a grande prioridade incluindo naturalmente a pista de aterragem de Chitengo que se tinha transformado num pedaço de savana com árvores sólidas, e que era o local de onde anteriormente levantávamos voo para as nossas contagens aéreas da fauna bravia. A reabilitação no que respeita à recuperação da fauna bravia era um processo lento mas ultimamente a boa sorte sorriu ao parque graças ao envolvimento do filantropo e conservacionista Greg Carr cuja dedicação e paixão tem trazido de volta o Parque da Gorongosa ao lugar que merece e que já foi seu: um dos melhores de África."- Paul Dutton (*)(*) Conservacionista e piloto de diversas contagens aéreas da fauna bravia da Gorongosa, desde 1968
NOTA DO SIGNATÁRIO:
Esta pequena história, que acaba de me ser enviada pelo Dr. Vasco Galante, director de Comunicação do Parque Nacional da Gorongosa, vem corroborar o que escrevi no Capº I das minhas memórias - Os meus primeiros contactos com a fauna bravia de Moçambique -, publicado em Março do ano 2000 no meu site pessoal, relativamente à foto do "Hipopótamo com chapéu" e ao seu autor Paul Dutton, que na altura me facultou e autorizou a publicação da mesma foto. Recordo esse apontamento a título de colaboração nesta pequena peça de um grande puzzle que está a ser ordenado com vista à construção da HISTÓRIA do famoso Santuário da Vida Bravia de Moçambique:
"Paul Dutton, conhecido ecologista sul africano que desde 1968 tem desempenhado em Moçambique tarefas muito valiosas no âmbito da conservação dos recursos naturais em geral e da fauna bravia em particular, tirou esta foto na lagoa Mareza, Parque Nacional da Gorongosa, em 1979, altura em que os efectivos desta espécie, neste Parque, rondavam os 6000 animais. Neste momento apenas 4 ou 5 dezenas se encontram ali! Esta foto, pela sua originalidade, foi premiada na África do Sul e mereceu a escolha de muitas revistas que a tornaram conhecida mundialmente. Apareceu ainda em cartazes e posteres de organizações de protecção à fauna.
Paul Dutton foi recentemente galardoado, em Johannesburg, com o prémio "Audi-Terra Nova", importante distinção a nível mundial atribuída anualmente a indivíduos que se destacam na protecção do meio ambiente e da fauna bravia.
Agradeço-lhe a cedência da foto e autorização para a publicar! "
Saudações amigas!
14 de Junho de 2011
Celestino Gonçalves
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