CRÓNICA DE UMA VISITA
AO
PARQUE
NACIONAL DA GORONGOSA,
CHIMOIO E BEIRA
CHIMOIO E BEIRA
EM JANEIRO DE
2000
(Condensado do
relatório apresentado aos Serviços de Fauna Bravia)
I – VISITA À
GORONGOSA
Conforme desejo há muito em
mente, concretizei, finalmente, uma
visita ao Parque Nacional da Gorongosa , 19 anos passados após o ultimo
trabalho que ali realizei – organização da 1ª Reunião Nacional de Fauna Bravia
e Florestas, em 1981 !
Participantes na 1ª Reunião Nacional de Fauna Bravia, realizada no PNG em
1981
Esta visita de carácter particular,
que decorreu de 8 a 11 de Janeiro de 2000, tinha dois objectivos: rever o mais
importante santuário da fauna bravia de Moçambique e recolher dados para
complementar um trabalho que tenho em mãos e que pretende ser uma contribuição
para a história da fauna e da caça deste país, que servi o melhor que
pude e soube durante 38 anos (1952/1990).
Graças à compreensão e apoio dos
responsáveis ao nível da Direcção – Dr. Soto e Engº Nakala – e a nível local –
Engº Roberto Zolho -, a mesma visita foi bem sucedida, gratificante e
proveitosa, tendo durante a mesma recolhido preciosos elementos para o referido
trabalho, para além de ter satisfeito a curiosidade e muita ansiedade que
grassavam na minha pessoa há muitos anos !
Julgava-me preparado
psicologicamente para suportar uma eventual carga emotiva na chegada ao Parque.
Bem me enganei porque quando atravessei a cancela do acampamento do Chitengo e
deparei com o espectáculo de ruínas das infra-estruturas administrativas,
escola, residências, correios, restaurante, armazéns e outras instalações, não
me contive!...
Este estado emocional já se vinha a
denunciar desde a entrada principal do Parque. Depois de sentir uma enorme
felicidade no momento em que transpus o portão, veio a decepção por não ver animais
ao longo dos 17 Kms da estrada até ao Chitengo, quando nos tempos passados
neste mesmo percurso se encontravam muitas manadas das mais variadas espécies,
desde elefantes ao mais pequeno antílope!
Manada de zebras na década de 60
Graças à pronta intervenção do Engº
Zolho, foi ultrapassada esta momentânea crise, que no fundo é uma fraqueza
oculta, mesmo nos mais fortes!
A atenção que me foi
dispensada pelo Administrador do Parque, a raiar mesmo o carinho que é apanágio
dos moçambicanos para com os mais velhos, fez com que recuperasse rapidamente
dos momentos menos bons da chegada. Depois de observados os aspectos positivos,
que já são muitos no Chitengo, acabei por me recompor e os três dias que ali
passei foram recheados de emoções positivas.
Engº Roberto Zolho
O meu anfitrião,
cuja hospitalidade jamais esquecerei, tudo fez para que os meus objectivos
fossem alcançados, proporcionando-me deslocações aos locais cujo interesse
manifestei em visitar, nomeadamente: rio Urema; Mira-Hipo; tandos (planícies)
do Mussicadzi e Sunguè; Bué-Maria; locais onde os motoristas João Penga e
Paulino Miranga foram mortos por leões e leopardos em 1964 e 1970; e, ainda, ao
local perto do rio Púnguè onde em 1974 eu próprio e alguns companheiros do
Parque tivemos o primeiro encontro com o comandante da Frelimo, Alfredo Maria, e vários combatentes seus sub-alternos que operavam na região.
Facultou-me também encontros com os
trabalhadores do Chitengo, com os agentes do corpo de fiscalização e com os
dois únicos funcionários do meu tempo, que foram meus
companheiros de trabalho na década de 60 - Castigo Mamunanculo e Batage Vasco -, que ainda ali se encontram.
O guarda Castigo e o operador de máquinas Batage Vasco
Para além de ter recolhido dados
importantes para o meu "Histórico", tive a oportunidade de transmitir
aos novos agentes que ali trabalham algumas experiências vividas ao longo da
minha carreira de fiscal de caça, particularizando factos ocorridos durante os
seis anos em que dei colaboração directa ao Parque e incentivando-os a darem o
seu melhor na defesa intransigente do património à sua guarda.
Destaquei nessas conversas as maiores
dificuldades que ao tempo enfrentava na luta contra os caçadores furtivos
e seus colaboradores, que eram os acompanhantes residentes - pisteiros
- e até os próprios régulos. Estes, juravam fidelidade aos fiscais do
Parque, mas eram facilmente corrompidos pelos caçadores e isso dava azo a que
esses furtivos tivessem a sua acção facilitada, sobretudo nas zonas a
leste dos rios Vanduzi, Mecombeze, Urema e Púnguè, onde fizeram autênticas
razias nos efectivos de elefantes, búfalos, hipopótamos, crocodilos, zebras e
grandes antílopes.
Marfim e carne (escondida em tambores) apreendidos no PNG, em 1963,
a um dos caçadores furtivos referidos
no relatório de onde foi extraído o texto desta crónica.
Mencionei alguns dos principais
furtivos que foram protagonistas dessas barbaridades, na década de 60 e que
foram alvo de pesadas multas. Os nomes de alguns desses fora de lei ainda soam
na actualidade por estas bandas, quer dos próprios quer de seus descendentes,
que a partir da Beira e arredores afluem à região, como ficou demonstrado
nos massacres perpetrados no Parque, no período que se seguiu ao acordo de paz
(1992/1994), e mais recentemente na região de Marromeu onde as manadas de
búfalos que restaram do período conturbado da guerra têm vindo a ser dizimadas!
Búfalo solitário
Não tive surpresas relativamente à
situação do Parque, já que as informações vindas daquelas paragens ao
longo destes anos trouxeram sempre as más notícias sobre o que ali acontecia. O
massacre dos animais, ocorrido principalmente após o acordo de paz em
1992, foi largamente noticiado depois da reocupação do Parque pelos Serviços de
Fauna Bravia em 1994. Uma verdadeira catástrofe que leva hoje os responsáveis a
interrogarem-se como foi possível, já em época de pós guerra, se ter deixado,
num curto espaço de dois anos, chegar à triste situação de extermínio de
milhares e milhares de animais de todas as espécies de mamíferos e grandes
répteis que povoavam aquele que pouco tempo antes era considerado o
melhor e mais belo Parque de fauna bravia de África !
Calcular agora quanto tempo vai
levar para recuperar esse potencial, é tarefa que levanta muitas incertezas, já
que tal experiência, mesmo conduzida, como já acontece, por técnicos
abalizados, é algo controversa . Uma certeza têm todos: nunca menos de algumas
dezenas de anos e com muitos apoios financeiros, muita dedicação e sacrifício,
total consenso ao nível das estruturas governamentais a todos os níveis
(central, provincial, distrital e local) para uma política absolutamente
proteccionista, para que o Parque seja integralmente respeitado (solos e
subsolos, água e suas fontes, ausência de agressões ambientais quer local
quer periféricas, florestas e animais).
Catástrofe muito semelhante em termos
de desaparecimento de animais do Parque sucedeu na década de 30 e foi-me
narrada pelo primeiro fiscal de caça que ali foi colocado - José
Henriques Coimbra -, que testemunhou esse fenómeno. As grandes cheias
provocadas pelo rio Zambeze atingiram de tal modo o Parque que milhares de
animais morreram e outros desapareceram para zonas mais altas (a zona baixa do
PNG onde a maioria dos animais se concentrava é pouco mais alta que o nível do
mar).
Espavoridas, as manadas, desde
elefantes, búfalos, zebras e antílopes, afastaram-se para norte e noroeste
procurando refúgio a dezenas e até centenas de quilómetros, nomeadamente para a
região da Macossa. Levou alguns anos para que a situação se recompusesse. Os
animais foragidos acabaram por voltar e a vida bravia voltou paulatinamente à
normalidade.
Tomemos este exemplo e aliemos o mesmo
à investigação que se torna necessária por parte dos técnicos e certamente se
vão tirar conclusões. Paralelamente é importante garantir uma cobertura de
fiscalização muito eficiente, para combater a acção dos caçadores furtivos.
*
* *
Sugeri ao Engº Zolho a ideia de
se homenagearem os trabalhadores que no passado muito deram com o seu trabalho,
dedicação e saber à causa do Parque, alguns deles deram mesmo a sua própria
vida quando em serviço, ainda muito novos. Esta ideia foi bem aceite e
por isso me permito destacar os elementos que bem conheci e que julgo
merecerem tal distinção, a saber:
FIGUEIRA MUCANDA MEQUE
Guarda, de longe o
funcionário que mais anos de vida deu ao Parque – mais de 60 anos !
Iniciou ali a sua actividade por volta de 1931, com apenas 12 anos de idade e
faleceu em 1997, com 78 anos!
Este grande homem (grande no tamanho,
no carácter e inteligência) chegou a chefe dos Guardas e por todos era admirado
e respeitado. Os seus chefes habituaram-se à sua companhia nas deslocações pelo
interior do Parque e sua periferia, aproveitando a sua sabedoria e bom senso
para tomarem as decisões mais acertadas. Eu próprio beneficiei da sua
sapiência para aumentar os meus conhecimentos e deles fiz uso não só no Parque
como noutras zonas do País onde prestei serviço.
Em 1964 o guarda Figueira Meque fez
parte da comitiva que representou condignamente
o PNG na exposição mundial de caça em Itália, transitando depois
por Portugal.
As honrarias recebidas por este
funcionário nunca passaram de simples retórica. Há que repor na história do
Parque a verdade sobre estes heróis e na medida da sua grandeza
prestar-lhes a justa homenagem.
JOÃO
PENGA
Motorista, vitimado por
leões em 1964, quando regressava ao Parque durante a noite, conduzindo a
viatura do Administrador. Supõe-se que terá adormecido devido ao cansaço
e na tentativa de procurar sair do valado para onde resvalou, junto à ponte
sobre o rio Nhacapanda, na estrada entre a entrada do Parque e o
Chitengo, foi surpreendido por um grupo de leões. Foi encontrado na manhã
seguinte já totalmente devorado, estando a viatura ainda com o motor a
trabalhar.
Leão da Gorongosa devorando uma zebra
PAULINO MIRANGA
Motorista, vitimado por um leopardo
em 1970, quando, depois de uma avaria na sua viatura, no interior do Parque,
procurou em vão boleia, andando a pé no sentido das picadas mais frequentadas
por turistas. Gorada tal tentativa e como já se fazia noite, procurou refúgio
no cimo de uma árvore de pequeno porte, junto da picada 2, ao lado da Lagoa
Inhatite, onde foi surpreendido pelo felino.
Depois de buscas intensas efectuadas
por uma equipa do Parque, o seu corpo viria a ser encontrado por volta da meia noite,
graças à perspicácia do guarda
Castigo Mamunanculo, que seguiu os vestígios do seu arrastamento até ao local
onde o animal se preparava para o repasto.
Leopardo comendo uma presa em lugar seguro
ANTÓNIO ALGESSE
Guarda, falecido em 1997, com idade
avançada e depois de muitos anos com uma folha de serviços invejável ao serviço
do PNG. Foi o pisteiro mais desejado por todos os fiscais que tiveram acção no
controle dos elefantes na periferia do Parque, em defesa das machambas das
populações. Ao mesmo tempo um excelente
companheiro, de vivência e cultura tradicionais muito ricas.
Foi meu companheiro e auxiliar
durante seis anos, não só na região do Parque, mas também em outras regiões das
Provincias de Manica e de Sofala, onde igualmente a minha acção era
frequentemente reclamada. Dele absorvi conhecimentos muito válidos nesta
matéria, que enriqueceram os que já aprendera em Cabo Delgado, Niassa, Gaza e
Maputo.
A notícia da sua morte, quando cheguei ao
Chitengo, provocou-me tamanho choque que desabafei gritando repetidamente o seu nome com
todas as minhas forças!
António
Algesse, atrás, ao meu lado durante uma operação de controle de elefantes
problemáticos na Gorongosa, em 1964. A frente: Loão Tello (ao volante) e Dr.
Rosinha, administrador do Parque.
CASTIGO MAMUNANCULO
Guarda, reformado, felizmente ainda
no número dos vivos e felizmente também fazendo parte dos actuais funcionários
do Parque!
Este corajoso e igualmente excelente
funcionário do corpo de guardas do PNG, desde 1961, é um dos muitos
ex-trabalhadores do Parque que se refugiaram na povoação de Metuchira, a cerca
de trinta quilómetros do Chitengo, por motivo da guerra que afectou o mesmo
Parque em 1983. Depois da reocupação, em 1994, os sobreviventes dessa
dolorosa situação foram convidados a regressar às suas funções, mas sómente
dois o fizeram e entre eles o “papá” Castigo, (como é tratado carinhosamente
pelos mais novos), que agora tem 75 anos!
Foi uma grande alegria ter reencontrado
este velho companheiro de trabalho. O prolongado e sentido abraço que
trocamos confirmou a amizade que partilhamos nos tempos passados!
Por tudo o que fez no passado (era
também um dos "braços direitos" dos seus superiores), antes da
humilhante saída do Chitengo em 1983 e pelo aprumo que ainda revela na posição
simbólica de vigilante do acampamento , que em boa hora a administração do
Parque lhe atribuiu, merece este valente e sábio guarda, já reformado, o estatuto de um dos melhores
funcionários que serviram e servem o Parque Nacional da Gorongosa.
O guarda Castigo Mamunanculo junto da sua residência, no Chitengo
BATAGE VASCO
Operador de máquinas, que durante
muitos anos garantiu a limpeza dos cerca de 500 Kms de picadas existentes no
interior do Parque. É outro dos funcionários que se refugiaram em
Metuchira, em 1983 e, tal como o papá Castigo, aceitou regressar ao
Chitengo em 1994, não obstante se encontrar já reformado e a sua idade
não lhe permitir voltar a conduzir máquinas pesadas.
Quando ali chegou e viu máquinas
novas ficou deslumbrado e pediu logo para conduzir uma delas. Andou a dar
voltas no acampamento do Chitengo, dando largas ao seu entusiasmo, mais
parecendo uma criança com o seu brinquedo favorito!
Foi no passado um óptimo trabalhador e pelo
que agora ainda faz reforço a admiração e respeito por este bravo resistente do
PNG. Fiquei muito satisfeito, tal como no caso do guarda Castigo, de o ver e
abraçar, e saber que é estimado por
todos!
PAULINO CAMPIRA
Ex-guarda, já reformado, que
não aceitou regressar ao Parque dada a sua idade avançada e pouca saúde. Continua
no Metuchira, envolvido na sua machamba e certamente mitigando o sofrimento que
a guerra colonial lhe impôs (foi mutilado de uma das orelhas quando em serviço
no posto da Bela Vista)!
Não tive a oportunidade de ver este
companheiro, que muito estimei e de quem mantenho viva na memória a sua figura
de homem aprumado e de mais um entre os melhores guardas que o PNG teve no
passado. Deixei para ele uma carta a saudá-lo, como era meu dever.
Pelo seu passado de sacrifício e
dedicação, que lhe custaram muito caro e o traumatizaram para o resto da vida,
merece a sua inclusão na lista dos eleitos para figurarem na história do nosso
querido Parque Nacional da Gorongosa.
*
* *
Não posso esquecer estes e outros
companheiros, que me ajudaram e aos meus colegas, contribuindo para que a fauna
bravia tivesse chegado aos dias da independência de Moçambique com a pujança de
todos conhecida!
Outros ex-funcionários (não muitos
porque a morte já levou a maioria), ainda se encontram na região de Metuchira e
noutros pontos dos distritos subjacentes ao Parque, vivendo das parcas
reformas e das suas machambas, acomodados já aos novos locais de
residência. Por isso e também pelas más recordações das situações de guerra que
os atormentaram seriamente, declinaram o convite para regressarem ao Chitengo.
Oportunamente indicarei outros
nomes de colaboradores que, noutros pontos do país, igualmente merecem ser
recordados e considerados.
II - IMPRESSÕES COLHIDAS
Naturalmente que a breve estadia no
Parque não me permitiu avaliar todos os aspectos de renovação ali em curso.
Gostaria de ter visitado os postos periféricos, mas por ser tarefa demorada,
aliada às chuvas que recomeçaram no dia da minha chegada (após mais de um mês
de autêntica seca), tal não foi possível.
Fiquei no entanto convencido de que a
política actual de reestruturação, se não está totalmente acertada, pelo menos
procura o melhor caminho. Daí ter regressado com a satisfação de um pai
que visitou um filho bem orientado na vida!
Inteirei-me do nível de preparação
dada aos novos fiscais, quer nos aspectos técnicos quer nos de defesa
pessoal e disciplina. Julgo adequados os métodos em uso, inspirados na
disciplina há muito existente nos Parques da África do Sul e baseados na
preparação militar, tendo em vista que nos últimos anos a acção dos caçadores
furtivos, não só em Moçambique como em toda a África, requer uma forte
intervenção de agentes bem preparados.
Rinocerontes,
a espécie mais perseguida pelos caçadores furtivos nos últimos anos em
Moçambique.
Comungo da ideia de que se deveria
iniciar a construção de um novo acampamento central, desde há muito sugerido e
com projectos já feitos para o Bué-Maria, na margem esquerda do rio Púnguè. A
continuação de recuperação do Chitengo, onde já foi feita obra notável na
restauração das habitações dos trabalhadores, de alguns rondáveis para
visitantes, das redes de água e luz e dos jardins, implica um grande esforço e
verbas elevadas, já que muitas outras construções estão ainda em ruínas e
praticamente terão de ser feitas de raís. Este esforço e o capital, em nosso
modesto entender, poderiam ser aplicados naquele belo local, que os ecologistas
e paisagistas já elegeram como sendo o
ideal.
*
Verifiquei que os poucos animais
existentes nas áreas que visitei se encontram tranquilos. A existência de uma
manada de elefantes (cerca de uma centena), acantonada há cerca de três anos na
zona entre as picadas 7 e 12, relativamente perto do rio Urema, deixa-nos muito
optimistas quanto à futura reabilitação destes paquidermes no Parque, embora se
saiba que estes animais têm boa memória e não esquecem facilmente as agressões
de que foram vítimas no passado recente!
Foi muito gratificante ter visitado
essa zona e embora não tivéssemos feito a aproximação da manada, para evitar
eventuais perturbações no seu seio, pelo menos vimos os vestígios frescos da
sua passagem em perfeita tranquilidade. Isto revela que a fiscalização está
atenta, mantendo o Parque e sobretudo esta zona, fora do alcance dos furtivos!
* * *
Não sei se voltarei ao Parque
Nacional da Gorongosa, mas dele vou procurar sempre, enquanto viver, ter
notícias. Sei que as vou ter mesmo vindo de muito longe, pois os meios de comunicação
actuais assim o vão permitir e a simpatia dos técnicos responsáveis não
deixará de prevalecer!
III – VISITAS
AO CHIMOIO E BEIRA
Foram visitas curtas, mas
reconfortantes do ponto de vista sentimental, já que revi locais de que
preservo gratas recordações dos tempos (1963/1968) em que trabalhei em Manica e
Sofala, sediado em Vila Pery (actual
Chimoio) e com actividades alargadas à Gorongosa e a todas as coutadas do
centro de Moçambique
Uma paragem antes de entrar na cidade de Chimoio
Comecei pela cidade de Chimoio,
actualmente servida por uma das melhores estradas de Moçambique, quer a partir
da Beira quer da fronteira do Zimbabwe!
Visitei praticamente todos os recantos
desta bela cidade, que se apresenta bem conservada e aumentada na parte
residencial, com bonitas moradias. Fui aos pontos estratégicos admirar a beleza
das montanhas do planalto, como são a cordilheira de Manica, com o monte Vumba
em destaque e, ali bem perto, o ex-libris da cidade que é o monte "Cabeça
do Velho"!
Depois, como não podia deixar de ser,
fui rever as instalações que foram a sede do Posto de Fiscalização e
minha residência, cuja construção eu próprio orientei em meados da década de
60! Estas infra-estruturas, que na época foram consideradas as mais
completas de entre todos os postos de fiscalização de caça de Moçambique,
encontram-se, desde há uns anos atrás, fora da alçada dos Serviços de Fauna
Bravia. São agora ocupadas pelos Serviços Provinciais de Geografia e
Cadastro. Seria importante que
as instâncias superiores determinassem a reinstalação do sector de fiscalização
nesta cidade, reconhecida que é a importância faunística da região.
Justificava-se, assim, o retorno das
referidas instalações aos Serviços que as custearam e construíram.
Como era dia de tolerância de ponto e
todo o comércio se encontrava encerrado (comemorava-se o Ramadan - festa anual
da comunidade mahometana), não tive a oportunidade de contactar velhos amigos .
Regressei depois de uma breve paragem em frente
do edifício dos Serviços de Veterinária, onde trabalhei de 1963 a 1968, fazendo
parte do staf que teve a cargo a administração
do Parque Nacional da Gorongosa, entre 1963 e 1965, continuando a colaborar com
o Parque até 1967 quando a sua administração passou para a
responsabilidade do director distrital
de veterinária da Beira. A partir de 1967, o PNG foi dotado, pela primeira vez, de uma
administração própria com a nomeação do
primeiro administrador residente, o médico veterinário Dr Francisco Romão, bem
como de quadros técnicos adequados (na medida das capacidades da época) à gestão, maneio e conservação do Parque (*)
* * *
No trajecto para a Beira fiz uma
paragem em Nhamatanda (ex-Vila Machado), para visitar o ex-motorista do Parque,
António Figueira Meque, filho mais velho do saudoso guarda Figueira Meque,
atrás mencionado. Ele exerce ali funções de motorista na Direcção Distrital de
Agricultura e confessou-me que gostaria de voltar a trabalhar no PNG, mas
integrado no quadro dos fiscais.
Aproveitei para saudar os elementos
afectos ao Posto de Fiscalização local, dois dos quais me reconheceram e
cumprimentaram com afecto.
Na Beira fui hóspede do Dr.
Baldeu Chande, biólogo moçambicano e velho amigo que entrou para os Serviços de
Fauna como guarda de Parques e Reservas no início da década de 70 e que tem
feito uma carreira brilhante, tendo concluído recentemente o seu curso na
Universidade do Cabo - África do Sul. Foi ele quem orientou a difícil
tarefa de reocupação do Parque Nacional da Gorongosa, em 1994, deixando
ali um trabalho notável na mobilização das populações rurais, no combate aos
furtivos, na restauração do acampamento do Chitengo, reabertura de algumas
picadas, construção dos primeiros postos de fiscalização periféricos, retirada
de minas, etc,!
Dr Baldeu Chande
Em boa hora realizei esta viagem
pois para além dos dados importantes que colhi sobre o Parque, relativos à
época conturbada do pós guerra (1992/1994) e do período difícil da reocupação,
outros assuntos foram abordados, nomeadamente sobre a Reserva e Coutadas de
Marromeu, que o Dr Chande tem vindo a apoiar através de um projecto (UICN), que
ele próprio chefia na cidade da Beira. Segundo ele, nos últimos dois anos tem
vindo a aumentar a actividade dos caçadores furtivos nestas áreas, decrescendo
ali, de uma forma muito acelerada, os efectivos de búfalos, recentemente
calculados em cerca de dois mil! Acrescentou que têm sido desenvolvidas acções
de fiscalização bastante apertadas, mas os furtivos continuam impunes!
Informei o Dr Chande que idêntica
situação ocorria no início da década de 60, altura em que os efectivos de
búfalos rondavam os 60.000 e os furtivos actuavam também impunemente, devido à
falta de meios por parte dos fiscais para se deslocarem na região alagada do
delta do Zambeze, precisamente por onde penetravam os mesmos furtivos para
caçar na Reserva e Coutadas e do mesmo modo escoar a carne.
Conforme apurei nessa altura, durante
uma operação de fiscalização e reconhecimento àquelas áreas, feita através do
rio Zambeze e seu braço Mucêlo, a carne dessas caçadas era canalizada para as
vilas de Chinde e Luabo, onde era vendida. Agora, que se vem acentuando a caça
furtiva nas mesmas áreas, é provável que os métodos e o destino da carne sejam
os mesmos e a não serem combatidos eficazmente, os dois mil búfalos que se
calcula serem os que restam na região, serão dizimados rapidamente!
Aproveitei a estadia na cidade da Beira
para cumprimentar o Director Provincial de Agricultura, a quem fiz um
breve resumo das minhas observações e impressões colhidas no PNG. Alguns
funcionários desta direcção são meus conhecidos, do antes e pós
independência e foi um prazer vê-los de novo e saudá-los!
Naturalmente que dei uma vista de
olhos pelos locais que bem conheci nesta cidade do Xiveve: a praia; o farol, a
praça do Município; o Maquinino; a avenida da República (que conserva as
bonitas acácias, jacarandás e figueiras da Índia); o belo edifício dos Caminhos
de Ferro; a ponte-cais; a velha maternidade onde nasceu a minha filha, etc,.
Vista parcial da cidade da Beira
A fama que a Beira criou, nos
últimos anos, de cidade pouco cuidada, começa a dissipar-se. Nota-se algum
desenvolvimento na construção civil e sobretudo no arranjo das ruas e avenidas.
Particularmente, chamou-me a atenção a grande avenida, de via dupla e com
excelente iluminação, recentemente concluída e que liga a cidade ao bairro da
Manga! É um importante melhoramento que revela o interesse do governo em
restaurar e dar um aspecto digno à segunda maior cidade do país!
*
* *
IV - AGRADECIMENTOS
Desejo agradecer a quem me deu esta
oportunidade de voltar ao Parque Nacional da Gorongosa e cidades de Chimoio e
Beira, viagem que efectuei, por estrada e sozinho, impelido pelo forte desejo
de voltar a lugares que muito adorei e adoro, e que, devido à minha avançada idade, julguei não voltar a ver.
Agradecimentos que vão para o Dr.
Soto e Engº Nakala, da DNFFB – Serviços de Fauna Bravia; para o Engº
Roberto Zolho, que me recebeu maravilhosamente no PNG e me proporcionou uma
estadia, contactos e visitas que não esquecerei mais; para a Drª Brit Reichelt,
sua Esposa, jovem e entusiasta
bióloga que no Chitengo muito me acarinhou; para o velho amigo Dr. Baldeu
Chande, pela sua hospitalidade e preciosos elementos que me forneceu.
Finalmente, agradecimentos ao Presidente
do Instituto Nacional de Desenvolvimento Rural, Engº João Carrilho, pela
cedência da viatura excelente com que efectuei a viagem de mais de três mil
quilómetros, sem qualquer problema e ainda pelo encorajamento que me deu para
levar em frente o meu trabalho de pesquisa de dados históricos sobre a fauna, a
caça e as pessoas envolvidas.
A todos um BEM-HAJA e até sempre!
Celestino Gonçalves
Maputo, Janeiro de 2000
ESCLARECIMENTO “ À POSTERIORI”
Esta crónica foi extraída do Relatório apresentado aos responsáveis nacionais dos Serviços
de Fauna Bravia, em Maputo, no meu regresso do Parque Nacional da Gorongosa,
Chimoio e Beira, em Janeiro de 2000. Omitiram-se aqui, contudo, alguns pormenores de carácter confidencial que,
obviamente, não poderiam ser aqui divulgados.
Marrabenta, Agosto de 2001
Celestino Gonçalves
NOTA “À
POSTERIORI” EM 2013
(*) Ver AQUI
a história do PNG, da autoria do Dr. Armando Rosinha. Foi escrita em dois documentos, sendo um em 1968 e
outro em 1981, ambos publicados nos sites oficiais do PNG e AMIGOS DA GORONGOSA
Celestino Gonçalves
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