05 March 2018

171 - MEMÓRIAS - CAPº I - OS MEUS PRIMEIROS CONTACTOS COM A FAUNA BRAVIA DE MOÇAMBIQUE





MEMÓRIAS
(Capítulo I)

OS MEUS PRIMEIROS CONTACTOS COM A FAUNA BRAVIA DE MOÇAMBIQUE


A situação dos meus familiares que  já viviam em Moçambique (na altura designado por Província Ultramarina) a quando da minha chegada a este território, no início do ano de 1952, levaram-me a ter como primeiro local de residência naquele maravilhoso rincão africano banhado pelas água do Indico uma pequena mas muito bonita localidade situada a 30 quilómetros da cidade capital,    Lourenço Marques.




Chamava-se, na altura,  Vila Luísa   e era a sede da circunscrição administrativa de Marracuene (1). Um local histórico já que aqui se desenrolou, durante as chamadas "Campanhas de Pacificação" que ocorreram no sul do território nos finais do século dezanove, um dos mais sangrentos combates da época, entre as tropas portuguesas comandadas pelo major Caldas Xavier e os guerreiros nacionalistas do prestigioso régulo Gungunhana (2).

Localizada numa elevação sobranceira ao Rio Incomáti, na sua margem direita, esta vila, para além da sua extraordinária beleza natural, dispunha de atracções turísticas   muito especiais que ali atraíam   inúmeros visitantes, quer nacionais quer estrangeiros.  A bela praia da Macaneta e os hipopótamos e crocodilos, que na época povoavam o rio, eram as suas principais atracções.




Bem servida desde a capital,  por estrada alcatroada e via férrea, Vila Luisa era dotada de  algumas infraestruturas para refeições, nomeadamente o bonito Restaurante Pavilhão de chá, construído pelos Caminhos de Ferro de Moçambique para base das suas actividades turísticas na região. Situava-se num lugar estratégico, com vista panorâmica para o rio e todo o vale fronteiriço, ao fundo do qual se podiam observar as dunas da Macaneta  revestidas da característica  floresta costeira, baixa,  espessa,  mas salpicada de frondosas    árvores de chanfuta, (madeira nobre avermelhada) também conhecidas por mogno africano.

O Pavilhão, que dispunha de um excelente campo de ténis,  estava concessionado a um experimentado músico, o Sr. Nunes, que antes de ali chegar andara mais de 20 anos embarcado em paquetes transatlânticos, como pianista, instrumento este que também existia no Pavilhão e que ele tocava com mestria, proporcionando animadas tardes dançantes aos frequentadores, nacionais e estrangeiros,  deliciando-os com as mais conhecidas músicas românticas da época.

Vila Luísa orgulhava-se de ser, na época, um dos locais mais procurados pelos turistas que visitavam Moçambique. Era, também, local de eleição da população da capital que aos fins de semana enchia os poucos restaurantes e casas de pasto da vila e os locais mais aprazíveis como a mata de casuarinas, os jardins e os viveiros florestais onde havia boas condições para pic-nics à sombra. Os turistas, oriundos dos países vizinhos, nomeadamente África do Sul e Swazilândia, ciosos de mar, privilegiavam a praia da Macaneta onde se banhavam e pescavam a seu belo prazer. Só mais tarde, a partir de finais da década de 50, foram criadas condições de acesso a  outros locais de veraneio na região sul do território, nomeadamente, Ponta do Ouro, Bilene, Xai-Xai, Chongoene, Chidenguele, Závora, Baía dos Cocos, Tofo, Vilanculos, Bazaruto, Inhassoro, Santa Carolina e outros pontos ao longo da costa que antes  só eram frequentados por quem dispunha de viaturas 4X4, na altura ainda pouco usadas.



 


Vista do rio Incomati a partir do Miradouro
(Na foto meu irmão Artur)


A Administração e os Serviços Florestais locais  desenvolviam as importantes tarefas de embelezamento da vila, tornando-a atraente a quem a visitava. Destacavam-se: o  jardim público em frente ao edifício da Administração, muito bem tratado, onde se podiam apreciar espécies raras da flora moçambicana, entre elas as bonitas cicadáceas (3); a mata de casuarinas, onde o sol mal penetrava e sempre havia uma brisa fresca; os viveiros de plantas e árvores (exóticas e endémicas),  que  cobriam uma vasta área da encosta e a zona plana entre a vila e o rio, onde várias dezenas de grandes chanfutas completavam o panorama; as ruas bem delineadas e sempre limpas (algumas alcatroadas); o miradouro sobranceiro ao rio, recém construído e de onde se admirava a deslumbrante paisagem da planície fronteira recortada em zig-zagues pelo grande rio, cuja margem esquerda, na direcção do mar,  era revestida  de grandes mangais;  ao fundo,  as dunas da Macaneta  recortavam a linha do horizonte e só não conseguiam esconder totalmente o mar que era  visível de um dos pontos mais altos da periferia da vila, junto da estrada nacional que se dirige para norte. Tudo muito bem enquadrado no ambiente paisagístico da vila, não escapando aos  mais atentos pormenores que deliciavam a vista e proporcionavam bem estar   neste lugar tão especial. 

Conservo na mente, com a natural saudade desses tempos, o prazer que sentia ao desfrutar desses espaços, onde, aqui e ali, havia recantos  com bancos para descanso, todos sob as sombras das copas de frondosas árvores, de pérgolas revestidas de trepadeiras e buganvílias multicores, ou à beira de pequenos lagos salpicados de nenúfares e com peixes diversos.  Até as crianças dispunham de um pequeno parque com os apropriados balouços, escorregas e miniaturas de casas, com o chão de areia branca trazida da vizinha praia da Macaneta. Aos visitantes amantes dos pic-nics não faltavam mesas e bancos fixos à sombra das melhores chanfutas da zona dos viveiros ou na própria mata de casuarinas.  


Os Caminhos de Ferro de Moçambique, como promoção dos seus transportes ferroviários e rodoviários, contribuía grandemente para o fluxo de turismo que ali se verificava, dispondo, para além do bonito Pavilhão de chá e campo de ténis,  de duas embarcações de passageiros próprias para passeios no rio. Fazia excursões diárias a partir da capital, predominantemente preenchidas  por sul africanos e  tripulantes de navios que aportavam a Lourenço Marques (actual Maputo). Paralelamente e sob orientação de um delegado residente, desenvolvia a importante tarefa de embelezamento e manutenção da encosta sobranceira ao Incomáti, na parte que desde a traseira do Pavilhão  se estende até à  margem direita deste rio.

                                                                                                                                                                                                               

Recém casados, no jardim da vila , no dia dos meus 25 anos
                                                                           
  
Tudo isto conferia à Vila uma beleza ímpar de que muito se orgulhavam os seus habitantes e que os citadinos se habituaram a desfrutar, sobretudo aos fins de semana, uns apenas para uma merenda à sombra das mafurreiras, das casuarinas ou das pérgolas, outros para saborearem as célebres galinhas à cafreal que os restaurantes locais muito bem sabiam confeccionar. Outros, ainda, para a tradicional volta de barco rio abaixo ou rio acima, para observarem mais de perto os corpulentos hipopótamos e um ou outro crocodilo curtindo a digestão ao sol nas margens ou nas ilhotas. Os mais rapioqueiros não dispensavam um pé de dança nas tardes dançantes do mestre Nunes!


Um belo exemplar de crocodilo ao sol


A riqueza faunística do rio Incomáti tornou-se no ex-libris de Vila Luisa e mereceu o estatuto de protecção da autoridade respectiva (4). Da sua rua marginal se podia observar o deslumbrante espectáculo do rio serpenteando através da planície e, ali mesmo em frente, ligeiramente descaído para jusante, a meio do caudal, encontra-se o banco de areia que ao longo dos anos se transformou numa ilhota conhecida por “Ilha dos hipopótamos”. Era ali que se concentrava um núcleo de cerca de três dezenas destes grandes paquidermes, perfeitamente visíveis, a olho nu, de qualquer ponto sobranceiro ao rio, nomeadamente, da marginal e do seu miradouro.


Observá-los fora da água, nas suas brincadeiras e por vezes nas lutas entre machos adultos, e escutar os cavernosos roncos tão característicos desta espécie, era uma sensação única somente vivida em África  no seio da vida animal no seu estado verdadeiramente selvagem !

Para além da atracção que o rio proporcionava em matéria de fauna bravia, ali muito bem representada por muitas centenas de hipopótamos dispersos em pequenos grupos, desde a foz até à povoação de Incanine, a cerca de dez quilómetros para montante da vila e de um número muito elevado de  crocodilos, era ainda o mesmo rio fértil em peixes de várias espécies devido à proximidade do mar.

Grupo de hipopótamos na pequena ilhota do rio Incomáti

A sua foz dista apenas uns dez quilómetros a partir da vila e a influência das marés  faz-se sentir por mais de 30 quilómetros para montante, ou seja por alturas da vila da Manhiça, também situada junto à sua margem direita. Para lá convergiam centenas de pescadores amadores, quer utilizando barcos, quer pescando das margens. Normalmente, conseguiam óptimas pescarias. Eu próprio saboreei as vantagens deste potencial piscatório e me tornei adepto da pesca à linha.

As vicissitudes da vida, que muitos preferem designar por “destino”, levaram-me a este local onde a vida decorria ao bom estilo africano e sem muitas confusões, já que a população da vila  mantinha um bom relacionamento entre si. As actividades, tanto governamentais como privadas, passando pelos agricultores, criadores de gado e comerciantes,  decorriam com toda a normalidade. O vale do Incomáti albergava imensos agricultores e criadores de gado, desde moçambicanos, portugueses e chineses, que produziam tudo o que é possível em terras férteis como estas, nomeadamente hortícolas, cereais, legumes e fruta. Um autêntico celeiro da cidade capital, Lourenço Marques. Dali saíam, também, milhares de toneladas de boa banana para a África do Sul, através de uma cooperativa que o agricultor, comerciante e criador de gado, Benjamim Cacho, seu presidente, organizou e bem dirigiu ao longo de muitos anos.

O que a princípio se previa ser apenas uma breve passagem por Vila Luísa, para onde fui logo após a minha chegada a Moçambique, beneficiando das melhores condições de habitação dos familiares ali residentes (irmã, cunhado e dois sobrinhos) relativamente a outro irmão  que vivia em Lourenço Marques, acabou por marcar o meu futuro. Ali tive o meu primeiro emprego (amanuense da Administração), durante os três meses que precederam a minha entrada no serviço militar.  Para ali voltei, em 1956,  como funcionário do Quadro administrativo.  Ali me apaixonei e casei.  Ali tive as primeiras experiências e contactos com a grande fauna bravia que muito me motivaram a concorrer ao lugar de fiscal de caça, cargo que iniciei em Janeiro de 1957 e desempenhei com grande paixão,  permitindo-me  a progressão  até à cúpula da pirâmide da carreia.




Com os meus três irmãos residentes em Moçambique, em 1956, no dia do meu casamento

A PRAIA DA MACANETA

A cerca de 7 km de Vila Luísa encontra-se a praia da Macaneta, que embora gozasse já de muita fama naquele tempo, era pouco frequentada devido às péssimas condições do acesso. Depois da chegada a Marracuene, indo da capital por boa estrada alcatroada, havia a travessia do rio, em batelão, num ponto com uma largura  superior a 300 metros. Esse batelão servia não só os veraneantes, mas também as populações rurais, criadores de gado, agricultores, negociantes de peixe, etc.  Seguia-se, depois, um percurso ao longo da planície de aluvião, entre a margem esquerda e as dunas costeiras da Macaneta. No tempo das chuvas, que coincide com o verão, época mais concorrida das praias, só  os felizes possuidores de viaturas 4x4  se atreviam  a fazer esses 7 km de picada. Uma segunda alternativa era a descida do rio, de barco, entre a vila e as dunas, mas eram poucos os frequentadores que possuíam tal meio.

Foi atraído pela fama desta praia que caí na tentação, poucos  dias após a minha chegada a Vila Luísa e enquanto aguardava o meu primeiro emprego em Moçambique, de fazer uma viagem em canoa (almadia) rio abaixo, na companhia de um amigo, o Carlos, mais ou menos da minha idade, filho do velho Nunes, concessionário do Pavilhão de chá.



Foi com uma almadia igual a esta que protagonizamos a aventura no rio Incomáti  



Alugamos um pequeno “barco" a um pescador do rio,  que era apenas um tronco de árvore cavado, a que chamam almadia, com cerca de três metros de comprimento, já velho e em muito más condições já que metia água através de algumas frestas  nos costados.  Tratava-se de uma embarcação muito rústica que é usada praticamente em todo o continente africano, mas também noutros pontos do mundo onde existem populações rurais que vivem em contacto com a natureza e dela retiram todos os produtos da sua alimentação, nomeadamente o peixe.  Julga-se que a sua invenção remonta aos primórdios do uso de instrumentos de ferro, a avaliar pelo   grande tamanho dos troncos de madeiras duras que carecem de muita mão de obra e objectos cortantes para o derrube  das árvores e depois para a escavação que os torna flutuantes.

A decisão fora  tomada em cima da hora, numa altura em que  ambos pescávamos à linha da margem do rio e já depois do almoço. Não avisámos os respectivos familiares, o que não me preocupou a princípio pois no dizer do meu companheiro a viagem seria uma hora para baixo e outra hora para cima, pelo que à tarde e contando com mais uma hora para ver a praia e tomar um banho nas límpidas águas do Índico, estaríamos de volta mais ou menos pelas 17 horas

Era a primeira vez que entrava em semelhante embarcação e ainda por cima para navegar num rio pejado de crocodilos e hipopótamos. No entanto, o espírito de aventura próprio da idade e o entusiasmo que o Carlos me transmitiu com as suas estórias sobre hipotéticas e bem sucedidas descidas do rio nas mesmas condições, onde se viam os hipopótamos e crocodilos a meia dúzia de metros do barco, deixaram-me muito excitado e ao mesmo tempo feliz por participar  naquela viagem fluvial. No fundo, era a minha primeira aventura em África!

Não me apercebi, no entanto,  dos perigos que ambos poderíamos correr e confiei plenamente na “experiência” do meu companheiro.


A maré estava no início da descida das águas, portanto favorável para uma rápida viagem.


Utilizando cada  um o seu remo, tão toscos como a própria embarcação, lá conduzimos a nau para a parte mais funda do rio onde a corrente era mais forte e rapidamente nos aproximámos da “ilha dos hipopótamos”, na altura, como era hábito, repleta destes animais. Foi a primeira emoção daquela que viria a ser uma atribulada viagem, embora a ignorância de ambos não desse para compreender que tínhamos acabado de correr um verdadeiro perigo. Poderíamos ter sido abalroados já que três dos animais saíram do terreno firme onde se encontravam e mergulharam mesmo à nossa frente.
Felizmente que a embarcação já levava muita embalagem e quando os hipopótamos voltaram à tona da água, mais ou menos na posição por onde passámos, já estávamos uns bons dez metros a jusante dos mesmos. Tomámos a reacção dos animais como natural e o meu companheiro, que se dizia conhecer bem os seus hábitos, comentava que eles só queriam assustar-nos e que fazem isso sempre que as embarcações se aproximam.
 
A viagem continuou em bom ritmo. Bastavam umas ligeiras remadas  e algumas correcções na direcção pois a corrente aumentava de velocidade à medida que íamos descendo o rio. Pelo caminho ainda encontrámos mais hipopótamos dispersos que não se aproximaram nem simularam qualquer tentativa de intimidação à nossa passagem. Vimos também alguns crocodilos, talvez uns dez, fora da água e todos reagiram de igual modo, mergulhando rapidamente quando nos aproximávamos e desaparecendo nas águas por baixo das plantas aquáticas – os jacintos d’água – que já nessa época infestavam os principais rios de África. Lembro-me que um deles tinha um tamanho gigantesco e ter-se-à assustado com a nossa repentina aproximação atirando-se ao rio num salto de barriga que para além do estrondo provocou ondas que atingiram a almadia e nos obrigaram a uma manobra delicada para não afundarmos.
Em pouco mais de uma hora fizemos a descida do rio até às dunas da Macaneta e como nota negativa foi termos de retirar constantemente a água que se infiltrava através das frestas do barco, utilizando uma pequena cabaça ali colocada pelo seu dono, já habituado a tal tarefa.




Atravessando as dunas com a praia e o mar já bem perto

Depois de amarrarmos o barco a um tronco seco de mangal, apressámo-nos a fazer a travessia das dunas, o que não foi muito fácil naquele ponto. Tivemos que procurar os melhores caminhos sempre dificultados pelo emaranhado da floresta costeira que é sempre complicada por ser muito baixa e fechada. Uma boa meia hora depois tínhamos chegado ao alto das dunas e, finalmente, estávamos em frente ao grande  oceano Indico!

Fiquei extasiado com o que via e nem sabia bem se era o mar ou a praia que mais me atraía a atenção. Depois de uns instantes  recompus-me da surpresa deste espectáculo e olhei em todas as direcções para me certificar da posição geográfica onde estava. Para a esquerda, no sentido do norte, estende-se a praia de areias brancas a perder de vista. Para a direita, idêntica configuração mas recortada com a silhueta da Ilha da Xefina-pequena.  Na rectaguarda, fica o rio que um pouco mais abaixo de onde nos encontrávamos quase se encosta ao mar e desta forma segue até à foz, dividido apenas por uma língua de areias que só acaba cerca de cinco quilómetros depois, quando a força do oceano as contém e deixa passar as águas  que o Incomáti ali descarrega.

As águas da praia da Macaneta  são límpidas e muito batidas com ondas parecidas às do oceano Atlântico. É a praia com estas características  mais próxima da capital do país e faz  inveja às suas congéneres da Polana , Costa do Sol e Catembe, que fazem parte da grande baía do Maputo, onde as águas são calmas mas pouco limpas já que recebem os caudais de cinco rios: Incomáti, Matola, Umbeluzi, Tembe e Maputo.

Nem viv’alma naquela imensidão de areias límpidas, o que não admirava já que só aos fins de semana era normal irem à Macaneta os frequentadores habituais. Alguns deles já ali haviam demarcado lugares para acampar.
Aproveitei para tomar o meu primeiro banho em águas marinhas de Moçambique e nisso fui secundado pelo meu companheiro que, entretanto, me advertira que deveríamos ter cuidado com os tubarões, que ali não faltariam e que por norma andavam sempre muito próximo da praia.
Penso que foi esta a recomendação mais sensata que o Carlos me fez ao longo desta rocambolesca viagem e durante toda a nossa convivência! Naquele dia não vimos os tubarões, mas mais tarde, quando por várias vezes voltei à Macaneta, era frequente vê-los perto da rebentação das ondas.

 
O REGRESSO ATRIBULADO

Depois de mais de uma hora na praia voltámos ao rio para iniciar a viagem de regresso e nada parecia ter alterado os planos quanto ao cumprimento dos horários.
Seriam quatro horas da tarde quando chegámos junto da almadia, agora em seco devido à descida das águas. Mas logo tivemos a primeira indicação de que as dificuldades estavam à vista. Com as águas ainda na vazante era impossível iniciar a viagem de regresso.


Mover um pesado tronco cavado a descer o rio, foi coisa de certo modo fácil, mesmo com marinheiros inexperientes como nós. Fazer com que esse  tronco  se movimentasse contra a forte corrente descendente, era coisa impossível com remos, varas ou quaisquer utensílios manuais.

Ficámos para ali a olhar as águas, cada vez mais embaladas na  direcção ao mar e carregando um autêntico tapete verde formado pelos “jacintos d’água”.
Nem um nem outro sabia fazer cálculos relativos aos fluxos das marés !
A desolação começou a apoderar-se de nós à medida que o sol se aproximava da linha do horizonte. E como em África os dias são curtos, rapidamente a noite apareceu. O fluxo ascendente das águas não havia maneira de se fazer sentir, antes pelo contrário, parecia infinita a sua descida. Tentámos várias vezes, mas em vão, movimentar a embarcação para iniciar o regresso, mas rapidamente desistíamos porque o que acontecia era sermos sempre arrastados para baixo.
Quando por fim as águas estabilizaram lá conseguimos iniciar a viagem já no escuro da noite.  Só que,  após os primeiros minutos de intensos esforços, a remar, ficámos exaustos. O velho tronco cavado mal se mexia, por um lado devido à imperícia dos marinheiros, por outro à falta de fluxo ascendente das águas e, por último,  não menos pior, o facto de termos que navegar  através do tapete espesso dos “jacintos d’água” que naquela posição da maré baixa se encontravam comprimidos e cobriam praticamente todo o rio.



Hipopótamo no ambiente aquático invadido de”jacintos d'água”
(Foto da autoria de Telford Paul Dutton) (5)

A escuridão tirava-nos a visão para além de uns escassos metros.
O inferno do regresso estava à vista e cada vez mais a moral se afundava na desolação!
Navegar ao longo das margens tornou-se impraticável devido à vegetação aquática que ali era mais abundante. A solução foi conduzir a embarcação para o meio do rio. Só que os progressos na subida eram praticamente nulos depois de cerca de meia hora de desesperadas tentativas de imprimir alguma força e ritmo na manipulação dos remos.


Daquele ponto até à vila distavam cerca de cinco quilómetros, o que, matematicamente e com as águas a correr ao ritmo da descida, teria sido francamente fácil. Restava-nos a esperança de, a breve trecho, as águas passassem a vir com força e a viagem acabaria pouco depois, mesmo com o problema da vegetação a impedir-nos.  Só que esta matemática não funcionou e os problemas foram aumentando à medida que o tempo passava. Uma hora depois e já envolvidos numa profunda escuridão que só o ténue brilho das estrelas cortava, mas não dava para enxergar a rota, notámos que os “jacintos” rodopiavam à volta da almadia. Era o sinal de que as águas,  finalmente,  iriam inverter o curso no rio e a navegação seria então mais fácil.

Entretanto, não podíamos descurar o escoamento da água que teimosamente entrava pelas frestas, mais ainda do que na viagem de descida, devido à  maior pressão nos costados e falta de corrente a nosso favor. Revezávamo-nos no maneio da cabaça e ambos já estávamos completamente encharcados devido a esta operação, à neblina da noite que caía sobre o rio e à imperfeição das batidas dos remos na água.





Crepúsculo ao cair da noite no rio Incomáti

As forças já estavam  a atingir os limites quando propus ao Carlos que encostássemos a embarcação e procurássemos regressar a pé à vila. Lembrei-lhe das aflições das nossas famílias sem saber onde nos encontrávamos. Pelo ritmo que a nossa navegação estava a ter não me parecia que pudéssemos chegar tão depressa.

O Carlos não aceitou a minha ideia e penso que esteve bem. Argumentou que as margens do Incomáti, naquela zona, eram muito alagadas, com vários braços do rio onde prevalecem os mangais de difícil ou mesmo impossível penetração. Por outro lado, caminhar durante a noite numa área de hipopótamos e crocodilos era um risco que não deveríamos correr.
E não corremos!  


Continuámos a nossa saga e sempre conversando à volta das dificuldades que se apresentavam. Concluímos que não havia que esmorecer e assim ganhámos mais ânimo. Aos poucos fomos sentindo alguns progressos e quando vencemos a primeira curva que dista  cerca de um quilómetro do ponto de partida da Macaneta, divisámos aquilo que nos pareceu um enorme tronco à tona da água e muito envolvido de vegetação aquática. Quando nos aproximámos fomos surpreendidos com a brusca elevação de um hipopótamo, que, assustado com a nossa aproximação, resolveu emitir o seu ronco característico, submergindo acto contínuo e com violência na água . Ficámos estupefactos a boiar sobre as ondas por ele provocadas e com certa dificuldade lá conseguimos equilibrar a velha almadia, enviusando-a na direcção que nos pareceu mais conveniente para evitar o abalroamento.


Macho dominante  exibindo as suas presas para amedrontar os  concorrentes

O primeiro comentário que fizemos foi para elogiar a nossa embarcação, que afinal nem era assim tão má, já que se aguentara muito bem naquela confusão das águas em reboliço. Lá continuámos, agora mais atentos aos vultos sobre a água, sempre difíceis  de descortinar por falta de visibilidade e ainda pela vegetação flutuante agora mais concentrada junto às margens e em tufos contínuos que por vezes até conseguíamos acompanhar.
Não muito longe do encontro com o hipopótamo, deparámos de novo com outros mais, igualmente perto da margem direita que era a nossa preferida para navegar,  já que, em caso de naufrágio, teríamos melhores hipóteses de salvamento. O estardalhaço desta vez foi muito maior e pelos roncos e agitação na água concluímos terem sido pelo menos três animais.

Voltámos a ter algumas dificuldades em controlar a velha almadia que desta vez meteu uma boa quantidade de água. E tal como no anterior encontro, também neste não perdemos a calma e limitámo-nos a fazer o desvio possível da zona.

A noite já ia adiantada e os progressos de navegação só agora começavam a ser evidentes. A corrente já nos permitia menor esforço no maneio dos remos e depois do segundo encontro com os hipopótamos surgiu uma nova alma para reforçar as forças: divisámos as luzes da vila, trémulas e mortiças. Mesmo ainda distantes, elas deram-nos novo alento e se nas horas que já haviam passado desde a partida da Macaneta até aqui alguma vez caímos em desânimo, a partir daqui tudo foi diferente. A vila estava à vista e pelos cálculos não estaria a mais de três quilómetros. Não havia ainda motivos para festejar, mas insuflados de novas forças continuámos a avançar sempre perto da margem nossa preferida. Discutimos como fazer a aproximação cuidadosa da ilha dos hipopótamos, tendo em atenção que os animais àquela hora ,ou estariam nas margens do rio, a pastar,  ou a caminho delas e seria muito provável um novo encontro.


Mãe e cria junto da margem esquerda do rio

Não nos enganámos ! 

Muito antes da zona da ilha apareceram hipopótamos isolados por todo o lado, mais parecendo que estavam a fazer-nos uma barragem ao caminho.
Uns levantavam-se muito perto de nós, outros mais adiante e até já os tínhamos na rectaguarda agitando as águas e roncando fortemente.
No meio deste labirinto, que à vista era difícil avaliar porque a escuridão não dava para enxergar mais que uns parcos metros em redor da almadia, limitámo-nos a fazer zigue-zagues procurando sempre as zonas do rio mais calmas. Numa das situações mais complicadas tivemos a sensação que fomos levantados da água uns bons trinta centímetros pelo dorso de um hipopótamo. Mais tarde, admitimos, mesmo na nossa santa ignorância,  ter sido um crocodilo!



Crocodilo de boca aberta para receber o calor do sol

Acalmados e já sem movimentos de animais por perto, retomámos a rota quando nos faltava vencer o último quilómetro. Tinha-mos ainda pela frente a “ilha dos hipopótamos”, que receávamos ser  o  ponto mais perigoso de toda a odisseia!

Já com as luzes da vila bem visíveis, notámos grande azáfama junto ao cais de portagem dos ferry-boats dos Caminhos de Ferro e vários focos de luz pela encosta e na rua marginal. A população, quase  em peso, incluindo as nossas famílias,  estava num verdadeiro alvoroço devido ao nosso desaparecimento!
Não tardou em vermos uma potente luz reflectida nas águas à nossa frente e, ao mesmo tempo, o roncar de um potente motor. Eufóricos, gritámos de alegria. Era o ferry-boat dos Caminhos de Ferro que vinha rio abaixo, bem iluminado, agitando potentes focos de luz a toda a largura do rio. Depressa nos encontrou e recolheu, passava já da meia noite!

Ouvimos das boas do velho marinheiro da embarcação, que bem nos conhecia. Não acreditava como nos safámos daquela perigosa aventura, referindo alguns casos fatais com pescadores que foram trucidados pelos hipopótamos em circunstâncias menos atrevidas. Repetiu várias vezes que navegar durante a noite num barquito daqueles, num rio pejado de hipopótamos, cujas fêmeas acompanhadas de crias são muito perigosas, era um autêntico suicídio !

Senti arrepios de medo, ao mesmo tempo que chorei de alegria por termos saído ilesos de tão estúpida aventura. Só então, perante as bem aplicadas descomposturas do sábio marinheiro, compreendi que a ignorância de ambos poderia ter causado um grande desgosto aos nossos familiares.

No fundo, o que mais terá contribuído para termos saído ilesos daquela aventura idiota, foi precisamente o facto de não termos sentido medo – fruto da ignorância de ambos - nos momentos em que estivemos envolvidos com os hipopótamos no rio. Teria sido fatal se o pânico se apoderasse de nós naqueles momentos críticos, em que a almadia rodopiava sobre as águas revoltas pelos paquidermes.

Uma grande lição que muito bem soube aproveitar ao longo da minha  vida profissional em Moçambique !

Foi nos livros e ao longo da minha carreira de fiscal de caça que pude constatar isso,  que os hipopótamos são os animais bravios africanos que mais mortes provocam nos humanos. Tal como os elefantes em terra, eles são os reis absolutos no seu ambiente aquático. Perturbá-los nesse meio é muito arriscado, sobretudo quando existem crias. As fêmeas progenitoras defendem-nas implacavelmente e por vezes atacam as embarcações que se aproximam, abocanhando-as e trucidando os seus ocupantes.

Os casos sucedem-se por todo o lado e as principais vítimas são os pescadores tradicionais que na sua faina em lagoas ou rios se atrevem a chegar muito perto destes animais, normalmente utilizando pequenas e por isso muito frágeis embarcações. E não é para fazerem turismo ou para se divertirem, mas porque é em redor dos hipopótamos que existe mais peixe para se alimentarem dos dejectos destes animais.


Registei muitas dezenas destes casos no decorrer da minha actividade profissional, alguns deles implicaram a minha própria intervenção ou das brigadas a meu cargo, para eliminar os animais considerados muito perigosos e reincidentes em ataques mortais, nomeadamente fêmeas em defesa das suas crias. A própria lei da caça previa estas situações e determinava as formas de actuação no âmbito da defesa humana (6).


Caveira de um Hipopótamo abatido depois de ter morto um  pescador na lagoa Gabeza,
a sul do rio Maputo. Outros 6 já antes tinham tido igual destino, porque se tratava de um macho  agressivo e dominante   de um "Harém" de  fêmeas da mesma lagoa.

Por ironia do destino, pude testemunhar também as consequências de um desses casos, em que foi protagonista o velho e experimentado marinheiro do ferry-boat dos Caminhos de Ferro, precisamente aquele que na noite da aventura no rio Incomáti nos foi procurar e nos deu a repreensão que acima narrei. Foi nos finais do ano de 1956 quando era já funcionário do quadro administrativo e trabalhava de novo na Administração de Marracuene,  depois de colocações em Inhambane, Pafúri e Lourenço Marques.

A notícia chegou à Secretaria da Administração através do delegado local dos Caminhos de Ferro, o Snr Mendes. Ia comunicar um acidente acabado de acontecer no rio: um hipopótamo atacara o ferry-boat com turistas a bordo!


Os hipopótamos destroem com facilidade não só embarcações frágeis dos pescadores, como ferry-boats de turismo com estrutura de ferro 

Fui com outros elementos da Administração ao cais fluvial onde ainda havia alguma confusão. Os turistas estavam a ser transferidos para uma viatura para regressarem a Lourenço Marques, alguns deles visivelmente assustados e uns quantos com escoriações ligeiras.  O ferry-boat, com cerca de 12 a 15 metros de comprimento e todo em ferro, já atracado, apresentava o costado de bombordo (esquerdo) e o lado da poupa, com rasgões e amolgadelas até muito perto da linha de água.
Fora uma fêmea que investira no momento em que a embarcação se aproximou demasiado de um grupo onde havia crias, explicou o velho marinheiro, acrescentando que tudo fora tão rápido que ele próprio não tivera tempo de desviar o barco. Disse ainda que jamais vira uma cena daquelas em que o animal atacou com uma tão grande fúria que chegou a recear que afundasse o barco. Ele e os seus ajudantes, assim como o delegado e os turistas que ocupavam cerca de metade da lotação, viveram momentos aflitivos quando viram o enorme animal emergir da água, levantar-se quase  a pique e abocanhar o parapeito e a própria amurada, sacudindo a embarcação e rasgando ao mesmo tempo as chapas de ferro como se fossem cartão! Cena esta que o animal repetiu diversas vezes, no que parecia disposto a afundar o barco.

Felizmente que não houve mortes.  Apenas ferimentos ligeiros em alguns turistas devido a quedas no interior da embarcação  durante o ataque do hipopótamo.

Era até ali o acidente mais grave com os barcos de turismo no Incomáti. Os muitos casos anteriores nunca passaram de pequenos encostos e ameaças dos paquidermes, sempre sanados com a perícia dos respectivos marinheiros e principalmente pela consistência e envergadura das embarcações.



Este tipo de ferry-boat (idêntico aos dos CFM que foi atacado por um hipopótamo), 
é muito utilizado nos rios, albufeiras e lagos africanos
 para observação da fauna aquática

        Durante a recente estadia em Moçambique (Outubro de 99 a Janeiro de 2000) e como sempre fiz em viagens anteriores, fui com as minhas netas moçambicanas, Maura e Dania, a Marracuene, visitar as campas dos familiares ali sepultados. Ali encontro sempre velhos amigos, naturais da terra, que recordam a família Figueiredo (pais de minha mulher) com a simpatia e respeito que ela sempre mereceu da população e das autoridades. Alguns recordam que foi o velho Figueiredo o português escolhido para receber a bandeira portuguesa das autoridades moçambicanas, na cerimónia que assinalou a independência de Moçambique, em 25 de Junho de 1975.
Esta família, com raízes comerciais antigas e sólidas, tinha um profundo amor a Vila Luísa. Nunca aceitaram regressar a Portugal nem nunca para cá transferiram quaisquer valores. Diziam ser aquela a sua verdadeira terra!
Faleceram em 1977 (a sogra) e em 1983 (o sogro).



NOTA FINAL

Dedico esta  crónica  às minhas três netas – Maura, Dania e Viviana –, as primeiras naturais e residentes em Maputo-Moçambique e a última natural e residente em Lisboa.



Com as netas, no quintal da nossa residência em Amor - Portugal, no Verão de 1998

Elas, que ainda são novinhas, poderão mais tarde encontrar aqui algumas explicações sobre as suas origens e até achar piada  como o avô materno iniciou a sua vida em Moçambique e como formou a família de que elas descendem. Por outro lado, tratando-se do primeiro  de uns quantos capítulos, onde deixarei para a posteridade narrativas do meu percurso profissional, com a intenção principal de contribuir  para  a história da fauna bravia, da caça e dos caçadores de Moçambique, da segunda metade do século XX, naturalmente que elas serão as primeiras a querer saber as razões que levaram o avô a seguir uma carreira tão perigosa  e o que fez  durante os trinta e oito anos em que trabalhou naquele país da beira do Indico.
Melhor conhecendo os seus ascendentes, melhor se conhecerão a si próprias !
Tenho a certeza que o episódio aqui narrado tocará muito particularmente à Maura, que é a mais velha e já nos acompanhou (a mim  e à avó) algumas vezes a Marracuene, quando ali vamos  visitar as campas dos seus antepassados – o trisavô e bisavós maternos. Também ela já se declarou admiradora daquela bonita vila e o facto de estarem lá sepultados aqueles seus ascendentes, certamente a terá influenciado.
Uma garantia lhe podemos dar: iremos sempre a Marracuene, tratar das campas e sentar um pouco no miradouro para olhar o rio, a planície e as dunas da Macaneta que escondem a praia e o mar. Mas, também, para meditar e recordar o passado!

Levá-la-emos sempre connosco!
Infelizmente, já não podemos ver os hipopótamos e os crocodilos, que foram desaparecendo  até à extinção com o virar dos tempos e das convulsões internas do país. Isso me entristece muito porque se perdeu um inestimável património que a Natureza nos legou! 

Março do ano 2000


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Caveira de crocodilo

NOTAS EXPLICATIVAS

(1)- Na nova toponímia de Moçambique, esta, como outras vilas e cidades do país que  usavam nomes atribuídos pela administração portuguesa, passaram a usar os nomes tradicionais que já tinham no passado. Assim, Vila Luísa (nome atribuído  em homenagem ao antigo Governador da Colónia, António Enes, recordado sua filha Luísa) voltou a chamar-se Marracuene.

(2)- Gungunhana, o último monarca do Império de Gaza,  cognominado o "Leão de Gaza",  foi o mais
temível chefe tribal que combateu  a dominação portuguesa em Moçambique durante as chamadas "Campanhas de Pacificação", nos finais do século XIX . A sua jurisdição abrangia os territórios entre o rio Incomáti, no sul e o rio Zambeze, a norte, cerca de dois terços do que então era Moçambique.  Depois de vários combates  entre as suas tropas e as portuguesas, entre eles o chamado "Combate de Marracuene", ocorrido no dia 2 de Fevereiro de 1895 sob o comando, do lado português, do major Caldas Xavier, Gungunhana viria a ser preso, em finais do mesmo ano, no seu quartel general que era a aldeia fortificada de Chaimite, um arrojado feito protagonizado pelo capitão  Mouzinho de Albuquerque e suas tropas. Foi depois levado para Lisboa, acabando por ser desterrado para os Açores onde  veio a morrer onze anos mais tarde. Depois da independência de Moçambique, Portugal entregou os seus restos mortais ao seu país,  encontrando-se os mesmos depositados na cripta do monumento aos Heróis Moçambicanos, em Maputo, ao lado de Eduardo Mondlane, Samora Machel e outros Heróis do país.

 (3)-  Algumas espécies de cicadaceas abundavam na região de Marracuene e eram endémicas do sul de Moçambique. Rezam os livros da matéria que se trata de fósseis vivos dos mais antigos da flora deste país.



              EncephartartosUmbeluzienses, uma das belas cicadaceas do sul de Moçambique


São plantas muito procuradas, sobretudo por sul-africanos que não as dispensam dos seus jardins e mesmo dos parques públicos, dada a sua rara beleza e  resistência. No período colonial e mesmo depois da independência, houve uma razia nestas plantas através da acção de negociantes sem escrúpulos que as carregavam em grandes quantidades para negócio na África do Sul.   Embora protegidas por lei, crê-se que estão praticamente extintas na maioria do   território onde abundavam!

(4)- Ver Mapa 4 – Regimes de Vigilância Especial de Moçambique (RVEM).

(5)- Paul Dutton, conhecido ecologista sul africano, que desde 1973 tem desempenhado em Moçambique tarefas muito valiosas no âmbito da conservação dos recursos naturais em geral e da fauna bravia em particular,  tirou esta foto na lagoa  Mareza, Parque Nacional da Gorongosa, em 1980, altura em que os efectivos desta espécie, neste Parque, rondavam os 3000 animais. Neste momento, apenas 4 ou  5 dezenas se encontram ali. Esta foto, pela sua originalidade, mereceu a escolha de muitas revistas que a tornaram conhecida mundialmente. Apareceu ainda em cartazes e posteres de organizações de protecção à fauna.
Paul Dutton foi recentemente galardoado, em Johannesburg, com o prémio "Audi-Terra Nova",   importante distinção a nível mundial atribuída anualmente a indivíduos  que   se destacam na protecção do meio ambiente e da fauna bravia!

(6)- Lei sobre a Defesa Humana – Diplomas 1982, de 1960 e 2630 de 1965.

Marrabenta, Março de 2000
Celestino Gonçalves
(Fiscal de Caça-Chefe de Moçambique, reformado)


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