RUI QUADROS
A MINHA HOMENAGEM
UMA LENDA DA ÉPOCA DE OURO DOS SAFARIS DE CAÇA EM MOÇAMBIQUE
Acaba de chegar ao meu computador, por e_Mails dos amigos comuns Luís Pedro Sá Mello e Fernando Gil, mais uma triste notícia. Faleceu o Rui Quadros!
Sem muitos pormenores, a infausta notícia, que muito me chocou, refere que o famoso e mundialmente conhecido caçador-guia e grande desportista moçambicano, faleceu ontem, acometido de um colapso cardíaco quando via televisão na sua residência em Maputo.
Amigo de longa data, o Rui Quadros era filho de um antigo colega - Afonso Quadros - funcionário do Quadro Administrativo de Moçambique, que conheci na década de 50 quando militava no mesmo serviço.
O Rui deixara Moçambique, sua terra natal, em 1975 e ali regressou no ano 2000, depois de 25 anos de tentativas de fixação em vários pontos do mundo, desde países africanos, sul americanos e Portugal, desempenhando sempre actividades relacionadas com o turismo cinegético e contemplativo, mas todas elas frustradas justamente por inadaptação aos ambientes que pouco ou nada se comparavam aos da sua querida terra. A sua última tentativa ocorreu no rincão alentejano, fundando ali o Badoca Parque, hoje famoso graças à continuação do seu projecto por parte do proprietário que lhe sucedeu!
Durante as minhas habituais estadias em Moçambique, nos últimos dez anos, a companhia do Rui tornou-se um hábito, pela grande amizade mútua e por termos em comum a paixão pela Natureza, em geral, e pela conservação da vida selvagem, em particular. Recordamos sempre, com muito orgulho, o facto de pertencermos ao número daqueles que conheceram o país de lés a lés, de termos vivido a época de ouro dos safaris de caça (épocas de 60 e 70) e participado em acções que ajudaram ao progresso verificado no sector da fauna bravia durante as duas décadas que precederam a independência de Moçambique em 1975.
Depois de ter tentado readaptar-se às actividades cinegéticas, como guia de safaris, nos primeiros anos após o seu regresso a Moçambique, o Rui Quadros acabou por desistir, não tanto pela sua idade avançada ou menores condições físicas, mas pelo desencanto desta actividade recentemente reactivada no país, agora nas mãos de alguns estrangeiros mais interessados pela exploração do património faunístico do que pela sua conservação. Passou a dedicar-se ao negócio do peixe e mariscos frescos, que o ocupava e lhe conferia tempo para confraternizar com os amigos.
Quem conheceu o Rui Quadros sabe que não exageramos ao dizer que se trata de uma lenda da época de ouro dos safaris de caça em Moçambique! Ele complementava a sua condição de excelente caçador e guia de safaris com as virtudes raras de grande conhecedor da vida do mato, dos animais selvagens e das populações rurais cujas línguas (dialectos) falava com fluência, quer fossem do sul, do cento ou do norte do país. Com preparação académica de nível médio, era também um conversador nato, sabendo como poucos da sua profissão como encantar os turistas que conduzia nos safaris, sobretudo nos longos serões à fogueira ou nas salas de estar dos belos acampamentos de caça, contando-lhes as mirabolantes histórias da sua vida de caçador ou fazendo-lhes curiosas demonstrações de magia com cartas em que era exímio executante!
Enquadram-se ainda neste lendário protagonista as mirabolantes aventuras com muitas mulheres que por ele se apaixonavam, nomeadamente as turistas estrangeiras mais liberais que participavam nos safaris por ele conduzidos e que nele viam a personificação de um digno representante da masculinidade latina! Uma das mais recambolescas histórias que protagonizou foi iniciada no Brasil, em casa de um amigo e veio a ter o epílogo de tantas outras, pouco tempo depois, já em Moçambique. Apresentado por esse amigo a uma jovem de grande beleza, esta ficou como que hipnotizada perante a figura e a simpatia do Rui e foi amor à primeira vista. Como ele estava de regresso a Moçambique, ela não hesitou, fez a mala e partiram juntos, curtindo já uma paixão recíproca tipo Romeu e Julieta. Após alguns dias de "lua de mel" em Lourenço Marques (actual Maputo), bem instalados no apartamento e divertindo-se nas belas noites do Polana, Cardoso e outros requintados lugares da cidade, saboreando a afamada comida africana, com destaque para os melhores mariscos do mundo que o Índico tão generosamente oferece a esta costa oriental de África, o Rui teve que partir para o mato para cumprir as suas obrigações de caçador-guia e levou consigo a sua jovem namorada, citadina nascida e criada em S. Paulo, das maiores metrópoles do mundo. O desconforto de uma viagem de 800 Km em jeep aberto, um terço do percurso em picadas poeirentas e esburacadas e sob o calor abrasador africano, foi o início de uma desilusão para a jovem. A beleza do acampamento do Zinave (junto ao grande rio Save), a recepção simpática dos trabalhadores da Empresa, um banho quente e uma boa refeição atenuaram o cansaço da viagem. Nos dias seguintes e enquanto não chegavam os turistas para o safari da responsabilidade do Rui, ambos se divertiram em passeios curtos, mas recheados de animais que se deixavam aproximar dado que a empresa (Moçambique Safarilândia) mantinha essas áreas apenas para observação e nunca ali se dava um único tiro. Quando os turistas chegaram, a vida passou a ser outra e a "lua de mel" terá chegado ao fim dado que durante o dia e boa parte da noite o Rui tinha que acompanhar os clientes. Só ao jantar, no acampamento, é que a jovem participava, embora tal não acontecesse quando o safari decorria em zonas afastadas do Zinave e o grupo por lá ficava, por vezes dias seguidos utilizando acampamentos improvisados. Nesses dias a jovem passou a sentir-se muito só, teve alguns sustos com os barulhos da noite (corujas, hienas, chacais, leões, bush-babys, etc., eram normais e consolavam quem gosta de viver o mato africano) e sentia-se desprotegida na frágil habitação, que sendo excelente para albergar os caçadores-guias, não era propriamente uma residência para um casal e muito menos para uma jovem de boas famílias oriunda de uma grande cidade. Essas noites passaram a ser um suplício para a moça sobretudo a partir do dia em que o empregado da limpeza descobriu uma cobra enrolada debaixo do tapete do seu quarto. No regresso, o Rui tinha que a consolar para recuperar a sua boa disposição. A situação passou a ser insuportável. No intervalo de um dos safaris foram à cidade onde ela acabaria por ficar sozinha enquanto o Rui voltava ao novo safari, por vezes de um mês ou mais. Inevitavelmente, o romance chegara ao fim. A jovem regressou ao Brasil, sozinha!
Esta história não seria nada diferente da de tantas outras passadas na vida do Rui com namoradas de ocasião, se não houvesse por detrás dela um acontecimento muito estranho e raro, para não dizer inédito. É que a jovem (de famílias da classe média alta brasileira),quando conheceu e se apaixonou do Rui, estava noiva e a dias (menos de uma semana) de casar, com convites distribuídos e boda marcada para um dos melhores complexos hoteleiros de S. Paulo!
Esta história não seria nada diferente da de tantas outras passadas na vida do Rui com namoradas de ocasião, se não houvesse por detrás dela um acontecimento muito estranho e raro, para não dizer inédito. É que a jovem (de famílias da classe média alta brasileira),quando conheceu e se apaixonou do Rui, estava noiva e a dias (menos de uma semana) de casar, com convites distribuídos e boda marcada para um dos melhores complexos hoteleiros de S. Paulo!
Fica a saudade de mais um excelente amigo e um protagonista que a história da fauna bravia, caça e caçadores de Moçambique deve registar para recordação das gerações vindouras interessadas em zelar pelo património faunístico de Moçambique.
Apresento à sua extensa e simpática família e especialmente à sua filha Maria, as minha sentidas condolências!
Um sentido abraço ao amigo Nuno Quadros, o mano mais novo que de perto está a viver as horas difíceis deste inesperado desenlace!
Para além destas breves palavras, incluo também nesta singela homenagem ao saudoso amigo Rui Quadros, a breve biografia que dele elaborei em 2003 e que foi publicada no meu site principal, já extinto e depois republicada neste Blog.
Paz à sua Alma!
Marrabenta, em Amor-Leiria, 30 de Maio de 2010
Celestino Gonçalves
* * *
ÁLBUM DE RECORDAÇÕES
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RUI QUADROS
CAÇADOR GUIA E CAMPEÃO DE TIRO
Nascido na histórica Ilha de Moçambique, em 1937, RUI QUADROS é o primogénito de uma prole de 9 irmãos, filhos de um casal cujo patriarca - Afonso Quadros - era funcionário do quadro da administração civil da colónia e que se tornou muito conhecido no território precisamente por ser chefe de uma tão grande família, coisa rara entre os brancos.Outra faceta que notabilizou o pai Quadros era a sua grande paixão pela caça, que praticava nas áreas da sua jurisdição administrativa, quando chefe de Posto, a propósito de resolver problemas de alimentação do pessoal sob a sua responsabilidade empregue nas diversas actividades (administrativo, obras, presos, abertura e limpeza de picadas, etc,) ou mesmo para eliminar animais daninhos que invadiam os povoados e suas culturas. As constantes transferências a que estavam sujeitos os funcionários daquele quadro administrativo levaram o Afonso Quadros e sua família a viverem praticamente em todos os distritos da colónia e em locais dos mais isolados e inóspitos do interior de Moçambique.Dizia-se, não sei se com fundo de verdade, que o pai Quadros pedia para ocupar os Postos Administrativos mais isolados e afastados que normalmente eram recusados por colegas seus, precisamente porque se localizavam nas regiões onde existia maior densidade de animais selvagens. Estiveram na rota de trabalho deste funcionário localidades do interior com tais características, como Lunga, Iutoculo, Matibane, Lalaua, Muite, Mutuali, Malema, Ligonha, Macuzi, Inhassunge, Gilé, Funhalouro e Saúte.Naturalmente que os filhos, desde pequenos, criaram também a mesma paixão do seu progenitor, sabido que é que a caça é uma atracção muito forte para os jovens que têm o privilégio de viver em contacto com o mato e os animais bravios. O Rui, sendo o mais velho, desde tenra idade que acompanhava o pai nas incursões pelo mato e desde os seis anos que começou a lidar com espingardas. Começou pelas de pressão de ar e depressa passou às de bala de calibre ponto vinte e dois e depois às de calibres maiores. Iniciou-se no abate de aves e roedores e aos oito anos já matava pequenos antílopes. Aos nove abateu o seu primeiro búfalo e aos doze o primeiro elefante, tudo sob a batuta do pai e por vezes dos próprios cipaios do Posto.
Conheci o pai Quadros em meados da década de cinquenta durante as deambulações que também fiz como funcionário do mesmo quadro. Curiosamente, ele chefiou um posto que bem conheci: o de Saúte, localizado na circunscrição do Alto Limpopo, província de Gaza, entre o rio Save e o rio Limpopo. Uma região de clima muito sêco e com pouca população humana mas povoada de muitos milhares de animais bravios. Foi considerada, até à década de oitenta, a melhor área de caça de Moçambique e aquela que albergava mais variedade de espécies, algumas delas raras, como a girafa, a avestruz, a mezanze, a palapala cinzenta, a chita, a lebre saltadora, a raposa orelhuda e o lince. Outras espécies comuns, como elefantes, búfalos, elandes, zebras, gnús, palapalas, gondongas, cudos, leões, leopardos, chacais, hienas, inhalas, inhacosos, hipopótamos, impalas, changos, crocodilos, facoceros e cinco espécies de cabritos, eram muito abundantes. A célebre planície de Banhine era o epicentro desta região tão fértil em fauna selvagem e ficava a dois passos da povoação do Saúte. Um autêntico paraíso para a prática da caça, com destaque para a chamada caça grossa, que ali foi praticada em regime livre até à década de sessenta. Viria, depois, a ser ali criada a coutada oficial nº 17 que mais tarde, em 1973, foi extinta devido à criação do Parque Nacional do Banhine.
Foi nesta e noutras regiões idênticas que o Rui Quadros passou a maior parte da sua juventude e adquiriu uma larga experiência como caçador, tornando-se também um apaixonado pela vida animal. Só depois da instrução primária, que lhe foi ministrada pela mãe, se afastou para continuar os estudos (concluiu aos 17 anos os estudos secundários na África do Sul), mas durante as férias voltava sempre ao seio familiar e todo o seu tempo disponível era ocupado nas caçadas, que praticava à sombra das facilidades concedidas pelo próprio pai na qualidade de representante máximo da autoridade na respectiva área.
Gorados os seus sonhos de se tornar um biólogo virado para o ramo da fauna selvagem, por dificuldades financeiras dos pais para o manterem a estudar na África do Sul, procurou em Lourenço Marques uma actividade que o mantivesse em contacto com os animais bravios e assim começou por estagiar no Museu Álvaro de Castro (actual Museu de História Natural) onde aprendeu a embalsamar pequenas espécies, nomeadamente aves. Rapidamente se interessou pela ornitologia e ao serviço do Instituto de Investigação Científica de Moçambique dedicou-se à captura de pássaros. Percorreu todo o território em busca de espécies raras e ainda não catalogadas obtendo mais de uma centena de espécies novas para a vasta colecção do Museu.
Durante uma dessas campanhas, de mais de seis meses, na região do Lago Niassa, desenvolveu ali o gosto pela caça submarina, uma actividade que, para além de emotiva, lhe dava substanciais proventos pois vendia o pescado capturado, que normalmente atingia algumas dezenas de quilos por dia.
Entretanto a cidade capital também o cativou. O tempo disponível dedicava-o à prática do tiro de stand e ao atletismo. Em ambas as actividades depressa se notabilizou, logo a partir das categorias de júnior. No atletismo foi campeão de 400 e 800 metros. No tiro atingiu o patamar cimeiro em todas as provas, tornando-se campeão de Moçambique tanto na prancha como nos pombos, título que renovou sucessivamente, torneio após torneio, vencendo também inúmeras provas internacionais em que participou. Centenas de taças, medalhas e outros troféus foram-se acumulando na sua casa ao longo dos anos, primeiro em vitrines organizadas e depois a monte sobre os móveis da sala. De entre os melhores atiradores da época só o seu colega e amigo Amadeu Peixe o equiparou em títulos!
Amadeu Peixe e Rui Quadros, a dupla de caçadores guias
mais famosa das décadas de 60 e 70 em Moçambique
O seu nome aparecia com frequência nos jornais e revistas da época, tornando-se rapidamente muito conhecido no meio desportivo e nos locais mais requintados da vida nocturna da cidade, que passou a frequentar levado pela sua popularidade e pela pujança da sua juventude. Colheu os frutos dessa fama graças também à sua cativante simpatia e à sua invejável compleição física, tornando-se o menino bonito das claques e o galã das admiradoras. Era o delfim das equipas de tiro, um desporto caro praticado por elites do meio económico mais bafejado e isso lhe trouxe regalias especiais como por exemplo um excelente emprego na refinaria de petróleo (Sonarep) através de um dirigente deste complexo, também praticante de tiro. Antes, porém, experimentou outros empregos mais modestos como empregado de café, recepcionista de Hotel, empregado de comércio, etc.
O ritmo de vida agitado que o Rui levava na cidade era ciclicamente interrompido para as suas habituais caçadas no interior. Caçava nomeadamente crocodilos, cujas peles lhe garantiam um rendimento extra para as suas maiores extravagâncias, que incluíam bom automóvel, boas espingardas, viagens ao estrangeiro, etc.
O surgimento de uma nova política de conservação e exploração da fauna selvagem em Moçambique, em finais da década de cinquenta, levou à extinção da chamada caça utilitária, até então praticada com o fim de comercializar a carne, peles, marfim e outros troféus. Foram criadas coutadas oficiais e regulamentada a prática da caça turística, nascendo assim a indústria de safaris de caça no território. Alguns dos mais experimentados caçadores profissionais da época foram os pioneiros desta promissora actividade, juntando-se-lhes outros caçadores amadores que apenas praticavam a chamada caça desportiva. O Rui Quadros fazia parte destes últimos e pela mão do conhecido caçador Werner Alvensleben integrou a primeira equipa de caçadores guias da empresa Moçambique Safarilândia, concessionária das coutadas 4 e 5, situadas junto do rio Save. Tornou-se assim caçador-guia, em 1960, precisamente o primeiro ano de actividade desta promissora indústria em Moçambique. Dessa equipa faziam também parte experimentados caçadores como Harry Manners, Jorge Alves de Lima, Wally Johonson, Miguel Guerra, Afonso Ruiz, George Dedeck e Manuel Posser de Andrade. Outros caçadores vieram depois a integrar a mesma equipa, nomeadamente, Amadeu Peixe , Manuel Figueira, José Saraiva de Carvalho, Manuel Rodrigues, Lobão Tello e Sérgio Veiga.
O PRÍNCIPE DA SELVA
As coutadas 4 e 5, de entre as 16 criadas na altura, eram as que melhores condições reuniam para realização de safaris de caça, por albergarem grande quantidade e variedade de espécies de animais bravios. Os primeiros turistas que ali foram caçar, conhecedores das organizações de safaris de outros territórios africanos onde esta indústria há muitos anos vinha sendo praticada, pasmaram perante a genuína e até aí desconhecida potencialidade cinegética destas coutadas. Depressa isso se propagou no estrangeiro e a Moçambique Safarilândia passou a ser procurada por uma verdadeira plêiade de figuras do mundo da caça, oriundas nomeadamente dos Estados Unidos da América e de alguns países da Europa e da Ásia.
O Rui Quadros entrou assim nesse mundo, vestindo a pele de uma das personagens reais mais enaltecidas por muitos escritores ao longo de décadas, como heróis das mais arrojadas aventuras: o intrépido caçador africano - o white hunter ! Ele reunia um invulgar conjunto de condições que logo à partida lhe garantiram uma carreira de sucessos, nomeadamente: jovem e atleticamente bem constituído; experiente caçador e exímio atirador; conhecedor da fauna selvagem desde as pequenas às grandes espécies; bom domínio da língua inglesa e dos dialetos nativos; grande entusiasmo e dedicação pela profissão. Os seus feitos como caçador e condutor de safaris rapidamente foram divulgados, tornando-o muito conhecido e disputado pelos turistas caçadores.
Poucos caçadores guias moçambicanos alcançaram, na época, a fama do Rui Quadros! Passou a viajar pelos países de origem dos potenciais clientes, promovendo os safaris. Percorreu praticamente todos os países do continente Americano, grande parte da Europa, o Japão, Tailândia, Hong-Kong, Singapura, Austrália e uma boa parte dos países Africanos. Conheceu e privou com figuras da alta finança mundial, estrelas de cinema e escritores famosos que o convidavam para as suas mansões e quintas e para caçadas nos mais diferentes pontos do mundo. Caçou búfalos da Austrália, cabras do deserto do México, ursos do Alaska, veados e pumas da Argentina, javalis da Europa, onças e capivaras do Brasil e um sem número de espécies aladas, entre muitos outros animais, em toda a parte por onde viajou, enriquecendo assim a sua larga experiência africana.
Alguém apelidou estes bafejados personagens de "príncipes da selva"!
O "príncipe da selva" com uma caçadora de arco e flecha, junto de um excelente troféu (Impala), abatido nas coutadas do Save
O menino bonito das claques, o galã das admiradores e o delfim das equipas de tiro de stand, tornou-se ainda mais popular na cidade capital depois dos seus badalados sucessos como guia profissional de caça.
Considerado um ídolo e paradigma de uma profissão bonita e bem paga, muitos jovens da época, inspirados na sua fama, tentaram seguir a carreira deste caçador-guia. Contudo, poucos foram os que conseguiram firmar-se nesta profissão. Desses poucos, o exemplo mais flagrante foi o de Amadeu Peixe (2), seu conterrâneo e amigo, que, levado pela sua mão para a mesma empresa, em 1961, se tornaria também num competente profissional e um adversário sem igual na disputa de títulos na modalidade de tiro de stand. Ambos tiveram um percurso muito idêntico: conheceram o mundo do turismo cinegético como poucos; tiveram sucessos na caça, no tiro, nos campos desportivos e na caça submarina; viajaram pelo mundo; caçaram nos diversos quadrantes; hospedaram-se nos melhores hoteis das grandes capitais; foram convidados de personalidades famosas; proferiram palestras nos melhores clubes internacionais de caçadores; namoraram as mais lindas raparigas; tiveram os melhores automóveis da cidade!
Eles têm aptidões natas muito iguais, produto de uma vida paralela que os levou a todos esses famosos locais de Moçambique onde a fauna terrestre e marinha os atraiu e os tornou apaixonados profissionais da caça turística! Ao longo da vida conservam a velha amizade que os une desde miúdos e, já com a idade algo avançada, ambos voltaram, quase três décadas depois, à sua terra natal, para de novo encetarem um trabalho que revigore a sua grande paixão!
A célebre dupla de caçadores (Amadeu Peixe ao centro e Rui Quadros à direita), em Dezembro de 2002, posam numa foto com o autor (à esquerda), junto da lagoa artificial do projectado parque de caça em Marracuene, que o Rui Quadros dirige.
O Rui Quadros efectuou, ao longo da sua carreira, mais de 800 safaris de caça, quer em Moçambique, quer mais tarde noutros países africanos, nomeadamente A. do Sul, Angola, Gabão, Namíbia, Botswana, Zambia, Sudão e Camarões.
As mudanças políticas em Moçambique resultantes da sua independência, motivaram a suspensão da indústria dos safaris de caça neste novo país em 1975. A maioria dos caçadores guias procurou outros países africanos onde continuaram as suas actividades. A África do Sul, pela sua vizinhança com Moçambique e por ter excelentes condições para a caça, atraiu alguns desses profissionais. O Rui foi um deles, tendo desenvolvido um interessante projecto turístico, de caça e foto-safaris, numa concessão junto das reservas de caça do Unfolosi e Hluhluwe. Nesta Game Farm ele conheceu um novo período de sucessos sobretudo pelas caçadas aos rinocerontes brancos, uma das espécies da fauna africana mais raras e mais desejadas pelos caçadores turistas e que sómente na África do Sul poderia ser abatida porque era ali criada em reservas privadas e por estas vendidas aos promotores de safaris justamente para serem objecto de abate. Tornou-se assim um dos raros caçadores moçambicanos que averbaram no seu palmarés os "Big Five" (Elefante, Leão, Leopardo, Búfalo e Rinoceronte), assim designados por famosos caçadores da África anglófona e que ainda hoje constituem o sonho dos coleccionadores de troféus da fauna bravia deste continente.
A conhecida composição dos animais que representam os cinco grandes africanos
O Rui Quadros junto do maior dos "Big Five" (Elefante)
que abateu com um dos seus clientes em Moçambique, nos anos 60
Com um cliente, junto de um leão, troféu dos mais desejados pelos caçadores
Sendo embora o mais pequeno, o leopardo é o mais difícil e mais perigoso
dos animais dos "Big Five".
O Rui foi considerado dos caçadores mais exímios na caça desta espécie em Moçambique
O mais raro animal abatido em África - o Rinoceronte! Na época (década de 70)
só a África do Sul autorizava a sua caça e o Rui Quadros proporcionou belos exemplares,
como este (rinoceronte branco), aos seus clientes!
O agravamento da instabilidade política na África do Sul, nos primeiros anos da década de 80, devido à acção do ANC (Congresso Nacional Africano) de Nelson Mandela, acabaria por afectar também a indústria dos safaris de caça neste território. O Rui Quadros viu-se forçado a abandonar a sua organização, com prejuízos avultados. Manteve-se, contudo, activo como guia de caça e promotor de safaris, em territórios como Angola, Namíbia, Botswana, Zambia, Sudão e Camarões. Em cada um destes países os sucessos sucederam-se proporcionando aos seus clientes fabulosas caçadas e troféus dos animais mais representativos de cada região.
Manteve-se assim até à década de 90 e só os problemas internos, que de uma forma geral atingiram os países africanos e particularmente aqueles por onde andou, o afastaram definitivamente da sua apaixonada profissão.
Rumou para o Brasil, mas este grande país não possui a grande fauna que faz parte da sua paixão e à volta da qual desenvolveu desde novo a sua forma de vida. Muitos amigos à sua volta e constantes sucessos nos standes de tiro não o entusiasmaram a criar raízes neste grande país que tão bem recebeu muitos milhares de portugueses idos de Angola e Moçambique por altura da descolonização destes territórios.
Estava em moda, na altura, criar parques ou coutadas de caça, tanto na Europa como na América e o Rui virou-se para o país de origem dos seus progenitores. Em meados da década de 90 envolveu-se num projecto de uma coutada em Portugal, na região do Alentejo, onde outras experiências estavam em curso.
Também aqui, depois de alguns anos de muito trabalho e investimento, os resultados não foram famosos e acabaria por desistir.
Em Janeiro de 2000, vinte e seis anos depois de ter deixado a sua terra natal, o Rui Quadros regressou a Moçambique, levando consigo a esperança de voltar às actividades dos seus tempos áureos. Só que durante este lapso de tempo muita coisa aconteceu no país que alterou radicalmente toda a actividade da caça e da indústria dos safaris. Em primeiro lugar desapareceram os grandes núcleos de animais selvagens que tornaram Moçambique um dos países africanos mais importantes como atractivo dos caçadores turistas. Marromeu, Gorongosa, Chemba, Sena, Búzi, Save, Alto Limpopo e Tete, onde se localizavam as principais coutadas oficiais, parques e reservas, foram alvo de chacinas implacáveis durante a guerra civil de 1977 a 1992. Em algumas dessas regiões desapareceram completamente as principais espécies bravias de interesse cinegético.
Quando as autoridades moçambicanas se recompuserem do colapso dessa guerra, decorriam já dois anos depois do acordo de paz. Era tarde para se tomarem medidas pois nesses dois anos (1992/1994), a anarquia foi tal que os actos de vandalismo nos parques, reservas e coutadas foi ainda maior que o decorrente no período da guerra colonial e da guerra civil (1964/1992).
Retomadas as actividades cinegéticas, em meados da década de 90, os promotores de safaris defrontaram-se com a falta de animais e na maioria dos casos resultaram em autêntico fracasso as tentativas de recomeçar esta actividade nas coutadas que outrora foram famosas em quantidade e variedade de espécies. Por outro lado, desapareceram todas as infraestruturas que eram suporte dessa actividade.
Retomadas as actividades cinegéticas, em meados da década de 90, os promotores de safaris defrontaram-se com a falta de animais e na maioria dos casos resultaram em autêntico fracasso as tentativas de recomeçar esta actividade nas coutadas que outrora foram famosas em quantidade e variedade de espécies. Por outro lado, desapareceram todas as infraestruturas que eram suporte dessa actividade.
Os novos exploradores desta indústria improvisaram o mais que puderam as suas concessões e a credibilidade dos safaris em Moçambique deixou muito a desejar, comparada com a fama que em tempos passados alcançou em todo o mundo.
A situação encontrada pelo Rui Quadros não lhe dava alternativa para um recomeço auspicioso e por mais tentativas que tenha feito não encontrou condições para voltar a exercer a sua apaixonada profissão.
Em Novembro de 2002 ali o fui encontrar, algo desengonçado pelo peso da idade, mas firme nos seus propósitos e muito entusiasmado num projecto de um parque de animais, mesmo às portas de Maputo. Um trabalho em que anda envolvido há mais de um ano e que se localiza em Marracuene, a 30 Km da capital, onde tudo está a ser feito de raiz: lagoas artificiais, vedações apropriadas, acessos, condutas de energia e acampamentos. Seguir-se-á a introdução dos animais a importar da vizinha África do Sul. Só uma vontade férrea e os conhecimentos profundos que ele tem poderão tornar possível este projecto cuja viabilidade económica talvez seja duvidosa mas que o investidor, o português Júlio Bonneville, acredita plenamente, na medida em que, segundo nos afirmou, conhece bem a capacidade de organização do Rui já revelada em projectos idênticos na África do Sul e em Portugal.
Um pequeno grupo de naturais e ex-residentes em Inhambane confraternizou em Maputo, em finais de Novembro de 2002
Da esquerda para a direita: o autor; Maria Júlia Barbosa (Bebé); Rui Nogueira;
Maria Virgínia Carvalho (Gina); Inês Guerreiro Leitão e Rui Quadros.
Um pequeno grupo de amigos num almoço em Maputo, em Janeiro de 2003,
na véspera do regresso a Portugal do autor (ao fundo). O Rui Quadros é o segundo da direita.
Marrabenta, Abril de 2003
Celestino Gonçalves