29 October 2015

162 - CHICO MAGALHÃES (1936-2015) - A MINHA HOMENAGEM




FRANCISCO MAGALHÃES (CHICO)
(1936-2015)


1 -  A MINHA HOMENAGEM

Faleceu ontem, de doença súbita, na sua residência em Fortaleza - Brasil, Francisco Barradas de Sousa Magalhães, o simpático e popular  Chico Magalhães, nascido em Vila Pery onde viveu até 1976, altura em que se ausentou do país devido à situação de insegurança que então reinava e o afectou pessoalmente. 
Tratando-se de um dos meus melhores amigos de sempre, a emoção causada pela notícia há pouco recebida deixou-me profundamente chocado e  incapacitado de alinhavar as palavras certas que queria  dedicar à sua memória, numa singela homenagem a este velho companheiro que conheci em 1963 e que ao longo de mais de 5 décadas nos mantivemos sempre em contacto apesar de vivermos em continentes diferentes. Recorro às crónicas que sobre ele escrevi e publiquei nas redes sociais, onde se encontram referências  que ajudarão a compreender  o que me vai na alma neste momento de grande tristeza.
Fica aqui o meu adeus ao grande amigo, desejando que esta sua última viagem  traga à sua Alma a paz eterna que bem merece.
Fica, também, uma palavra  de conforto e coragem para os seus filhos Rui e João, bem como para a querida amiga Teresa, que foi a fiel e dedicada companheira do Chico depois da perda  da sua extremosa esposa Fernanda, mãe dos seus filhos.
A estes entes queridos, a seu  irmão João (John) e a seus tios e primos, endereço as mais sentidas condolências, minhas e de minha mulher. 
Paz à sua Alma! 

Amor-Leiria, 29 de Maio de 2015
Celestino Gonçalves



2 - RECORDANDO ALGUNS MOMENTOS DAS SUAS DUAS ÚLTIMAS VISITAS


Depois das visitas que nos fez em anos anteriores, repetiu em 2012 e 2014
 e já tinha programado voltar em 2016.  Era sempre voluntário para as tarefas caseiras e...não só!

Na minha aldeia  o Chico  fez questão de conhecer a lenda do rei D. Diniz, 
segundo a qual
a terra se chama Amor. Na foto ele está junto do mural alusivo à lenda. 


Em 2014, ambos a preparar o churrasco

Festejando o aniversário da Teresa na nossa casa

Chico e Teresa brindam com muita ternura e carinho

Um passeio com a família à Ericeira


Sempre com a sua inseparável Canon




3 - O QUE ESCREVI ACERCA DO CHICO NO ANO 2000 (*)


ÁLBUM DE RECORDAÇÕES
- 1 -
FRANCISCO MAGALHÃES 
(XICO) 


  Francisco Magalhães, (Xico), com um belo exemplar de Palapala (Hippotragus niger), abatido em 1965 no tando do Suzano, 
perto do rio Tôa, afluente do Revuè, na Província de Manica e Sofala – Moçambique.


Nascido em Moçambique, em 1936, desde criança que o Xico se habituou a conviver com a natureza e logo se apaixonou pela caça. Seu pai foi chefe de posto administrativo e viveu em regiões das mais famosas em fauna bravia, como Marromeu, Lacerdónia, Inhaminga, Gorongosa, Vila Machado e por último Vila Pery, actual Chimoio.

Caçador desportista por excelência, estudioso e apaixonado pelos problemas da fauna bravia, depressa despertou a minha atenção após a chegada a Vila Pery no início de 1963. Para além da caça tinha ainda outra grande paixão: a fotografia ! Raramente se encontravam, no seio dos caçadores, indivíduos com estes atributos !

O Xico era um profissional do ramo da electricidade, com formação superior obtida na África do Sul. Esta sua actividade contribuiu também para a nossa aproximação: elaborou e executou projectos de electrificação para o Parque Nacional da Gorongosa, - a cuja administração estive ligado nessa altura - e também para o Posto de Fiscalização de Caça de Vila Pery.

Conhecedor das áreas de caça da região e do seu potencial faunístico, foi o meu melhor colaborador na identificação das mesmas, quer elaborando mapas e gráficos, quer acompanhando-me nas deslocações, sobretudo quando havia operações de controle de animais em defesa de pessoas e bens, muito frequentes naquela zona central de Moçambique.

No escritório-laboratório da residência da família Magalhães – uma das melhores da cidade - passámos muitas horas ao serão, revelando filmes e fazendo fotos e mapas ilustrados com desenhos dos animais típicos das respectivas áreas. Muitos destes trabalhos foram oficializados e alguns deles ainda estão em uso, nomeadamente os respeitantes aos Parques Nacionais, Reservas e Coutadas. O Xico era perito nestes trabalhos e executava-os com grande satisfação, nunca tendo cobrado por eles qualquer importância !

Dizia-me que a melhor recompensa que podia receber era a nossa confiança e o reconhecimento das suas virtudes como caçador desportista, respeitador das leis da caça e simultaneamente como conservador da fauna bravia. Não tive pois qualquer dúvida em lhe facultar a realização de alguns dos seus sonhos, integrando-o muitas vezes nos meus trabalhos de controle de animais de grande porte, nomeadamente de elefantes, quando em defesa de pessoas e bens. Foi um dos raros caçadores estranhos aos Serviços da Fauna a quem facultei semelhante participação, durante a minha actividade e a sua preciosa ajuda revelou-se sempre muito útil e confirmou o seu valor como caçador.


O  Xico com o autor junto de um elefante problemático abatido durante uma 
operação de protecção  às culturas dos naturais das povoações a 
Noroeste do Parque Nacional da Gorongosa, na década de 60 
(foto extraída do livro “African Trails”)

Publicou em 1996 um interessante livro, em inglês, sobre as suas aventuras como caçador, com o título “African Trails”, descrevendo ali algumas experiências sobre a sua participação naquelas brigadas. Está a preparar a edição em português.

Saiu de Moçambique em 1976, em circunstâncias que muito o traumatizaram e que deixou transparecer naquele mesmo livro.


 Imagem da capa do livro “AFRICAN TRAILS”

Vive há largos anos no Brasil, provavelmente sonhando com a sua terra natal e com os belos momentos que ali passou nas caçadas que tanto o emocionavam! Pela admiração e respeito que sempre me mereceu e pela amizade recíproca que ao longo dos anos temos mantido, o primeiro lugar neste álbum dificilmente poderia ser ocupado por outro !


Voltarei, em local diferente, a falar do Xico e de seus saudosos pais.
(*) - Álbum nº 1 da série "ÁLBUM DE RECORDAÇÕES" do meu site

NOTA A POSTERIORI
O servidor "Geocities" deixou de estar activo a partir de 2008, tendo sido republicados todos os posts ali inseridos neste Blog, a partir de 2007.






4- VOLTANDO A FALAR DO CHICO E DA FAMÍLIA


Volvidos oito anos após aquela publicação, a promessa de voltar a falar do Xico e de seus saudosos pais cumpre-se agora. Faço-o com satisfação redobrada porque ao longo destes anos recebi imensas mensagens de amigos comuns para saberem notícias dele, alguns antigos colegas de escola que sem dúvida vão gostar de ter mais informações. E porque já visitei o Xico na sua terra de adopção, o Brasil, em 2006, em retribuição de três visitas que dele recebi aqui em Portugal, tenho motivos adicionais para enriquecer a pequena biografia que abriu os "Álbuns de Recordações" do meu site no ano 2000.

Voltando aos tempos de Vila Pery para descrever a família Magalhães (casal e dois filhos), queria dizer que este clã desfrutava de grande simpatia da parte da população da bela cidade do planalto de Chimoio, em cujo meio se encontrava radicado desde o início da década de 30 (o Xico nasceu lá em 1936).


O patriarca, António Correia de Sousa Magalhães (conhecido por "Magalhães Careca"), descendente de uma antiga família cuja árvore genealógica revela ligação à irmã do navegador português Fernão de Magalhães, foi para Moçambique depois de ter feito os seus estudos para oficial da Marinha nos anos em que algumas figuras conhecidas, como o antigo presidente da república Almirante Américo Tomaz, igualmente fizeram tal formação. Seguiu contudo a carreira administrativa como chefe de posto da Companhia de Moçambique, mas quando esta majestática foi integrada no Estado, em 1941, ele abandonou a carreira e fixou-se em Vila Pery (então uma pequena vila) para se dedicar à indústria de madeiras, construção civil e outras actividades imobiliárias. Um dos seus melhores negócios (assim o dizia), foi a compra da fazenda "Mandigos", que inicialmente pertencera aos caminhos de ferro de Moçambique e depois aos irmãos Fernandes até chegar às suas mãos. Uma propriedade de grandes dimensões situada na parte sul da vila e dividida desta apenas pela estrada Beira-Rodésia, que adquiriu justamente por antever o desenvolvimento da futura cidade capital do Chimoio e a sua importância como área de expansão da mesma.

O sucesso das suas empresas depressa o tornaram uma figura bem conhecida e admirada não só na vila mas ao nível da província de Manica e Sofala que abrangia praticamente todo o centro de Moçambique (entre os rios Save e Zambeze), cuja capital era a cidade da Beira, a segunda maior do território. O desenvolvimento da pequena vila dos anos 40, transformada numa airosa e bonita cidade nos anos 50, muito se ficou a dever ao dinamismo e colaboração deste velho colono, que através de parcelamentos sucessivos e adequados permitiu a criação da zona industrial, aerodromo, campo de futebol, feira de exposições agro-pecuárias, laboratório de investigação veterinária e pequenas quintas para agricultura e habitação. Parte dessas parcelas, nomeadamente as de benefício público como o aeródromo, feira, campo de futebol e laboratório veterinário, foram por ele oferecidas ao Estado.


O maior e mais belo conjunto arquitectónico da cidade, constituído pelo prédio e cinema Montalto, construído no centro e com frente para as duas principais avenidas, integrou, para além de uma moderna sala de espectáculos, um espaçoso café, lojas, escritórios e apartamentos de habitação. Foi um dos mais arrojados projectos por si encabeçados, de parceria com outros dois bem conhecidos empresários da época, Engº Jaime Guedes (construtor civil e empreiteiro de estradas) e Jorge de Abreu (da Somocine e Hoteis Tivoli e Turismo de Lourenço Marques). A empresa que formaram - Sociedade de Construções Montalto - daria assim o nome a este complexo e ao próprio cinema que ainda hoje é a única sala de espectáculos da cidade.

Mas a empresa que lhe terá dado mais sucessos, em termos financeiros, era a LICA - Luso Industrial Comercial e Agrícola, Lda, que comercializava internamente e exportava as ricas madeiras de Moçambique, preparadas nas duas serrações que possuía em Gondola e Inhamacoa. Este negócio, considerado dos mais rendosos no território, levava o velho Magalhães a deslocar-se com frequência ao estrangeiro, o que lhe dava a oportunidade de conhecer muitos países de todos os quadrantes e o tornava uma pessoa bem informada e esclarecida com quem dava gosto conversar.

A matriarca, D. Rosalina Barradas, de uma família com vários elementos igualmente radicados em Vila Pery, há muitos anos, tornara-se uma das principais damas da sociedade local, tanto pelo estatuto do próprio marido como pela simpatia que irradiava e pela sua acção benemérita junto dos mais desfavorecidos.

Boa esposa, boa mãe, boa amiga e maravilhosa anfitriã, D. Rosalina tinha o seu tempo sempre ocupado, quer nas lides da casa quer nos compromissos sociais ou ainda a costurar, um hobby que muito adorava. E porque era um hobby, apenas confeccionava roupas para a família e amigas e nunca cobrava por isso qualquer importância!A casa da família, construída num vasto talhão na parte sul da cidade, não muito longe do centro, era das melhores vivendas de Vila Pery e estava discretamente protegida por muros periféricos com grades metálicas cobertas por espessas sebes de buganvílias e lantanas sempre bem aparadas. De piso térreo e arquitectura moderna ao estilo das moradias dos bairros chiques das cidades da África do Sul e da Rodésia, compunha-se de dois corpos unidos e em sentidos opostos. O interior, de divisões espaçosas e bem arejadas, era dotado de amplas portadas e janelas envidraçadas. No exterior e ao fundo do quintal, alinhavam-se os anexos de apoio constituídos por uma ampla garagem, escritório, dependência de empregados e estúdio fotográfico. Na parte da frente e à direita da casa estava um pequeno e airoso challet destinado aos trabalhos de costura de D. Rosalina, uma autêntica sala de visitas onde ela recebia e tomava chá com as amigas. Mais tarde o Xico construiu um pavilhão anexo à garagem onde instalou uma escola de judo, outra das suas grandes paixões e que alcançou grande sucesso na cidade, chegando a ter mais de três dezenas de praticantes!

Tudo naquela casa espelhava o bom gosto de D. Rosalina! A sala comum, requintadamente equipada com móveis das melhores madeiras, onde se destacava uma enorme mesa para as refeições (nota evidente do espírito de bem receber desta família), era o espaço onde os Magalhães se orgulhavam de receber as suas inúmeras visitas, muitas delas partilhavam das suas refeições mesmo que chegassem em cima da hora. Contígua a esta sala, entre a cozinha e a ala dos quartos, havia a sala de música onde o Xico muitas vezes ao serão deliciava a família e os amigos tocando ao piano as músicas mais em voga na época e também alguns clássicos que bem dominava. Ele ainda agora recorda com muito orgulho que foi o primeiro pianista do conjunto dos irmãos Muge, célebre em Moçambique na década de 60!

Os quadros, as molduras com fotos de família, os bibelôs, a tapeçaria e os arranjos de flores sempre viçosas, tudo disposto nos lugares adequados, condiziam igualmente com o ambiente sóbrio e funcional da casa. Na grande cozinha, as flores eram substituídas por vários cestos repletos de boa fruta tropical da região do planalto, dispostos ao longo das bancadas de mármores que ladeavam as paredes.

O quarto do Xico, o terceiro do fim da ala respectiva, era uma autêntica suite, espaçoso, com banheiro privativo e uma salinha de entrada, tornando-o assim independente mesmo para receber visitas. Estava decorado discretamente com motivos de caça, fotografias artísticas, quadros e outros objectos da sua autoria. Numa vitrine encontravam-se dos melhores livros e álbuns sobre a caça, vida selvagem, fotografia, judo e música, as suas paixões e hobbys predilectos. E num armeiro especial, a um canto da salinha, estava o património pessoal de que mais se orgulhava, que era o arsenal de armas de caça próprias para abate de todo o tipo de animais, incluindo elefantes, bem polidas e oleadas e que faziam inveja a qualquer caçador profissional afamado. Cada uma destas espingardas tinha a sua história, que ele contava com o entusiasmo próprio dos caçadores, sobretudo quando referia os seus sucessos nas caçadas aos búfalos, a espécie que o fez viver emocionantes aventuras e que tão bem relatou no seu livro "Afican Trails".


Aquele belo apartamento integrado na casa dos Magalhães fora concebido e mobilado para os dois filhos do casal, mas o João, o mais novo, só o utilizava quando ali ia de férias, visto que, ao contrário do Xico que regressou da África do Sul após os estudos, ficou em Johannesburg a trabalhar na IBM depois de concluída a formação em engenharia de sistemas de computadores. O John, como era (e ainda é) conhecido, viria a adquirir uma elevada craveira técnica dentro da IBM, acabando por ser requisitado pelas grandes empresas deste grupo sedeadas no Canadá, onde se radicou há mais de vinte anos e desempenha altos cargos como conselheiro, gerente de sistemas, vice presidente e consultor sénior da Logitek (Toronto) e director do grupo DMR (Ottawa).

Durante os seis anos que residi em Vila Pery (1963/1968), fui frequentador assíduo da casa dos Magalhães, graças à amizade enraizada com o Xico que me facultava o seu pequeno mundo onde me sentia bem justamente pelo muito de comum que tínhamos, nomeadamente na área da fotografia que ele tão bem dominava e que também era um dos meus hobbys preferidos. No seu bem apetrechado estúdio passámos imensos serões, revelando filmes, fazendo fotos e trabalhando-as nas mais diversas formas, o que me permitiu aumentar os conhecimentos que já tinha nesta matéria.

Mas o calor humano que ali se respirava era sem dúvida o factor máximo que me dava o à-vontade e o prazer de conviver com esta família, cujo patriarca me tratava carinhosamente por poeta (alusão ao facto de usar o cabelo comprido) e com quem muito aprendi porque era um bom conversador, senhor de uma invulgar bagagem geral de conhecimentos e com grande experiência de vida em Moçambique. Era também um acérrimo crítico à governação colonial e um fervoroso adepto de uma independência baseada nos princípios democráticos, sem quaisquer barreiras de caris rácico ou religioso.

O Xico, que entretanto (1973) constituíra família casando com a simpática Fernanda, filha de um funcionário da Textáfrica (a grande fábrica de tecidos instalada no início da década de 60 nos subúrbios de Vila Pery e que muito contribuiu para o grande desenvolvimento da cidade), mudara-se para uma casa que o pai lhe oferecera como prenda da casamento, situada junto das pistas do aeródromo e integrada numa parcela de terreno com 14 hectares. Ali iniciou um projecto agro-pecuário (cultivo de forragens e criação de ovelhas), mais um dos seus planos para rentabilizar os vastos terrenos da família.

Os sonhos desta família começaram a desvanecer-se com o falecimento súbito, em 1973, do pai Magalhães e ruíram completamente com as transformações políticas operadas em Moçambique após a independência, em 1975.

Tudo se complicou com as medidas tomadas pelas novas autoridades, que decretaram, em 2 de Fevereiro de 1976, a nacionalização dos bens de rendimento como prédios, terrenos, ou qualquer bem imóvel com excepção da própria casa de habitação. A família Magalhães perdeu praticamente tudo, um verdadeiro império comercial, industrial, agrícola e imobiliário!

Entretanto o Xico já havia sido privado de todas as suas espingardas de caça, recolhidas pela polícia como medida de segurança própria de quem vinha de uma guerra e receava complicações que alterassem o processo de descolonização em curso. Uma medida que foi acompanhada com a proibição do exercício da caça, aquilo que ele mais gostava fazer nos tempos livres!

A população portuguesa, desprotegida face à retirada das tropas e de todas as forças de segurança do regime colonial, iniciou a debandada logo após o acordo de Luzaka ente a Frelimo e o governo português, em 7 de Setembro de 1974. Muitos daqueles que insistiram manter-se após a independência em 25 de Junho do ano seguinte, viram-se a braços com imensas dificuldades, muitas vezes pelo exagero na actuação dos agentes de autoridade do novo poder da Frelimo. Um pequeno problema era transformado em grande conflito lesa pátria e o Xico acabou por ter o primeiro, relacionado com duas granadas que a polícia portuguesa lhe entregou anos antes, destinadas ao encarregado de uma das serrações da família para defesa das instalações que já haviam sido atacadas por grupos de guerrilheiros. O Xico nunca entregou essas granadas e guardou-as na sua casa acabando por se esquecer delas até que uma busca inesperada da polícia as detectou. Foi preso e viu-se envolvido num processo que acabou por ter um desfecho feliz graças à boa reputação que desfrutava entre a população negra local. Esteve eminente a sua expulsão de Moçambique com a aplicação da célebre sentença conhecida pelo 24/20, que era aplicada a torto e a direito e que dava aos "réus" 24 horas para sair de Moçambique e o direito a levar 20 quilos de bagagem!

Um novo caso surgiu, tempos depois e ditou o fim das suas aspirações e do resto da família, incluindo da mãe que, na altura, Fevereiro de 1976, se preparava para regressar da África do Sul onde fora visitar o John.
Uma velha espingarda de 1840, da antiga colecção do Xico, legalizada como arma de panóplia, incapaz de dar tiros há mais de cem anos e que ficara na casa dos pais dependurada na parede do escritório junto de alguns troféus de caça, foi o objecto do "crime" que levou ao novo conflito com as autoridades.

A feliz coincidência da ida do Xico com a família (esposa e o filho, Rui, de 2 anos) à Rodésia, para receber a mãe no aeroporto de Salisbury, evitou a sua prisão que esteve eminente poucas horas depois de ter saído de Vila Pery. Uma denúncia de que ele mantinha armas em casa levou a polícia da Frelimo a fazer uma busca ao local certo, onde recolheram a velha espingarda. De seguida dirigiram-se à sua residência para o deterem e como não estava foram ao cinema onde normalmente trabalhava como encarregado da cabine de projecção. Interromperam a sessão que estava a decorrer, num aparato como se procurassem um perigoso bandido. Vasculharam praticamente todos os locais da cidade que ele habitualmente frequentava e no hotel Atlântida chegaram a fazer buscas no interior do forno industrial da respectiva cozinha!

A cunhada Edite (irmã da esposa), ainda a residir em Vila Pery, avisou-o por telefone do que se estava a passar. O Xico e família não voltaram à sua terra abdicando assim de todos os seus bens em troca de liberdade. Ficaram na Rodésia, acolhidos pela cunhada Filomena (outra irmã da Fernanda) e marido que na altura trabalhava em Salisbury. A D. Rosalina, também avisada a tempo, já não viajou e disse adeus, para sempre, à sua bela casa, aos seus bens, à sua querida terra de Moçambique!

O casal ficou cerca de um ano e meio na Rodésia, onde a situação era crítica dado que o governo de Ian Smith, que anos antes declarara independência unilateral desligando-se da Inglaterra, era alvo não só de fortes sanções económicas como de resistência armada por parte do movimento de Robert Mugabe, o nacionalista que levou o território à independência em 1980 com o nome de Zimbabwe e que ainda hoje é o presidente do país, não obstante a pressão que está a sofrer pela oposição através de eleições que decorrem no momento em que escrevo este texto.

Durante esse tempo o Xico trabalhou primeiro nos caminhos de ferro rodesianos, em Bulawayo, operando no ramo da electricidade e depois na polícia de reserva. Esta última actividade foi-lhe imposta pelas forças armadas e era uma obrigação que abrangia todos os estrangeiros ali residentes precisamente para participarem no combate à guerrilha. Andou sete meses a expor-se aos perigos que eram cada vez maiores à medida que o tempo passava e isso o levou a deixarem a Rodésia em Julho de 1978. Entretanto, em 1977, a família ficou aumentada com o nascimento do segundo filho, o João Carlos!

Depois de uma breve estadia em Portugal, seguiram para o Brasil onde já se encontravam há mais de um ano, na cidade de Recife, a cunhada Filomena e marido que também haviam deixado a Rodésia pouco depois da chegada ali do Xico e família. E foi este casal que lhes deu apoio nos primeiros tempos, inclusive para o primeiro emprego do Xico numa fábrica de linhas como responsável de manutenção de máquinas.

Finalmente encontraram a paz e estabilidade naquele admirável país que tão bem soube acolher muitos milhares de portugueses regressados das colónias portuguesas que se tornam independentes em 1975, nomeadamente Angola e Moçambique.

Entretanto, D. Rosalina fixara-se com o John no Canadá, onde veio a falecer em 1987 após doença prolongada, o que constituiu mais um acontecimento que abalou profundamente os seus dois filhos.
D. Rosalina com os seus dois filhos Francisco (Xico) e João (John), junto das cataratas de Niagara - Canadá, em 1986, cerca de um ano antes do seu falecimento.



5 - O CHICO NO BRASIL


Já ali radicado há cerca de dez anos, só em 1988 tive notícias dele através de uma prima, a Ana Maria, que também nascera e vivera em Vila Pery e partira com os pais para o Brasil, em 1975. A Ana Maria regressou em meados da década de oitenta a Moçambique, indo trabalhar no Ministério da Agricultura como secretária da direcção de recursos humanos do MONAP, um projecto nórdico onde curiosamente eu também estava integrado.
Foram boas as notícias sobre o Xico, que davam conta ter-se inserido e progredido no mercado de trabalho brasileiro, primeiro na cidade de Recife, até finais da década de 70 e depois em Fortaleza onde se fixou em definitivo e ainda vive actualmente num confortável e bem localizado apartamento em condomínio fechado que ali adquiriu. Reatamos assim os nossos contactos, trocando correspondência que avivou a velha amizade e conduziu ao nosso reencontro quando nos visitou com a família na nossa casa de Amor, em 1994!Posteriormente, em 1996, voltou a visitar-nos ainda acompanhado da família, mas esta seria a última com a sua adorada esposa, visto que a Fernanda falecera em fins de 1999, vítima de grave e incurável doença. Mais uma tragédia na vida do Xico, que só chegou ao meu conhecimento depois da publicação do Álbum de Recordações do meu site, em Fevereiro de 2000. Não foi, por isso mesmo, referenciado este infeliz acontecimento na breve biografia que sobre ele ali publiquei.

Tal desenlace mudou radicalmente a vida do Xico, que ao longo de vinte anos havia reconstruído o seu lar em terras do Brasil e de algum modo atenuado o desgosto pelo que passaram e perderam em Moçambique. A perda da esposa abalou-o profundamente e só recentemente, graças ao seu abnegado espírito de luta contra as adversidades, conseguiu recuperar a moral que ficara profundamente abalada. Contou com a ajuda dos filhos e da Teresa, uma simpática cearense que tem um monte de virtudes que o encantaram para sua companheira.

Também se reabilitou profissionalmente já que na fase crítica da doença da Fernanda se viu forçado a suspender o seu emprego. Começou por concluir os estudos na área de engenharia industrial, obtendo a respectiva licenciatura, o que lhe permitiu actuar individualmente executando projectos de formação profissional desta mesma área. Por outro lado, obteve do Estado brasileiro a aposentação relativa aos vinte anos de trabalho em Recife e Fortaleza.
Entretanto, no Verão de 2003 , visitou-nos de novo, agora sozinho, aproveitando uma das suas habituais visitas que faz aos tios e primos que vivem no Porto. Proporcionei-lhe aqui o encontro com outro velho e comum amigo, o Dr. Armando Rosinha, antigo director dos serviços de fauna bravia de Moçambique e que também foi administrador (por acumulação) do Parque Nacional da Gorongosa nos tempos em que o Xico ali colaborava.

Finalmente, concretizei a promessa que há vários anos vinha fazendo ao Xico de o visitar na sua nova terra. Esta decisão foi encorajada também porque quis fazer uma surpresa a minha mulher que era festejarmos as nossas bodas de ouro de casados no Brasil!

Arrumei com antecedência as passagens e anunciei ao Xico as datas de chegada e regresso e confidenciei-lhe os planos. Em casa deixei correr o tempo e obtive a cumplicidade de uma sobrinha, por sinal costureira, que convenceu a tia a renovar o seu guarda-roupa já a pensar na próxima viagem a Moçambique, programada para o fim do Verão. Quase em cima da data de embarque entreguei-lhe um embrulho muito bonito com os bilhetes!

Chegamos a Fortaleza ao fim da tarde do dia 10 de Março de 2006, viajando através de um pacote turístico de uma semana, com instalação num hotel situado na avenida marginal onde se realiza a célebre feira de artesanato nocturna durante todos os dias do ano.

Penso que a reacção que tivemos ao pisar terra brasileira não foi muito diferente da de todos os portugueses que visitam este maravilhoso país! De tanto ouvirmos falar dele, de tantas telenovelas que ao longo de décadas nos entraram em casa e de conhecermos a sua história como colónia portuguesa, até parece que estamos em casa. Ficámos extasiados perante a beleza daquela cidade, a quinta maior do Brasil em termos de população!

O casal (Xico e Teresa) lá estava no aeroporto e foi no seu carro que seguimos para o Hotel, um percurso de dezassete quilómetros sempre dentro da cidade e a uma hora de ponta que ali, naquele burgo de quase três milhões de habitantes, é coisa séria face ao mar de carros que circulam nas ruas e avenidas a perder de vista!

Impunha-se, à chegada ao hotel, um banho reparador para aliviar do cansaço da viagem e a troca de roupa por coisas mais leves visto que estávamos num clima tropical que é bem agressivo durante o dia (a média anual é de vinte e seis graus mas estávamos no período mais quente do ano, acima dos trinta) e que à noite raramente baixa dos vinte! E já mais descontraídos, tiramos a primeira foto com os nossos amigos e começamos a saborear a visita com um breve passeio ali mesmo em frente do hotel, no chamado calçadão da avenida Beira Mar, onde apreciamos a famosa feira de artesanato e nos refrescamos com uns apetitosos sumos de frutos naturais!

A estadia em Fortaleza ultrapassou as nossas expectativas, não obstante a prévia preparação que fizemos lendo os sites sobre a cidade e as informações recebidas do próprio Xico. A grandiosidade e beleza arquitectónica da cidade, as imaculadas praias da região, o bom hotel onde nos instalámos, o clima quentinho tão do nosso agrado, a simpatia dos habitantes, os sabores da culinária, os bons frutos tropicais, o artesanato genuíno, etc., foram factores que tornaram a nossa estadia muito agradável e francamente inesquecível!


Mas sem o apoio e acompanhamento do casal, que todas as manhãs nos ia buscar ao hotel e nos levava a visitar os lugares mais significativos da cidade (exceptuando apenas o dia em que nos integramos no programa do pacote turístico de visita à praia de Cumbuco, situada a cerca de 40 Km), aquelas "férias" não teriam atingido tal plenitude! O Xico e a Teresa foram inexcedíveis levando-nos a conhecer não só os lugares onde o turista comum normalmente vai, mas outros mais recatados e sobretudo alguns pouco recomendados por questões de segurança como dois mercados rurais e uma favela onde melhor pudemos observar e contactar com o povo e a sua cultura. Felizmente nada nos aconteceu, talvez pela descontracção, pouca exposição e aparência de pobretanas com que nos apresentávamos!

Limitados ao tempo do pacote da viagem (8 dias e 7 noites), naturalmente que não pudemos visitar todos os pólos turísticos da cidade e arredores, como desejaríamos. Eram precisos muitos mais dias. Mesmo assim, aproveitamos bem esse tempo graças aos conhecimentos e eficácia dos nossos cicerones e ao genuíno Chevrollet do Xico, que só fracassou por momentos quando desabou sobre Fortaleza uma daquelas chuvadas tropicais que nós bem conhecemos de Moçambique e que afectou a parte eléctrica!





Visitamos locais típicos da cidade , como o Porto de Mar de Mucuripe; o mercado dos pescadores onde se vende o peixe e mariscos frescos vindos diariamente do mar; o mercado central da cidade, de quatro pisos, onde fervilha uma enorme multidão de gente ; o rio e parque do Cocó, muito belos; alguns bares e restaurantes da cidade e da avenida Beira Mar, onde saboreamos a boa comida nordestina: as praias de Meireles e Iracema, que são a bandeira da cidade; o novo e mega centro comercial onde os restaurantes fornecem a comida mais barata da cidade (que bela feijoada lá comi!); a zona colonial, toda ela bem conservada e vocacionada para o comércio em pequenas lojas muito frequentadas pela população e turistas; o castiço bar do capitão Mostarda, onde se bebe cerveja a rodos; o famoso Pirata, na praia de Iracema, onde passamos uma maravilhosa noite assistindo ao maior espectáculo de forró do Brasil; a praia de Cumbuco, uma das mais belas da região, onde comemos a melhor picanha na aldeia Brasil; a catedral de S. José; etc., etc.

Esta foto, tirada com o Pirata na sua famosa casa de Forró de Fortaleza, deveu-se ao facto do Xico e os filhos terem relações de amizade com este português de sucesso!


A excursão à praia de Cumbuco foi muito curiosa porque nos permitiu observar ao longo dos 40 Km do percurso uma paisagem muito igual à do litoral do norte de Moçambique e toda uma sequência de aglomerados populacionais onde é bem notória, pelo aspecto das construções, a diferença de nível de vida dos brasileiros: belos challets, isolados mas bem protegidos com muros altos e com grades electrificadas, misturam-se com pequenas e modestas casas! Aqui e ali aparecem urbanizações onde prevalecem os condomínios fechados, igualmente protegidos com muros e redes electrificadas!

Não obstante a roda viva em que os nossos amigos andaram para nos mostrarem o mais possível da sua cidade, eles excederam-se como anfitriães recebendo-nos e oferecendo-nos na sua casa excelentes refeições tipicamente nordestinas!

A primeira vez coube ao Xico a confecção da refeição, uma novidade para nós: badejo no forno, um belo manjar que muito apreciamos! A segunda foi a Teresa a cozinheira: um belíssimo caril (lá não chamam caril) de camarão, que não ficou a trás do melhor da tradição moçambicana!


O calor humano não se esgotou no Xico, Teresa e João. Os simpáticos cunhados do Xico, a Edite e o António, que igualmente vivem e estão solidamente enraizados em Fortaleza, também nos acolheram na sua casa, um belo apartamento num moderno edifício em condomínio fechado no centro da cidade, obsequiando-nos com um requintado e apetitoso almoço!






Mas o ponto alto da estadia foi o momento em que, com os nossos amigos, na catedral de S. José e junto do altar do respectivo patrono, eu e a Lurdes nos congratulamos e agradecemos o percurso de 50 anos atingido nesse dia 17 de Março! Uma breve e singela cerimónia que foi seguida de um almoço num modelar restaurante, a última e apetitosa refeição nordestina antes do regresso a Lisboa ao fim da tarde desse dia.

Lá deixámos mais uma amiga, a Teresa, a simpática cearense que nos cativou pelo carinho que nos dedicou e também pela forma como tem contribuído, como companheira do Xico, para a estabilidade emocional deste grande amigo que tem vivido um dos dramas mais intensos entre as famílias que tudo perderam na antiga colónia de Moçambique, por razões que só podem ser atribuídas aos responsáveis do governo português que aprovaram a independência de forma leviana não acautelando no respectivo Acordo (Luzaka, Setembro 1974) os interesses e a própria segurança dos portugueses lá estabelecidos!

O Xico já está curado da nostalgia e saudosismo que o perseguiram durante os primeiros anos de estadia no Brasil. Apenas mantém o sentimento de revolta contra as autoridades que o perseguiram e forçaram a sair de Moçambique pois não compreende porque razão o fizeram quando ele era uma pessoa com um passado limpo, muito estimado pela população e se considerava um elemento útil ao país, tanto para fazer formação profissional na área da sua especialidade, como para dar aulas nas escolas secundárias e institutos, ensinar música, treinar desportistas, ou, simplesmente, deixarem-no prosseguir com o seu projecto agro-pecuário que tanto o fascinava!

O Brasil conquistou-o, soube aproveitá-lo e ele agora ama-o tão intensamente como amava a sua terra natal - Vila Pery, Moçambique!



OUTRAS FOTOS DA NOSSA ESTADIA EM FORTALEZA


O almoço de despedida



As belas frutas brasileiras!


O simpático João, que muito colaborou na nossa visita! 
O irmão mais velho, o Rui, já casado, vivia na altura em S. Paulo.

Na praia de Iracema


A Teresa e o Xico, descontraídos à boa maneira afro-brasileira! 



* * *



6 - APRESENTAÇÃO DO SEU LIVRO




AFRICAN TRAILS

Ano: 1996 
Edição em inglês, esgotada
Edição em português: no prelo, Brasil



 BREVES NOTAS SOBRE O LIVRO



Este interessante livro relata a experiência do autor como caçador desportista em Moçambique durante os últimos quinze anos da administração colonial portuguesa (1960/1975). Trata-se de uma obra cuja edição foi feita em Inglaterra em circunstâncias que prejudicaram os direitos do autor, levando-o a processar a editora e em consequência disso encontram-se suspensas as vendas e as reedições em língua inglesa. Entretanto e dado o sucesso alcançado no Brasil, o autor tem já no prelo a reedição (melhorada) em português, esperando-se que sai-a em breve.

Alguns dos relatos das caçadas referem a participação do autor nos trabalhos das brigadas de controle dos animais, sobretudo elefantes, que estavam a meu cargo na província de Manica e Sofala, alguns deles na área do Parque Nacional da Gorongosa. Também revela a sua grande paixão pelo mesmo Parque com cuja administração colaborou tanto em trabalhos da sua profissão, que foram as instalações eléctricas em alguns edifícios do Chitengo e nos da Bela-Vista, como na elaboração dos mapas das picadas com desenhos dos animais mais representativos. Esses mapas, tal como um outro abrangendo toda a província, foram oficializados e vigoraram até muito recentemente.


A descrição pormenorizada que ali se faz das regiões de caça frequentadas pelo autor e do seu potencial faunístico, são um excelente contributo para os estudos que se venham a fazer nessas mesmas áreas, sobretudo para localização de algumas espécies raras que sofreram elevado desbaste durante a guerra civil que grassou no país desde 1977 a 1992.

Marrabenta, Abril de 2008


Celestino Gonçalves





23 October 2015

161 - A HOSPITALIDADE E AS PARTIDAS PAES MAMEDE





A HOSPITALIDADE E AS PARTIDAS DO
 PAES MAMEDE
 
1 - A HOSPITALIDADE

Quem alguma vez visitou ou trabalhou no Alto Limpopo, sul de Moçambique, antes da independência deste país, conheceu certamente uma das figuras mais conhecidas e carismáticas a sul do rio Save: o Orlando Paes Mamede, dono de um verdadeiro império comercial, pecuário e industrial (camionagem vocacionada para transporte de trabalhadores moçambicanos para as minas da África do Sul) daquela região, com sede em Mapai.

A povoação de Mapai era como que um oásis no centro da vasta região do Alto Limpopo, na sua quase totalidade coberta por savanas de xanato  (Colophospermum mopane)  e galerias de simbirre (Androstachys johnsonii).  É uma região semi-árida, de clima muito seco e de poucas chuvas. Tem um dos mais baixos índices de ocupação humana do país e a sua maioria localiza-se ao longo dos grandes rios, como o rio dos Elefantes, o Limpopo, o Save e o Changane.  Com estas características e de dimensões equivalentes às do território de Portugal continental, o Alto Limpopo era, na década de 50, fértil em animais bravios, em madeiras e em gado bovino de criação familiar. Ali afluíam caçadores, madeireiros e negociantes de gado e também componentes das mais diversas brigadas de estudos e pesquisas, vindos de outras regiões, nomeadamente da capital.  Grande parte destes forasteiros convergia para Mapai, em trânsito ou para ali adquirirem combustíveis e géneros alimentícios.
Nem a construção da linha ferroviária para a Rodésia do Sul (actual Zimbabwe), concluída em 1956 e que passa a cerca de 17 quilómetros, nem a criação ao longo desta de polos comerciais como a Malvérnia (actual Chicualacuala) e S. Jorge do Limpopo (actual Mapai-Estação) fez diminuir  o fluxo de pessoas para Mapai.

Por aquela povoação passavam obrigatoriamente todas as pessoas que se dirigiam ao Pafúri , já que se situa junto da única via de acesso a esta povoação, sede da Circunscrição, mais precisamente junto da margem esquerda do rio Limpopo, cuja travessia, na época, era feita de batelão. E como a distância entre as duas povoações é de cerca de cem quilómetros (desertos de vida humana), sucedia com frequência as pessoas em trânsito pernoitarem  ali devido ao cansaço de uma viagem de várias centenas de quilómetros (Lourenço Marques  - actual Maputo - fica a 500 Kms e a sede da Circunscrição mais próxima, o Guijá, a 300 Kms).
 
As infra-estruturas da povoação pertenciam na sua quase totalidade ao Paes Mamede: comércio, escritórios, oficinas, armazéns, bairro residencial, sistemas de abastecimento de água e luz, etc,. A sua residência, espaçosa e de grandes varandas de caris tipicamente colonial, ocupava um ponto estratégico e era dotada de instalações suficientes para receber simultaneamente uma boa dúzia de hóspedes sem perturbar minimamente a família anfitriã. Como não havia hotel ou simples pensão, era na sua casa que a maioria dos forasteiros se instalava a convite espontâneo e sempre cortês deste bem sucedido industrial.
Para além dos visitantes de ocasião a família Mamede recebia com frequência na sua casa de Mapai importantes individualidades dos mais diversos sectores da vida pública e privada,  do território e do estrangeiro, quando em visita oficial ou particular, assim como imensos amigos.

Uma das personalidades que caçou na região de Mapai, na década de 40, foi o primeiro Ministro da África do Sul, general Smuts (à esquerda). O Paes Mamede, seu anfitrião, está à direita nesta foto da época.

Quem teve o privilégio de conhecer esta família e disfrutar da sua hospitalidade, não esqueceu mais os bons momentos passados na sua companhia ! Uns dias vividos no Mapai eram autênticas férias só possíveis numa estância de repouso algures em África, onde as coisas bem próprias deste continente se completassem como aqui:  o ambiente e o clima do interior; a selva mesmo ao lado com os seus mistérios e perigos; os gritos das águias pesqueiras nas margens do rio; o chilrear das pequenas aves pela madrugada; os uivos e latidos das hienas e dos chacais durante a noite; as saborosas refeições à base de carnes de animais, quer selvagens quer domésticos, criados nas pastagens genuinamente naturais; as frutas, legumes e hortícolas produzidas apenas com o húmus da terra; os odores das plantas e das árvores sem poluição; o ritmo calmo das pessoas no trabalho quotidiano; o conforto das  instalações; a simpatia dos anfitriões; a delicadeza de trato do pessoal doméstico; etc,!
Era hábito da casa levantar cedo, mesmo antes do nascer do Sol ! A esta regra não podiam fugir os hóspedes que eram acordados pelo empregado que levava  o chá da manhã  aos quartos e avisava: patrão, água de banho está pronta!


Cerca de duas horas depois, após ter trabalhado no escritório e ter passado em revista as actividades decorrentes no complexo da empresa, o anfitrião convidava para a primeira refeição do dia – o matabicho – que era servida na espaçosa varanda traseira da residência  (uma lauta refeição com todos os ingredientes, a que se habituaram as pessoas que viviam  no interior de Moçambique e que tinha fama de ser a melhor do dia)!  Nas horas adequadas e já na sala própria, eram servidos, em bonitas baixelas,  o almoço e o jantar.
Os serões na casa dos Mamedes ficaram famosos: jogos de mesa organizados em função do número e preferência dos presentes; boa música (a discoteca fazia inveja à principal estação de rádio da capital) e um bom serviço de acepipes e bebidas, completavam, até tarde, o ambiente hospitaleiro e bem africano que ali se respirava e que era propício a prolongadas conversas sobre os mais diversos assuntos, desde a política às estórias de caça !
A  rotina diária na N’GALA (nome da empresa de camionagem do Paes Mamede) era religiosamente cumprida pelo seu proprietário sem contudo deixar de dar atenção aos seus convidados, que por norma o acompanhavam aqui e ali e ficavam a conhecer como tudo ali nasceu desde o primeiro tijolo. Com muito orgulho ele mostrava as obras que ali fez: o posto sanitário cujo enfermeiro privativo explicava o movimento de doentes e a complexidade de muitos tratamentos que efectuava, como partos, pequenas cirurgias, etc,; a escola; o campo de futebol e respectivas instalações da equipa; os escritórios; a central eléctrica; a bombagem de água; os armazéns e oficinas; o drift; o batelão  e até mesmo a machamba junto à margem do rio onde eram cultivados todos os produtos hortícolas e frutos consumidos na sua casa e na dos empregados. O mais tenro e saboroso feijão verde do mundo – dizia o Paes Mamede – era ali produzido ! E eu bem me recordo do sabor especial desse vegetal !
Durante a época venatória e sobretudo em tempo de férias escolares, os varões da família (o pai Orlando e os filhos Rui e Sérgio), com um ou outro convidado, organizavam caçadas, nomeadamente aos elefantes e búfalos, que na época eram muito abundantes na região. Foi durante uma destas expedições, em 1954, que o filho mais velho, o Rui, com apenas 17 anos, foi acometido de um colapso cerebral, falecendo poucas horas depois quando era conduzido para o hospital de Lourenço Marques.



O búfalo é dos animais mais perigosos quando feridos. Depois do hipopótamo é, seguramente,
o animal que mais vítimas causa entre os caçadores.
Este trágico acontecimento abalou seriamente esta família e consternou todos os seus amigos. A juventude estudantil da capital, onde o Rui era muito estimado, compareceu em massa no seu funeral, que foi uma inesquecível manifestação de pesar e solidariedade!

Recordo este jovem com saudade! Ele e seu irmão mais novo - o Sérgio - haviam estado comigo no Pafúri, na véspera do acidente, onde passámos bons momentos em animadas partidas de pingue-pongue!  Prometi a mim mesmo perpetuar a sua memória: se um dia viesse a ser pai de um filho varão, chamar-se-ia Rui! E três anos depois, em Junho de 1957, materializei este desejo!


O Sérgio Paes Mamede (o segundo a contar da esquerda) junto do seu avião,
numa das Coutadas de Marromeu, em 1973,
quando transportou o Engº Martins Santareno (à esquerda) e comitiva,  para um safari de caça.

Conheci esta família tempos antes do falecimento  do jovem Rui. Tal como  a maioria das pessoas que transitavam por Mapai, fui seu hóspede, pela primeira vez,  no início de 1954,  quando  fui colocado na administração do Alto Limpopo. Ali cheguei num dos seus camiões de transporte de magaíças (trabalhadores das minas do Rand), apanhado em Mabalane. Vinha  exausto de uma viagem que levava já oito dias a partir de Inhambane, durante a qual  utilizei vários meios de transporte em etapas sucessivamente interrompidas. Ali fiquei dois dias à espera da carreira para o Pafúri e nasceu então uma longa amizade estruturada  num misto de admiração, respeito e gratidão por esta família  simpática e hospitaleira !
Durante a minha estadia no Pafúri  (pouco mais de um ano) foram muitos os contactos  com os Mamedes,  já que o Mapai era ponto de passagem obrigatório nas deslocações quando em serviço pelo interior da região administrativa.

Depois de deixar o Alto Limpopo, voltei ao Mapai por várias vezes,  a última das quais em 1974 e sempre esta  família me recebeu com a maior cordialidade!

Nunca esquecerei  os ensinamentos que recebi do patriarca Orlando, relativamente à caça e aos animais selvagens, que muito me marcaram para a minha futura carreira de fiscal de caça e que noutro local vou recordar!


Preparativos para um dia de caça numa das Coutadas de Marromeu, onde este tipo de viaturas
conhecidas por anfíbios eram utilizadas pela SAFRIQUE. Na foto e no plano superior reconhecem-se,
da esquerda para a direita: Neves e Sousa (famoso pintor e escritor angolano, já falecido)
 Engº Martins Santareno e esposa, Adelino Serras Pires (caçador-guia),
Adelino Brígido (Director da Safrique), Sérgio Paes Mamede (também destacado no canto superior direito)
e Dr Armando Rosinha.


 
2 - AS PARTIDAS
O Paes Mamede era uma pessoa dotada de extraordinário sentido de humor e muito comunicativo. Fascinava-nos com as suas narrativas de caça, verdadeiras aventuras que viveu naquela região riquíssima de espécies bravias, para onde tinha ido ainda novo como recrutador e chefe de zona da Wenela (Empresa sul-africana de recrutamento de mão de obra para as minas), com sede no Pafúri.

Gostava de pregar partidas aos incautos e eram raros os que por lá passavam que de tal se livravam! Quem chegava ao Mapai e não era avisado destes seus hábitos, acabava por ser apanhado numa dessas partidas!
Eu próprio não fugi à regra. Depois do jantar do primeiro dia convidou-me para uma caçada. Foi-me dizendo que bastava uma pequena volta pela pista de aviação para matarmos um ou dois antílopes, o que me deixou entusiasmado. Para lá seguimos numa carrinha cujo condutor certamente conhecia bem a lição,  pois à partida segredou-me que os leões apareciam sempre  por ali durante a noite! Entregaram-me uma arma de pequeno calibre – ponto 22.  O  Paes Mamede  levou outra de maior calibre e a tarefa de farolar foi atribuída ao Fernando Figueiredo (guarda-livros da empresa  e parceiro habitual do patrão nestas andanças).  Chegados à zona da pista logo se divisaram alguns pequenos antílopes, encandeados pelo foco de luz. O condutor dirigiu para lá a viatura mas os animais refugiaram-se rapidamente na mata periférica. O Paes Mamede sugeriu que eu os perseguisse, dando-me uma pequena lanterna de cabeça.  Não hesitei e em menos de um minuto estava na mata em perseguição dos animais, cioso por abater um deles. Não os alcancei e depois de uns duzentos metros andados e considerar infrutíferas as buscas, voltei para trás. Só que, devido aos zigue-zagues durante a perseguição, deixei rapidamente de saber para que lado estava a pista.  Por momentos fiquei desorientado pois não via as luzes nem ouvia o barulho do motor da viatura.  Alguns minutos depois lá consegui desembaraçar-me da mata e alcançar a clareira da pista, embora em local diferente daquele onde a viatura me deixara. Ouvi então chamarem-me e pronunciarem, repetidas vezes, a palavra “leão”. O carro estava a uns duzentos metros, com os mínimos ligados  e para lá corri com quantas forças tinha! Os comparsas aparentavam grande preocupação pela minha segurança dizendo que saltasse rápido para o carro pois que andava um leão por perto. Disfarçando grande nervosismo, o Paes Mamede chamou a atenção para  os roncos cavernosos que vinham do fundo da pista e logo que me instalei  na caixa da camioneta deu instruções ao motorista para regressarmos.
 Assim terminou a caçada ! Pelo caminho e em casa, os comentários sobre o sucedido eram de consolo pelo facto de nada me ter sucedido e termos escapado a tempo! E por isso trocaram-se brindes à chegada!
A cena pareceu-me tão natural que acreditei plenamente na sua veracidade e até dei as minhas opiniões sobre os prós e os contras da caçada, respondendo ingenuamente às perguntas ardilosas que me iam fazendo!
 Era o meu baptismo de caça e, como esperavam os meus "carrascos", dei-lhes bons motivos para gáudio!…
 Uns dias depois, já nas minhas funções no Pafúri, fui  informado do logro em que tinha caído! Mais tarde, os ditos comparsas consolaram-me por ter sido alvo de uma pequena partida, pois que à última hora tinham resolvido não levar por diante o plano inicial que culminava com o meu abandono em pleno mato, ouvindo a imitação dos rugidos de leão emitidos por um trabalhador com o uso de um funil!
Uma boa lição colhi desta brincadeira! Decorria na altura a época de defeso venatório e o Paes Mamede recordou-me, mais tarde, este pormenor, censurando-me por ter concordado  ir à caça neste período e ainda por cima durante a noite e sem licença de caça! Três infracções que ao longo da minha carreira de fiscal de caça tentei combater e muitas vezes penalizei!
Conhecendo depois as estórias de partidas que o Paes Mamede pregava, considerei-me um privilegiado por ter sido alvo de uma tão suave brincadeira! E porque me foi aconselhado, reagi muito desportivamente! Caso contrário eles acabariam por me aplicar novo “castigo” e certamente dele não me sairia tão bem!


A  Girafa (Camelopardalis), um dos animais bravios mais raros em Moçambique,
estava bem representada na região do Alto Limpopo.

Um dos amigos bastante chegados do Paes Mamede, conhecendo os seus hábitos, conseguiu durante muito tempo escapar às suas partidas. Só que, quando menos esperava, caiu numa das mais bem sucedidas e insólitas partidas por ele aplicadas. Esse amigo era o administrador da circunscrição – o Landerset Simões – que saíra do Pafúri cerca de um ano antes da minha chegada ali. Juntavam-se com frequência, quer numa quer noutra casa e ambos eram apaixonados pelo poker,  que jogavam sempre que reuniam parceiros. Numa ocasião em que foram juntos a Lourenço Marques (eram frequentes estas viagens do Paes Mamede, via África do Sul), o Landerset Simões comprou um bilhete de lotaria e quando o fez o Paes Mamede estava por perto e olhou sub-repticiamente, apenas para fixar o seu número e logo se afastou anotando-o na palma da mão. No dia da lotaria o Paes reuniu na sua casa alguns amigos habituais do poker, incluindo o seu companheiro de viagem à capital, a pretexto de um aniversário  na família, facto que levou a reunião a ser tomada como natural. Depois do jantar e quando se jogava, a estação do Rádio Clube de Moçambique, ligada entretanto no  rádio-móvel da sala, despertava a atenção dos presentes pelas excelentes músicas que ia passando e que eram elogiadas pelo anfitrião e convidados. A dada altura o locutor informou que ia ler os números da lotaria daquele dia. Rapidamente o Landerset saltou da cadeira e aproximou-se para ouvir. Não conseguiu captar todos os números mas pareceu-lhe ouvir alguns correspondentes aos do seu bilhete. O locutor ao terminar a leitura dos prémios secundários repetiu os principais números premiados e quando o fez a atenção  já era total: o número  do primeiro prémio correspondia ao do bilhete inteiro comprado ! O Landerset deu um salto e numa explosão de alegria  gritou:  estou rico, estou rico ! Foi muito felicitado por todos e festejou-se com bom champanhe!

A festa prolongou-se  no meio de um contentamento geral e de repetidas e entusiásticas felicitações ao feliz contemplado e os presentes tiveram ainda a confirmação da exactidão dos números premiados num posterior noticiário daquela “estação de rádio”!
Eufórico como ficou, o administrador Landerset Simões, que naquele dia deveria pernoitar na casa dos Mamedes, resolveu regressar ao Pafúri a meio da noite, dizendo que na manhã seguinte seguiria para Lourenço Marques para receber o prémio.
Depois da sua partida  os convivas continuaram a  festejar, não a “sorte grande” do Landerset Simões, mas a “partida” que lhe foi pregada!  Planificaram depois a acção a tomar no dia seguinte para desmontar a farsa junto da vítima e poucas horas depois o Fernando Figueiredo seguiu para o Pafúri  onde chegou pela manhã. Encontrou o Landerset nos preparativos finais para seguir viagem e sem rodeios explicou-lhe que aquilo tinha sido uma brincadeira do Paes Mamede, ardilada a partir do momento em que ele comprou o bilhete em Lourenço Marques e depois bem executada com uma gravação de músicas e locuções imitando um profissional da rádio!
Disse-lhe, inclusivé, que a gravação tinha sido objecto de muitas  tentativas de aproximação da voz do locutor da rádio  e a sua reprodução  acabaria por ser tão perfeita e convincente que surpreendeu  o autor - o próprio Paes Mamede! Tudo possível graças ao bom equipamento de gravação e reprodução magnéticas que havia comprado pouco tempo antes na África do Sul!
Todas as explicações, porém, não deram para aliviar a carga de stress do visado, que nem sequer dormira nessa noite só de pensar na mudança da sua vida com a inesperada sorte grande! Reagiu de um modo nunca esperado pelo seu amigo e recusou o convite de voltar ao Mapai para ali se refazer das emoções vividas na companhia dos parceiros da noite anterior. Nenhum argumento do seu amigo Figueiredo o demoveu ! Ficou zangado e as suas relações com o Paes Mamede não voltaram a ser como antes. Pouco tempo depois foi transferido do Pafúri para o norte de Moçambique.
 O Orlando Paes Mamede continuou igual a si mesmo, recebendo, fazendo amigos e pregando as suas habituais partidinhas que ele definia como “praxes do Mapai” e que eram aceites desportivamente pela esmagadora maioria dos  atingidos. E  continuou também a prosperar em todas as direcções do seu vasto “império” comercial, pecuário e industrial, até que as mudanças impostas pelo fim do império colonial português alteraram radicalmente o rumo dos seus negócios e da sua própria vida. Ausentou-se para Portugal depois da independência de Moçambique, vindo a falecer em 1987 na África do Sul.  Posteriormente, em 1991, viria também a falecer sua esposa Dária.
Seus filhos - Sérgio e Orlanda - garantiram a continuação do clã dos Mamedes e, tal como os pais, adoram  África, onde nasceram e vivem!
Marrabenta, Novembro de 2000
Celestino Gonçalves


ESCLARECIMENTO

Recentemente  fui contactado por um dos netos do Orlando Paes Mamede, que visitou esta página e me dirigiu palavras de apreço pela forma como recordei aqui o seu avô materno (ele é filho da Orlanda Mamede), deixando também no GuestBook, uma simpática mensagem!
Para além de algumas informações pontuais e fotografias que me forneceu e permitiram melhorar o conteúdo desta "estória", este descendente dos Mamedes informou-me que o seu nome - Rui - também lhe foi atribuído em homenagem à memória de seu saudoso tio!
Marrabenta, Agosto de 2001
Celestino Gonçalves




NOTA 
Esta crónica, escrita no ano 2000 e então publicada no meu primeiro site, mas já diluída no tempo,  vem de novo a lume para reforçar a breve reportagem que se segue, relativa à homenagem que um grupo de amigos (eu incluído) prestou hoje ao casal Sérgio/Cila Paes Mamede, em Oeiras. Como se diz no final do texto dessa reportagem, ofereci ao Sérgio uma brochura desta crónica em homenagem à memória dos seus saudosos pais. 
O Sérgio e esposa encontram-se de férias em Portugal e têm sido alvo, desde que chegaram,  de idênticas homenagens por parte dos seus muitos amigos que, tal como eu, não tinham oportunidade de o ver há muitos anos. No meu caso, por exemplo, o relógio do tempo separou-nos para mais de quatro décadas!
Eis o que acabei de publicar na minha página do Facebook:

ENCONTRO DE VELHOS AMIGOS DE MOÇAMBIQUE, HOJE, EM OEIRAS, A PROPÓSITO DA ESTADIA EM PORTUGAL, DE FÉRIAS, DO CASAL SÉRGIO/CILA PAES MAMEDE. PRESENÇAS:
Sérgio Paes Mamede, Cila Paes Mamede, Ana Maria de Sá e Mello, Luis Pedro de Sá e Mello, João Pedro de Sá e Mello, Celestino Gonçalves, Lurdes Gonçalves, José Canelas de Sousa, Branca Tomé, José Carlos Mendonça, Luís Correia, Mário Albuquerque, Herculano de Sousa, Nelson Serra e Carlos Alberto Laborde Basto.
Um adorável convívio onde, naturalmente, os temas abordados foi o Moçambique dos nossos tempos de juventude, alguns deles recordando peripécias hilariantes que fizeram reviver um passado bem longínquo (50, 60 e mais anos) em que uns ainda andavam nos bancos dos liceus, outros iniciavam as suas carreiras profissionais, outros, ainda, brilhavam nas competições desportivas como é o caso dos craques do basquetebol presentes.
O cenário deste encontro foi o restaurante PAPA MAIS, de outro Moçambicano , o simpático Rocha Ribeiro, filho de um amigo e colega que militou no Quadro Administrativo e que já não se encontra entre nós. Como não podia deixar de ser, o caril foi dos pratos mais preferidos e posso garantir que estava uma maravilha!
Como recordação deste encontro, ofereci ao Sérgio Paes Mamede uma brochura da crónica que escrevi no ano 2000, com o título "A hospitalidade e as partidas do Paes Mamede", uma abordagem a alguns aspectos (sérios e divertidos) da vida do saudoso patriarca Orlando Paes Mamede, dos tempos em que convivi com esta simpática família no Alto Limpopo (e já lá vão mais de 60 anos).
Ver em:
http://faunabraviademocambique.blogspot.pt/…/161-hospitalid…
Uma tarde maravilhosa que a todos encantou!

Em reforço àquelas palavras quero referir que o Sérgio Paes Mamede foi um excelente  colaborador dos Serviços da Fauna, no combate à caça furtiva no Alto Limpopo, nos últimos anos do período colonial,  participando com o seu próprio avião na localização dos transgressores. Foi, também, em parceria com o conceituado caçador-guia Luís Pedro de Sá e Mello, concessionário da coutada 16, também no Alto Limpopo, na parte final desse período, actividade que cessou em 1975 por motivo da independência do país e das novas políticas que levaram à suspensão, por vários anos, de todas as actividades cinegéticas em Moçambique.
Radicou-se depois na África do Sul onde criou e dirigiu uma empresa de reparação de pequenos aviões e, mais tarde, já depois do ano 2000, voltou à sua terra natal para se dedicar ao turismo, tendo construído um modelar complexo junto da praia, entre Vilanculos e a foz do rio Save,  província de Inhambane.

Felicidades Sérgio!

Lisboa, 23 de Outubro de 2015

Celestino Gonçalves