25 December 2008

45 - CARTAS DA BEIRA DO ÍNDICO (8)




CARTAS DA BEIRA DO ÍNDICO

(8)

FÉRIAS EM MOÇAMBIQUE


(2008/2009)



ENCONTRO COM PRÍNCIPES DA SELVA



Cândido, Celestino, Rui e Sérgio
Alguém apelidou um dia de “Príncipes da Selva” os caçadores guias que durante a época de ouro dos safaris de caça em Moçambique (1960/1975) foram os responsáveis pelos sucessos das caçadas de figuras ilustres do mundo das finanças, da política, da ciência, das artes, etc. As empresas e os privados concessionários das coutadas e das zonas livres de caça receberam aqui famosos e ricos homens do petróleo, da indústria automóvel, astronautas, actores de cinema, escritores, cientistas, chefes de governo, empresários, etc., que vieram caçar dos melhores troféus, muitos deles recordes mundiais que tornaram famoso o território como dos mais importantes em fauna bravia africana!
Antes do início desta indústria, Moçambique foi palco de chacinas implacáveis por parte de caçadores que dizimaram centenas de milhares de elefantes, búfalos rinocerontes e outras espécies de grande porte, apenas na mira do negócio do marfim, da carne e das peles. Eram os chamados caçadores profissionais, um estatuto que não estava previsto em qualquer lei da colónia.
Contudo, a profissionalização desta actividade viria a ser decretada em fins da década de 50, quando se criaram as coutadas oficiais e regulamentaram as actividades da caça turística (safaris de caça) . Foi simultaneamente criado o estatuto (regulamento) do caçador-guia, à imagem de outros países africanos (sobretudo no Kénia), onde esta profissão já vinha sendo exercida desde a década de 30.

O mítico e pomposo nome de White Hunter (caçador branco), criado nesses países para identificar precisamente os guias dos safaris de caça, conferiu a estes profissionais o estatuto de figura de confiança dos turistas-caçadores, que dos mais variados pontos do mundo se deslocavam a África, terra de negros, para realizarem as suas caçadas. Na gíria, pode ainda utilizar-se esta designação, mas desde a década de 70 que os clubes e organizações internacionais ligadas à caça, e de uma forma geral toda a imprensa da especialidade, por razões óbvias, aboliram a mesma. Passaram a chamar-se de Professional Hunters !

Ser caçador-guia não bastava saber dar tiros e ter alguma coragem para enfrentar os animais, como era a maioria dos caçadores em Moçambique antes do início da indústria dos safaris de caça em 1960. Esta nova profissão implicava que o caçador reunisse um conjunto de qualidades que completassem as exigências de um safari de caça, cuja responsabilidade recai sobre o guia, tais como: ser caçador completo (saber caçar todas as espécies); conhecer as línguas dos potenciais clientes; conhecer e saber aplicar primeiros socorros; ter conhecimentos de culinária; ter noções de mecânica automóvel; saber os dialectos locais; ter boa cultura geral; etc., etc.
Como em Moçambique não havia formação profissional para tal actividade, de início as exigências não foram muito rigorosas para a concessão das respectivas licenças, bastando a prova de ter tido anteriormente licença de caça de 1ª classe e declaração médica atestando ser conhecedor dos primeiros socorros.
De entre os mais de 60 caçadores guias licenciados durante a administração colonial, só cerca de um terço tinha os requisitos exigidos para a profissão, no que respeita à experiência como caçadores. Os restantes eram medianos caçadores desportistas, os chamados caçadores de fim de semana, que se entusiasmaram pela caça e naturalmente foram seduzidos pela fama de que gozavam os “príncipes da selva” e pelos excelentes salários que auferiam nesta actividade! Durante a minha carreira como fiscal de caça, tive a oportunidade de conhecer praticamente todos esses “príncipes”, que eram, no fundo, meus colegas na conservação da fauna bravia, por imposição da própria lei. Melhor, convivi de perto com uma boa parte deles, com quem fiz e conservo boas amizades! Infelizmente, a lei da vida já levou alguns desses bons amigos!
A interrupção da indústria dos safaris em Moçambique, em 1975 (ano da independência do país), e o prolongado período da guerra civil, que não permitiu o recomeço dos safaris durante cerca de vinte anos, obrigou à debandada de quase todos os profissionais para outros países africanos, para Portugal e Brasil.
Contam-se pelos dedos de uma mão aqueles que cá ficaram ou regressaram e entre eles apenas dois voltaram às lides venatórias, cujo recomeço se verificou por volta de 1995. São eles o Rui Quadros, que regressou no ano 2000 e o Sérgio Veiga, que nunca abandonou Moçambique! Ambos são filhos da terra e têm um historial bem interessante, de profissionais competentes e cujos percursos tive já a oportunidade de descrever em resumidas biografias que publiquei no meu site original e em algumas comunidades moçambicanas com blogs na Internet.
E foi com estes dois amigos que almocei e passei um excelente dia, na casa do Sérgio, no Bairro do Triunfo, aqui em Maputo. A meio da tarde juntou-se a nós o velho Cândido Veiga, pai do Sérgio, também ele um histórico caçador-guia (já reformado), que vive ali ao lado, na rua das Massalas, onde igualmente mora outra sua filha.
Como sempre acontece quando estou em Moçambique, frequento a casa do Sérgio com regularidade, porque nunca me canso de conhecer as suas aventuras, os seus sucessos e de uma forma geral o que vai acontecendo neste país relativamente à caça, aos caçadores e às actividades cinegéticas em que ele participa ou simplesmente acompanha de perto. A sua recente missão em Cabo Delgado (Palma e Mocímboa da Praia), como responsável pela segurança de uma equipa americana de prospecção de petróleo, contra possíveis ataques de leões que na área têm últimamente apavorado as populações (só em 4 meses comeram 26 pessoas), só por si, deu para uma prolongada e apaixonada conversa!

E porque já biografei de algum modo estes dois amigos, pouco me resta dizer deles se não acrescentar que ambos continuam activos, mais o Sérgio que com os seus 55 anos está praticamente no auge da sua vida profissional e divide a mesma entre a caça, a pesca, a caça submarina, a pintura e a escrita. Depois da publicação, em 2005, do seu primeiro livro “ O Cântico da Galinha do Mato”, prepara agora a publicação das narrativas do seu trabalho junto dos americanos, onde viveu os dramas das populações vítimas do flagelo dos leões e abateu dois destes felinos! Um trabalho cujo manuscrito acabei de ler e me fascinou bastante, não tanto pelo relato dos acontecimentos que são muito comuns aos que vivi durante a minha carreira profissional, mas pelo sentido poético muito especial que o Sérgio imprime às suas narrativas.
E por aqui me fico para não roubar o interesse que certamente vai despertar este seu novo livro!


Menor actividade como caçador-guia tem tido o Rui Quadros, que se virou para outras actividades mais consentâneas com a sua idade (já na casa dos 70) e só esporadicamente pega nas armas e bagagens para um ou outro safari, sobretudo para acompanhar antigos clientes que continuam a requisitar os seus serviços!

Como complemento desta “Carta”, deixo aqui os links dos trabalhos que publiquei anteriormente sobre estes dois "príncipes da selva", particulares amigos que muito estimo!

1 - SOBRE O SÉRGIO VEIGA


ÁLBUM 9 - 2003

Ver ainda a Carta nº 15 das férias de 2004/2005, abaixo transcrita
2 - SOBRE O RUI QUADROS


ÁLBUM 11 - 2003
http://faunabraviademocambique.blogspot.pt/2010/05/79-cacador-guia-rui-quadros-minha.html



REPORTAGEM FOTOGRÁFICA
Placa da rua da Massala, no Bairro do Triunfo, onde vive o clã Veiga
Início da rua das Massalas. A praia fica a cerca de 40 metros!

Trecho da mesma rua. Como todas as do Bairro Triunfo é de terra batida!

A casa do Sérgio. O carro dos safaris fica na rua!

Na garagem fica o carro da cidade e o barco!

Sérgio, Celestino e Rui, no cantinho do quintal onde almoçamos

O Cândido Veiga sempre bem disposto! .

O Cândido e o Rui mostram mazelas das caçadas!

Cicatrizes de garras de um leão na perna do Cândido!

Rui e Sérgio vendo álbuns de fotos das suas caçadas!

O simpático casal Cândido Veiga em frente da sua casa

No interior da casa do Cândido fala-se de histórias que marcaram a vida destes "príncipes da selva"!

Cândido, Rui e Celestino

O simpático Cardoso, cozinheiro do Sérgio. Ele faz um caril divinal!



Uma foto para recordar. O fiel Gunga fica sempre por perto do dono!

Última conversa à despedida

Horas de ir embora porque a tarde chegara ao fim!


Lá deixamos o Sérgio que em breve voltamos a visitar!

Saudações amigas, aqui da beira do Índico
Maputo, 25 de Dezembro de 2008.

Celestino (Marrabenta)


NOTA A POSTERIORI
Dois destes velhos amigos, infelizmente, já “partiram”, quase em simultâneo, conforme na altura dei conta nas redes sociais. Passam já cerca de cinco anos. Trata-se do Cândido Veiga e do Rui Quadros.
Lisboa, Outubro de 2015
Celestino Gonçalves
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EM TEMPO
Transcrevo a seguir o teor da Carta nº 15, das férias de 2004/2005, por conter mais dados biográficos relativos ao Sérgio Veiga e descrever uma interessante viagem à ilha da Inhaca onde o mesmo mantém um discreto mas modelar acampamento turístico.
CARTAS DA BEIRA DO INDICO
(15)


UM PASSEIO À INHACA

Várias tentativas falhadas de ir à Inhaca levaram-me a admitir que teria de regressar ao velho continente com mais uma frustração no que às viagens fora de portas diz respeito!

Valeu ter prolongado a estadia em Moçambique muito para além do previsto para que a tal oportunidade acabasse por surgir. Um telefonema já noite adiantada do Sérgio Veiga, anunciava-me a viagem para o dia seguinte, aproveitando um passeio turístico com dois clientes portugueses.

Antes das 7 lá estava na casa deste velho amigo, em pleno Bairro do Triunfo, onde ele e seu ajudante já estavam nos preparativos para meter o barco na água, ali mesmo em frente. Para além dos 5 ocupantes, também o “Gunga”, um bonito perdigueiro inseparável companheiro da caça e da pesca do Sérgio, tomou lugar no bote.

O mar estava calmo e brilhava como um espelho! Só a neblina matinal nos roubou o belo espectáculo da cidade, que deixamos para trás e aos poucos ficou reduzida às silhuetas dos grandes prédios recortadas no horizonte. Pela frente foi-se divisando a imagem das duas ilhas, com a dos Portugueses a fundir-se na vizinha Inhaca.

Uma hora de viagem estupenda e estávamos lá, em plena praia fronteira ao acampamento do Sérgio, uns bons quinhentos metros à direita do complexo turístico da Ilha. O programa não permitiu mais tempo ali do que o suficiente para trocar de roupa e colocar apetrechos de pesca e mergulho no barco.

Contrariando os restantes companheiros, que dispensavam comer algo, lancei mão de duas latas de salsichas que faziam parte da minha bagagem de comezainas (que levei e à socapa) e pedi ao cozinheiro para as preparar rapidamente. A fome que tinha dava para devorar qualquer daqueles avantajados mata-bichos de garfo dos velhos tempos das minhas andanças pelo mato!

Já estavam todos de novo a bordo para o périplo às ilhas, reclamando a minha presença, quando peguei na frigideira ainda no fogo e corri com ela para junto dos meus companheiros oferecendo a cada um (incluindo ao “Gunga”), uma bela e bem quentinha salsicha. Ninguém se fez rogado e lá fomos mar a fora mastigando o belo manjar, que foi providencial já que o regresso ao acampamento aconteceu apenas pelas 4 da tarde, altura em que recarregamos os estômagos com um belo caril de lulas!

Há mais de dez anos que não visitava a Inhaca e as recordações que conservava não eram de todo agradáveis, já que da última vez que lá estive esta ilha estava ainda sob grande pressão de uma elevada população humana que ali se refugiara durante o período da guerra civil. Actualmente encontram-se ali cerca de seis mil pessoas, distribuídas sobretudo pela orla costeira e que são ainda um peso excessivo para a capacidade da ilha relativamente à agricultura e aos produtos do mar, considerando que se trata de uma reserva natural onde apenas a indústria do turismo deveria ter lugar.
O Sérgio, para além de experimentado caçador-guia, é um dos mais consagrados pescadores e mergulhadores desportistas de Moçambique, detentor de muitos recordes de espécies de peixes raros. Há dois anos retratei (ver Álbum de Recordações do meu Site pessoal www.geocities.com/Vila_Luisa ) este homem como das personagens mais multifacetadas que tenho conhecido nesta terra, devido às várias actividades profissionais que tem abarcado e à sua extraordinária capacidade de as desenvolver. Caçador profissional, pescador, pintor, jornalista, futebolista (jogador e treinador), atirador de stand e fotógrafo, são actividades que o Sérgio desenvolveu nos últimos trinta anos. Mas recentemente iniciou outra que já então anunciei: a de escritor, tendo sido publicado em Novembro último o seu primeiro romance “O Cântico da Galinha do Mato” (ver fotos em “Pictures” nas Comunidades da Beira, Inhambane e MGM), que é um sucesso comprovado pela segunda edição já em curso. Ele é hoje um dos meninos bonitos da cidade, visitado na sua casa por muitos fãs e até por gente da comunicação social, de cá e de além fronteiras, que desejam fazer notícia dos sucessos da sua aliciante carreira.

Estou a falar de um dos poucos “intrusos” extra população local que desenvolvem na Inhaca actividades turísticas. Há mais de trinta anos que ele tem base de apoio na ilha para as suas incursões piscatórias e de caça submarina fora da zona de reserva e para os mergulhos nos locais de observação das grandes espécies marinhas. O Sérgio conhece como ninguém esses locais, que ajudou a preservar como santuários dessas espécies e que são uma atracção turística, aqui mesmo às portas da capital. O passeio que ele nos proporcionou durante um único dia, só foi possível pela sua grande experiência e conhecimentos desta região.
Aproveitando a situação da maré, navegámos em redor da ilha dos Portugueses, ao longo da linha de areias que faz ligação à Inhaca. Junto desta atravessamos na direcção do oceano até ao Farol, passando pela carcaça enferrujada de um velho navio ali afundado desde a segunda guerra mundial. Fundeamos junto da praia da ponta mais a sul da ilha, onde a paisagem é encantadora pelos contrastes da vegetação, das rochas e das areias, com o mar a perder de vista. Ali nos regalamos a mergulhar nas águas calmas e límpidas das piscinas naturais, observando os peixes multicores!

A segunda fase deste passeio incluiu uma paragem junto do velho navio afundado, para alguns mergulhos e observação das espécies. Isso foi feito apenas pelo Sérgio e pelo seu cliente mais novo, atendendo à profundidade das águas e aos cuidados a ter com os tubarões, frequentadores desse local para caçarem os grandes peixes que ali procuram abrigo.

Navegamos depois pelo lado oriental da ilha dos Portugueses e a meio desta, onde a paisagem mais se parece com um deserto africano de areias, fundeamos de novo para nos deliciarmos com mergulhos em águas calmas e límpidas.
Antes do regresso ao acampamento, o Sérgio proporcionou-nos a observação de uma zona de corais onde arpou um polvo de razoáveis dimensões, suficiente para o jantar dos elementos do grupo.

Pelas cinco e trinta da tarde iniciámos o regresso à capital, mas as condições do mar eram já bem diferentes. Levantava-se o bem conhecido vento sul que normalmente assola a baía ao fim do dia e que obriga a viajar sob ondas crispadas e muito inconvenientes para as pequenas embarcações como a nossa. A viagem durou mais meia hora do que o previsto e ocorreu sob o constante chapiscar das ondas que nos encharcaram até à medula, não obstante os impermeáveis que usamos.

O regresso do belo passeio à Inhaca foi de facto um autêntico suplício que só terminou em areia firme frente ao Bairro do Triunfo, pelas 19 horas. Só o Sérgio e o seu ajudante se mostravam tão serenos como se tivessem feito a travessia da baía em águas tão calmas como aquelas da viagem de ida. Até o “Gunga” aparentava enjoo!

Mas valeu a pena, pelo dia inesquecível que passamos na lendária e muito bonita ilha da Inhaca!

Maputo, Março de 2005
Celestino (Marrabenta )

NOTA: Esta “Carta” foi inserida em 19-03-2005 nas seguintes Comunidades da Internet:
http://www.groups.msn.com/Beira
http://www.groups.msn.com/Inhambane http://www.groups.msn.com/LourençoMarques/MaputoMoçambique
http://www..groups.msn.com/Rogertutinegra

14 December 2008

44 - CARTAS DA BEIRA DO ÍNDICO (7)


CARTAS DA BEIRA DO ÍNDICO

(7)

FÉRIAS EM MOÇAMBIQUE

(2008/2009)

ENCONTRO COM GREG CARR, O AMERICANO QUE ESTÁ A RESTAURAR O PARQUE DA GORONGOSA

Grácio Abdula, Zacarias Abdula, Celestino e Greg Carr, durante o encontro no Polana




Este nome - Greg Carr - não passa despercebido a ninguém, tão badalado tem sido, desde 2005, quando este famoso americano iniciou o seu projecto de restauração do Parque Nacional da Gorongosa!

Famoso já ele era antes de chegar a Moçambique, porque o mundo inteiro o conhece pela sua acção no campo da informática, como inventor do Voice Mail digital, que o tornou milionário. Criou a sua Fundação - a Carr Foundation - e através dela desenvolve acções de filantropia que em Moçambique estão viradas para o bem estar das populações rurais, para além daquele Projecto, um investimento que envolve quarenta milhões de dólares americanos!

Mais famoso se tornou quando começou a aparecer nas televisões de todo o mundo como salvador de um dos mais belos santuários da vida bravia de África, que é aquele famoso Parque situado no interior da zona centro de Moçambique. Ainda recentemente a SIC passou em Portugal um documentário da série "60 Minutos" ,da cadeia de TV americana CBS, integralmente dedicado ao Parque da Gorongosa e que é um dos muitos programas televisivos já produzidos sobre o mesmo Parque, onde o Greg Carr aparece como um verdadeiro herói, não só como amigo dos animais, mas também das populações humanas!

A minha ligação profissional à Gorongosa, iniciada em 1963 e que se prolongou até 1990, não passou despercebida a este famoso homem, quando, na fase inicial do seu projecto, teve a preocupação de auscultar todos aqueles que no passado fizeram parte da administração e das equipas técnicas deste Parque. Com bastante pena, declinei o honroso convite que na altura me fez para integrar o seu staff, uma atitude que foi compreendida quando argumentei que a minha idade já não era própria para desempenhar as duras tarefas que o respectivo cargo exige!

Passei a fazer parte de um grupo de "Amigos da Gorongosa", que divulgam o Parque na Internet, entre eles o António Jorge (TóJó), tão bem conhecido pela alta qualidade dos seus sites e pelo manancial de informação que ali coloca, tanto actual como histórica, incluindo aquela que é recebida directamente do próprio Parque através do seu departamento de comunicação que é dirigido pelo nosso compatriota Vasco Galante.

A primeira vez que fui ao Parque depois que o Projecto Carr ali iniciou o seu programa de reabilitação, em 2005, foi em Novembro de 2006. Tive então a confirmação dos progressos que vinham sendo anunciados e observei com grande satisfação que os trabalhos ali em curso caminhavam a bom ritmo e indicavam que a recuperação deste belo santuário era uma realidade. O aumento dos efectivos dos animais, quer regressados quer introduzidos, assim como o restauro das infraestruturas destruídas durante a guerra civil, os novos empreendimentos no Chitengo, a construção de novas pontes e o santuário de adaptação de animais, eram os aspectos mais positivos, sem esquecer o bom trabalho também desempenhado pelo projecto na recuperação florestal da Serra da Gorongosa, nas acções de formação de quadros e no apoio às populações periférica.

Acerca daquela visita escrevi uma crónica para o "My Gorongosa", - http://my.gorongosa.net/ - um site secundário lincado ao site oficial do Parque - http://www.gorongosa.net/ - e criado pelo Projecto Carr para colaboradores e amigos do Parque. Ali deixei as minhas impressões e estabeleci comparações entre o que vira na minha anterior visita, em 2000, e o que então observei, concluindo que os progressos alcançados nos últimos anos foram realmente grandes, sendo mais de noventa por cento da responsabilidade do mesmo projecto!

Sem ter voltado à Gorongosa (espero fazê-lo em Fevereiro próximo), tenho contudo acompanhado o desenrolar dos trabalhos lá desenvolvidos desde a última visita, quer através do Newletter do Parque, quer pelos comunicados recebidos directamente do seu departamento de comunicação. São grandes as diferenças que irei lá encontrar, nomeadamente no aumento dos efectivos dos animais, nas infraestruturas reconstruídas e outras novas e nas acções de apoio à melhoria de condições de vida das populações circunvizinhas.

Entretanto, tive hoje a feliz oportunidade de me encontrar, aqui em Maputo, com o homem responsável pelo milagre de recuperação do Parque, o Greg Carr, encontro esse que teve também a presença dos meus particulares amigos, os irmãos Zacarias e Grácio Abdula, naturais de Manica e Sofala, e também amigos do Parque que conhecem desde crianças e visitam com regularidade. Mais tarde juntaram-se ao grupo o director de operações e infraestruturas do Projecto Carr, João Vizeu (digamos o homem forte da gestão administrativa e financeira do mesmo Projecto), assim como Jorge Ferraz, administrador da MIPS (empresa que explora o Porto de Maputo).

Zacarias, Celestino, Greg, Ferraz e João Vizeu

Durante esse encontro o Greg Carr fez-nos a descrição do andamento dos trabalhos no Parque e dos sucessos já alcançados até à data, que são significativos. A troca de impressões foi enriquecedora pois satisfez a nossa curiosidade em relação a vários aspectos do Parque e sobretudo quanto aos animais, cujos efectivos garantiu estarem a ser aumentados a olhos vistos. Salientou o caso das pivas e dos leões, estes agora mais vistos e que voltaram a ser uma das principais atracções dos turistas que visitam o Parque.
Sobre os vários problemas que naturalmente vão enfrentando, referiu como mais preocupantes a caça furtiva e as queimadas, dois grandes males que mesmo combatidos por uma grande equipa de guardas bem preparados continua a ser um flagelo que dificulta seriamente a recuperação efectiva do Parque.

Mais do que as informações prestadas pelo homem que em boa hora veio salvar o Parque, o que muito nos agradou ver foi o seu enorme entusiasmo quando se referia aos progressos que o seu projecto já alcançou e aos planos que tem para o futuro. Os seus olhos brilham e as suas mãos parecem as de um maestro a dirigir uma orquestra! No meio desse entusiasmo e de punho cerrado, num gesto característico dos treinadores quando as suas equipas marcam golo, pronunciou, mais que uma vez e em bom português, Gorongosa, Gorongosa! Ele fala já razoavelmente o idioma de Camões e logo no início do encontro pediu que o questionassem e respondessem nesta língua, o que levou os presentes a elogiá-lo e um deles (eu próprio) a perguntar-lhe quantas teachers teve já!...


Gargalhadas não faltaram!


OUTRAS FOTOS DO ENCONTRO



Celestino e Zacarias na entrada do Hotel Polana


Celestino e Grácio


Com os manos Zacarias e Grácio Abdula na sala de espera do Polana


Greg e João Vizeu



Greg e Jorge Ferraz

Saudações amigas, aqui da beira do Índico!

Maputo, 14 de Dezembro de 2008.

Celestino (Marrabenta)

07 December 2008

43 - CARTAS DA BEIRA DO ÍNDICO (6)



CARTAS DA BEIRA DO ÍNDICO

(6)


FÉRIAS EM MOÇAMBIQUE
(2008/2009)



FIM DE SEMANA NA MACANETA


Tal como já sucedera com o fim de semana alargado na praia do Xai-Xai, em Novembro passado, também não fomos muito bem sucedidos com a ida à Macaneta neste último fim de semana, já que as chuvas e fortes ventos dos dois dias anteriores roubaram parte do prazer e até do conforto que sempre se espera ter quando se sai de casa, sobretudo quando se vai a uma praia!

A família havia programado esta saída no início da semana, sem adivinhar que as chuvas e os ventos viessem com tanta intensidade nos dias seguintes.
Havia que aproveitar a vaga na casa de praia do amigo Ferrão, que sempre a coloca à disposição, por isso nem que as chuvas continuassem ninguém desistia de avançar, tanto mais que era conhecida a minha ansiedade de rever a Macaneta e tomar lá uns bons banhos naquela águas límpidas e temperadas que o Índico nos fornece aqui bem perto da capital!
Manhã cedo, com o céu carregado de nuvens escuras e ventania de levar os plásticos para fora dos contentores, partimos com as bagageiras cheias do necessário para não passar fome nem sêde. O resto não falta no bonito e bem apetrechado acampamento que fomos ocupar!
Com é hábito, usam-se os dois carros da família porque o clã ultrapassa os cinco lugares de um só. Quando as netas eram pequenas bastava um, mas agora já não é cómodo para elas e nem a polícia tolera o excesso de passageiros!

Como já disse anteriormente, sair da cidade de Maputo para rumar ao norte pela estrada nacional nº 1, é um suplício e quase uma aventura, tal o movimento do trânsito (com os chapas a complicar) e o estrangulamento das artérias que conduzem à mesma via. Um problema que há muitos anos se diz estar em vias de solução, mas que ninguém vê como e quando!
Chegados a Marracuene (a nossa querida antiga Vila Luísa), a ventania parecia ser mais branda e o entusiasmo redobrou quando chegamos ao cais da travessia do rio, pois ali vive-se em permanência o agradável e colorido espectáculo do vai-vem das pessoas e das viaturas que utilizam o batelão entre as duas margens. Conversa-se com os simpáticos vendedores de artesanato, amendoim, cajú, fruta, peixe, etc., bebe-se um refresco (ou uma cervejinha) num dos bares, batem-se fotos a torto e a direito e o tempo passa depressa, mesmo, como foi o caso, ter de esperar cerca de uma hora e meia pela nossa vez!

E tivemos sorte, porque as chuvas desencorajaram muitos turistas e pessoas da capital que têm casa na Macaneta a irem lá este fim de semana! Em dias de grande movimento, chega-se a ficar três, quatro e mais horas na fila de espera!
Não foi surpresa para nós, logo que saímos do batelão, termos deparado com o péssimo estado da estrada que dali segue até às dunas da Macaneta, que é de terra batida. Um autêntico riacho, com buracos e matope a fazer-me lembrar os meus velhos tempos do mato!

Só viaturas 4x4 vencem este trajecto nas actuais circunstâncias e mesmo assim é preciso muita cautela e perícia para não derrapar para as bermas, pois dali só um guindaste retiraria a viatura!

Para uma distância tão pequena como aquela (5 Km até às dunas), não se compreende como ainda não foi resolvido este problema, com um aterro e estrada a sério, tanto mais que as autoridades desde há cerca de dez anos a esta parte que incentivam o interesse da população citadina pela aquisição de pequenos lotes de terreno (para construção obrigatória) na Macaneta e fizeram ali um investimento muito maior que foi a electrificação de toda a área concessionada. Actualmente podem contar-se por largas centenas as casas de praia (prefiro chamar-lhes de acampamentos) que ali foram construídas nos últimos cinco anos e consta que, em toda a área demarcada, que é bem grande, não existe um único talhão vago!
O lote onde o nosso amigo Ferrão construíu o seu complexo, situa-se a três quilómetros para norte do cruzamento da cantina da Macaneta. Mas o parcelamento continua por mais alguns quilómetros para norte, ocupando, a partir dali, toda a antiga concessão do bem conhecido Manuel Sarnadas, ex-despachante oficial de Lourenço Marques (actual Maputo), industrial de safaris e criador de gado, cujos vestígios das infraestruturas de parcelamento que ele ali iniciou com grande entusiasmo, ainda são visíveis, inclusivé partes de ruas alcatroadas, lancis de arruamentos, armazém e até velhas casuarinas que escaparam às razias dos fabricantes de carvão!
O acampamento do nosso querido amigo Valeriano Ferrão (o primeiro embaixador de Moçambique nos USA), para além de um bungalow de dois grandes quartos, casa de banho e ampla varanda, dispõe de uma machese, casa de empregado, cozinha externa, casa de gerador, poço com bomba eléctrica, depósito elevado para água, chuveiro externo e uma original mesa para refeições construída de grossas vigas de madeira de cimbirre (ou mecrusse). O terreno está literalmente aproveitado, com casuarinas em toda a periferia, bem ajardinado, com árvores de fruto (papaias e mangueiras) e até uma pequena horta onde não faltam a batata doce, feijão nhemba, couve tanganica, abóbora, beringelas, cebola, pimentos, alho francês e o indispensável piripiri (bem sacana por sinal)! Tudo isto sem prejuízo para as árvores nativas que lá estavam, cujas copas fornecem a inestimável sombra e embelezam o local, como canhoeiros, mafurreiras, pequenas chanfutas, macuácuas, massalas, maembes e as frondosas munangates, onde, ao abrigo de uma delas, está a mesa rústica das refeições!
A galeria florestal que reveste as dunas da Macaneta é um deslumbramento de verdes de vários tons e está agora protegida pelos próprios donos dos talhões de meio hectar cada. Ela rejuvenesce a olhos vistos, depois de anos e anos de degradação implacável por parte de turistas sem escrúpulos (os chamados turistas da banana) que invadiam as dunas e cortavam a torto e a direito para instalar os seus acampamentos selvagens. As próprias populações, por necessidade de lenha e até para negócio, vinham devastando completamente esta maravilhosa floresta antes das medidas governamentais que em boa hora determinaram este parcelamento.

Uma das espécies mais significativas da zona, a imponente chanfuta (o mogno africano), de folha permanente e de copas frondosas, outrora muito abundante e ali protegida por lei, foi a mais sacrificada e praticamente devastada pelos fabricantes de carvão durante o período da guerra civil que durou 16 anos e só terminou em 1992. Felizmente que já se vêem, aqui e ali, pequenas árvores desta espécie, um milagre da natureza!

Durante o fim de semana que ali passamos recordei as minhas primeiras idas à Macaneta, no longínquo ano de 1952! Isto porque naquela época a praia não tinha presença humana para além de uns poucos visitantes que esporadicamente vinham ali de barco e de poucos pescadores locais, tal como agora que se encontrava vazia!

Uma imensidão de areias brancas batidas pelas moderadas ondas do Índico, divisando-se para sul a restinga de dunas que separa o rio do oceano, até à foz e, mais longe, a silhueta da ilha da Xefina. Para norte, depois de uma recta de alguns quilómetros, vislumbra-se a grande curva que mais ou menos em frente à vila da Manhiça alonga o continente para o mar!

Recordei, em especial, a primeira vez que fui à Macaneta usando como via o próprio rio e como meio uma frágil almadia de pescador. Foi uma verdadeira odisseia, no meio de hipopótamos e crocodilos, muito abundantes na época mas infelizmente extintos durante o conturbado período de guerra. Essa foi mesmo a minha primeira aventura em África e inspirou-me, três anos depois, a escrever a minha primeira crónica para o Notícias e que viria a ser o ponto de partida para uma prolongada colaboração como correspondente deste jornal em vários pontos do território!

Mais recentemente, quando abri o meu primeiro site - www.geocities.com/Vila_Luisa - recompuz essa crónica, com o título "O meu primeiro contacto com a fauna bravia de Moçambique" e coloquei-a na página de "Crónicas & Narrativas", de onde já foi retirada por falta de espaço mas que brevemente voltarei a publicar.

Voltar à Macaneta é sempre muito gratificante, pelas boas recordações que me traz dos tempos em que, ali pertinho, na bonita Vila Luisa da extinta toponímia colonial, iniciei a minha carreira em Moçambique e onde casei com a parceira que me acompanha pacientemente há mais de meio século!

Não obstante o peso da idade, voltei a mergulhar naquelas águas temperadas e límpidas, a chapinhar na espuma das ondas e a correr no chão firme da beira mar, com a sensação de um ser alado que voa para o infinito!

Depois, na sombra do guarda-sol, olhei extasiado e orgulhoso para as minhas netas, também elas felizes por estarem ali a desfrutar daquela imensidão de praias, em plena liberdade, como se fossem nossas!

Cumpri uma vez mais este desígnio e fá-lo-ei enquanto as forças o permitirem!



REPORTAGEM FOTOGRÁFICA


Quem vai para o mar...avia-se em terra!

Já em Marracuene, na descida para o batelão




Tivemos que esperar por três carregamentos iguais a este!

Os nossos carros embarcam ao mesmo tempo! Uma manobra para não desiquilibrar o batelão.

Peixe serra vindo da Macaneta!

Mãe e filha, durante a travessia do Incomáti!

O Joy (meu genro) durante a travessia
Avô e netas quase a chegar à outra margem

O "Terrano" da Paula desembarca na margem esquerda!

As chuvas haviam caído, implacáveis, nos dois últimos dias!

Cinco quilómetros de estrada (terra batida) desde o rio às dunas da Macaneta, transformados num autêntico riacho cheio de buracos e matope. Uma lástima!

O bonito e cómodo bungalow que nos esperava!

O acampamento (aqui mais designado por casa de praia) visto do parrot (ou machese) situado numa elevação de onde se avista uma bela paisagem! O tipo de construção e os materiais empregues não agridem a beleza da zona!

Primeiros momentos de descontracção após a chegada!

O velho também tem direito...ao descanso!

Mãe (Paula) e filha (Dania) mais nova divertem-se!

Mãos ao trabalho, que a fome é muita! Os velhos têem estatuto de observadores!

Entretanto a neta mais velha (Maura) diverte-se no bonito cenário do acampamento!

A mais nova preferiu o ripanço nesta improvisada cama!

Finalmente o almoço neste encantador lugar! A mesa de cimbirre (ou mecrusse) condiz perfeitamente com o ambiente rústico do acampamento!

Uma jovem árvore maembe cujo fruto é muito apreciado, tanto para comer como para fazer bebida tradicional!

Maembes e mangas!

Quem se lembra das massalas?

E das macuácuas?

Finalmente, os pés na areia da Macaneta! Mas o primeiro dia esteve agreste, como se pode imaginar pelas indumentárias!

Deu para umas corridinhas à beira mar e beves mergulhos!...

Mas no dia seguinte, com sol e sem a ventania forte da véspera, desforrei-me!...

Até dizer, basta!...
As netas chegaram atrasadas à praia!...
Mas aproveitaram bem com o pai! As nuvens ainda estavam carregadas, mas o dia esteve lindo e o mar muito mais calmo que na véspera!

Uma foto para o Álbum de família!

A chuveirada gratificante no acampamento!

Curtindo à fogueira durante a noite "fresca" no acampamento!

Com o encarregado Macuácua (esqª) e o pescador Paulo (dirtª) descendende de um agricultor chinês de Marracuene e de mãe negra.

No regresso batemos fotos muito bonitas na planície!

Os cabritos também tiveram honra de fotografia!

Venda de artesanato junto do cais na margem esquerda

Já no batelão de regresso a Maputo!

Uma jangada de caniço é manobrada com perícia junto à margem direita do rio. Lá no alto, divisa-se a casa do administrador de Marracuene!



Saudações amigas, aqui da beira do Índico!

Maputo, 8 de Dezembro de 2008.

Celestino (Marrabenta)