09 August 2012

115 - ÚLTIMOS RINOCERONTES AFRICANOS EM PERIGO


RINOCERONTES DO KRUGER PARK
ALVO DE CAÇADORES FURTIVOS MOÇAMBICANOS



Com a devida vénia transcrevemos na íntegra a notícia do jornal "O País", que acabamos de receber do Dr. Vasco Galante, director de Comunicação e Turismo do Parque Nacional da Gorongosa, a quem agradecemos mais esta gentileza:

"(2012-08-09) A caça de rinocerontes para extracção do corno constitui um negócio de luxo que envolve tanto civis como membros da Polícia da República de Moçambique (PRM), particularmente da Força da Guarda Fronteira.

Trata-se de um negócio de alto risco, justamente por envolver o recurso a armas de grande calibre. Dados em nosso poder revelam que algumas armas eram retiradas, clandestinamente, do comando distrital de Massingir para a caça de rinocerontes.

A Procuradoria Distrital de Massingir está, neste momento, com vários processos-crime que envolvem agentes da Guarda Fronteira e civis envolvidos na caça furtiva, incluindo altas patentes da polícia. Todas as acções são planeadas a partir do Chókwè, Chibuto e Maputo.

Os factos

Em meados de Fevereiro do ano em curso, uma chamada telefónica desperta-nos para o que a polícia sul-africana já se vinha queixando: o recrudescimento da caça furtiva de rinocerontes, com vista à extracção do corno para a, posterior, venda a cidadãos de origem chinesa e vietnamita. Do corno retira-se mercúrio para fins supostamente medicinais.

A fonte deu-nos os rastos que nos conduziram ao apuramento da verdade, através da obtenção dos processos ora nos tribunais, no Comando-Geral da Polícia e sob domínio do ministro do Interior, Alberto Mondlane.

Cenário de guerra no Kruger park

Na verdade, o que se vive no Kruger Park é um cenário de guerra. Há relatos de dezenas de moçambicanos mortos, de Novembro passado a Julho deste ano.

Por exemplo, a 22 de Novembro do ano passado, a polícia sul-africana anunciou, sem avançar nomes, a morte de dois caçadores furtivos, todos moçambicanos, abatidos pelos “rangers”, guardas do parque nacional Kruger, na África do Sul, e a detenção de um deles.

Os dados em nosso poder, extraídos de um dos processos, ora no Comando-Geral da Polícia e no Ministério do Interior, indicam que um dos caçadores mortos no local é Silva Ngovene e o capturado é Bento Zeca Pequenino, ora nas mãos da polícia da África do Sul. Silva Ngovene é sobrinho de um curandeiro, de nome Mahetabanha, mais conhecido por Profeta.

Para a neutralização de Bento Pequenino e seus companheiros, os “rangers” solicitaram o apoio da polícia e militares da força aérea sul-africana, numa operação especial no interior do Kruger. O pedido de apoio surgiu após se terem descoberto oito rinocerontes mortos, dos quais haviam sido retirados os cornos. Na mesma noite, os caçadores foram localizados, o que culminou na troca intensa de tiros entre o grupo liderado por Pequenino e os guardas, a polícia e os militares sul-africanos. Durante a troca de tiros, dois dos moçambicanos foram mortalmente abatidos (um dos quais é Silva Ngovene) e um capturado, tendo os outros fugidos. Um dos foragidos era Gerson Chaúque, membro da Guarda Fronteira, que acabou sendo morto, no passado dia 10 de Abril, no Kruger Park, em mais uma investida contra rinocerontes.

Bento Pequenino havia sido atingido por balas, daí não ter conseguido empreender a fuga. No local, a polícia sul-africana, auxiliada por um helicóptero, teria recuperado duas das várias armas que estavam nas mãos dos furtivos. Trata-se da problemática Mauser 375 e de uma AK47, ora nas mãos da polícia sul-africana.

“Bento Zeca Pequenino que, neste momento, se encontra sob custódia policial da República da África do Sul (RAS) foi neutralizado fortemente armado, após intensos combates com as forças especiais da África do Sul. Foi capturado após ter sido gravemente ferido e na posse de uma arma tipo Mauser 375 e um outra do tipo AK47, que era usada por um dos seus comparsas abatido mortalmente no local (Silva Ngovene). Um outro furtivo pós-se em fuga com uma outra arma do tipo AK47, atirando contra a polícia sul-africana”, lê-se num dos relatos constantes dum dos processos em nosso poder.

Os ficheiros secretos

Consta que a 26 de Agosto do ano passado, três caçadores furtivos foram emboscados, na zona de Godji, a poucos quilómetros da vila de Massingir, pela Força da Guarda Fronteira de Massingir e pelos fiscais da Twin City, uma empresa que opera no Parque Nacional do Limpopo.

Na ocasião, os caçadores furtivos saíam do interior do Kruger Park, onde estiveram a caçar rinocerontes. Quando foram ordenados para se renderam, dois puseram-se em fuga e o outro entregou-se imediatamente. Trata-se de Luís Xavier, de 43 anos de idade, natural de Inhambane e residente no 1º Bairro – Cubo, em Massingir.

De imediato, iniciou um tiroteio que culminou com a morte de um dos dois que se encontravam em fuga, de nome Hamilton Chihale, natural de Inharrime, em Inhambane. O outro, Moura Valoi, conseguiu fugir, estando em parte incerta até à data. Na altura, os caçadores levavam consigo a arma Mauser Calibre 375 com o número 42666. A arma continha seis munições.

Interrogado, o “furtivo” neutralizado revelou a pessoa que o havia mandado caçar rinocerontes. Chama-se Lourenço Valoi. Este, por conseguinte, foi detido no Comando Distrital de Massingir mediante um mandado de busca e captura emitido no dia 27 de Agosto.



Agentes da Guarda Fronteira no jogo

Em face do recrudescimento da caça do rinoceronte e das informações recolhidas, iniciou-se, ao nível da polícia, o processo de purificação das fileiras. É que as informações indicam haver envolvimento de alguns elementos da Guarda Fronteira no negócio. Na sequência desse processo, foi detido Gerson Chaúque, membro da mesma corporação, para esclarecimentos e “descobriu-se o envolvimento de mais um membro, também elemento da PRM, de nome Borman Henriques”.

Depois, ficou decidido que era necessário ouvir algumas pessoas também implicadas no processo. Trata-se de indivíduos que não fazem parte da corporação. Foi assim que Martins Pequenino, irmão mais novo de Bento Pequenino, residente na Matola, foi solicitado. Na altura, Martins Pequenino encontrava-se hospedado na casa de Gerson Chaúque, natural de Inhambane.

Em declarações, Martins Pequenino, que se identificou como trabalhador da G4S, uma empresa de segurança privada, teria informado que, na altura, ia ter com o comandante Borman e Mahetabanha para que lhe passassem o dinheiro que seria usado para facilitar a soltura do seu irmão (Bento Pequenino) na África do Sul.

Borman negou as acusações e disse desconhecer o jovem Martins Pequenino. No entanto, nos telemóveis de Borman foram encontrados registos de ligações constantes entre ele e Martins Pequenino, incluindo Mahetabanha.

Bento Pequenino é que veio a esclarecer todo o processo, através de um contacto telefónico efectuado pela Polícia de Investigação Criminal moçambicana, a 30 de Novembro do ano passado, para a sua congénere sul-africana. Nesse contacto, Pequenino disse que teria recebido a arma de Borman e de Vembane, este último funcionário de uma padaria localizada na vila de Massingir, a poucos metros do Comando Distrital da PRM.

Na sequência das informação de Bento Pequenino, o Comando do 2º Regimento da Força da Guarda Fronteira comunicou ao comandante distrital da PRM de Massingir a fim de notificar Vembane e Mahetabanha, para comparecerem ao comando da Guarda Fronteira no Chókwè, de modo a que fossem ouvidos em declarações. Entretanto, o comandante distrital da PRM de Massingir, Jacinto Queco, teria rejeitado a ideia, alegando que “cabia a ele ouvir aqueles sujeitos”, porque estavam no território sob sua jurisdição.

Consta que Borman teria sido surpreendido, a 25 de Maio de 2011, por uma equipa de fiscais do Parque Nacional do Limpopo na companhia de caçadores furtivos, em Massingir Velho. Na ocasião, este empreendeu uma fuga, esquecendo-se da sua boina no mato e uma arma do tipo Mauser 375, abandonada a 300 metros do portão do parque.

Por seu turno, Gerson Chaúque negou que tivesse albergado Martins Pequenino, mas admitiu ter hospedado Bento Pequenino, ora detido na África do Sul."

Fonte: O País

O NOSSO COMENTÁRIO

Esta notícia em nada nos surpreende! Apenas confirma outras anteriores em que, por todos os países de  África detentores de rinocerontes, a caça a este fabuloso animal tem sido uma triste realidade ao ponto de, na maioria deles, ter sido já extinto, como é o caso das antigas colónias portuguesas de Angola e Moçambique.

Não é de agora, mas desde sempre, que este fabuloso animal foi alvo da cobiça dos caçadores furtivos, justamente por possuir cornos utilizados por alguns países asiáticos, desde tempos imemoriais, em diversos fármacos para cura de doenças de difícil tratamento com medicamentos convencionais. Mas não só, também usado como afrodisíaco e, ainda, para confecção de cabos de adaga usada por ricos senhores de alguns desses países, nomeadamente Iemen do Sul e Iemam do Norte.

Num estudo intitulado de "Um alerta sobre o perigo de extinção dos rinocerontes em Moçambique", que eu próprio fiz em meados dos anos oitenta e que apresentei num seminário sobre comércio de produtos da fauna bravia e implementação da CITES, realizado em Maputo, dei conta da progressiva eliminação desta espécie, que se acentuara nos cinco anos antecedentes e que a levara quási à extinção, tanto no que respeitava aos rinocerontes brancos introduzidos em 1968 na Reserva do Maputo, como aos rinocerontes pretos que poucas décadas antes se podiam contar por alguns milhares nas regiões de  Manica e Sofala, Zambézia, Tete, Cabo Delgado e Niassa.

Poucos anos decorridos após esse seminário, as informações que tínhamos era de que os rinocerontes tinham sido exterminados em todo o país, que na altura vivia uma guerra civil que muito contribuiu para este e outros massacres da rica fauna selvagem do território.

Não é estranho, pois, que o vizinho Kruger Park, onde os rinocerontes (brancos e pretos) são alvo de rigorosa protecção, tenha sido atingido pela onda de caça furtiva que grassou em Moçambique, já que os incentivos nunca deixaram de existir por parte dos traficantes internacionais do rico produto destes animais - os seus cornos!

Não é estranho, também, que muitos desses furtivos tenham sido já abatidos pelas autoridades sul-africanas, que utilizam forças do exército e meios aéreos para combater as ordas de moçambicanos que invadem o mais famoso dos Parques Naturais de África, o seu Kruger National Park!

Receio que este é um problema sem solução, sabendo mesmo que a África do Sul tem meios e vontade suficientes para defender as suas fronteiras e dar caça aos intrusos que se atrevem a penetrar nos seus parques e reservas onde preservam como ninguém este rico património da Natureza. É que, em quanto os governos dos países receptadores não tomarem as medidas necessárias para impedir o comércio desses produtos, como preconiza a própria Convenção Internacional para a Protecção e o Comércio das Espécies de Fauna e Flora em vias de extinção - CITES e a União Internacional para a Conservação da Natureza - UICN,  não deixarão de  existir as redes clandestinas de traficantes  e, consequentemente, os caçadores futivos, já que este é um produto que já ultrapassou os valores das drogas mais caras.



Resta a esperança de que aos outros parques e reservas do interior da A. do Sul, onde igualmente se desenvolvem esforços na preservação da espécie, não cheguem os furtivos moçambicanos e de outros países periféricos, que já levaram à estaca zero praticamente em todos os outros países africanos, a existência deste majestoso representante da fauna bravia terrestre, considerado dos mais antigos sobreviventes do planeta!


Saudações amigas!
9 de Agosto de 2012


Celestino Gonçalves