09 July 2007

21 - LIVROS SOBRE FAUNA BRAVIA, CAÇA E CAÇADORES DE MOÇAMBIQUE

(6)
Título

SEM ARMAS NO MEIO DAS FERAS
- A VIDA NA SELVA -

Autor: Felix Bermudes

Editora: Livraria Bertrand - Lisboa
Ano: 1959

O Autor
1 - SOBRE O AUTOR
As gerações dos dois primeiros quarteis do século passado, particularmante as mais atentas ao desporto, conheceram bem este famoso poeta, prosador, comediógrafo, desportista e teósofo, autor de várias obras com destaque para a poesia, a prosa e teatro (escreveu e adaptou 105 peças de teatro).

Mas foi como desportista que Félix Bermudes mais se notabilisou, praticando várias modalidades como hipismo, futebol, remo, ciclismo, ginástica, atletismo, esgrima, ténis, alpinismo e tiro. Foi campeão nacional, por várias vezes, em algumas destas modalidades.

Foi fundador do Sport Lisboa e Benfica, de cuja primeira equipa de futebol foi jogador e capitão. Mais tarde seria, por muitos anos, presidente da direcção deste que é o maior clube português, cargo onde granjeou enorme popularidade.

Efectuou duas viagens a Moçambique, em 1956 e 1957, tendo nessas duas ocasiões permanecido vários dias na Gorongosa, na altura ainda com o estatuto de Reserva de Caça. Este lugar fascinou-o de tal maneira que sobre ele escreveu este precioso livro, um autêntico hino ao famoso santuário de fauna bravia considerado naquela época o melhor de África. As narrativas dessas excursões e as observações ali contidas, constituem um dos melhores documentos elaborados durante a época colonial sobre o Parque Nacional da Gorongosa e que contribui, na actualidade e no futuro, para se conhecer a sua história e naturalmente para se elaborarem e concretizarem projectos de reabilitação que conduzam ao equilíbrio eco-biológico dos ecossistemas ricos que albergavam e sustentavam uma fantástica fauna que foi dizimada devido às guerras que grassaram no país de 1964 a 1992.

Exemplos flagrantes dos importantes dados históricos focados no livro são os respeitantes às grandes manadas de animais que povoavam as savanas e planícies (o autor teve o privilégio de observar uma das maiores, se não a maior, manadas de búfalos de África, com cerca de 5.000 exemplares); fotografou milhares de hipopótamos no rio e lago Urema; presenciou a ocupação do acampamento do Sungué por grupos de leões e fotografou-os dentro, em cima e ao lado do edifício que fora o restaurante (seis deles sobre o telhado).


Ali começava o mar de búfalos...
Hipopótamos que fazem sala de estar...


Seis leões em cima do telhado...


2 - SOBRE O LIVRO

Este pequeno livro, de apenas 91 páginas, constitui, como acima se disse, um valioso documento histórico sobre o Parque Nacional da Gorongosa. Não resistimos em reproduzir o capítulo "O Solar dos Leões", para recordar aquele maravilhoso espectáculo tal como foi visto por este insigne escritor:

"A mais elementar das lógicas parecia aconselhar, na organização de uma Reserva de animais selvagens, que todos os serviços do acampamento fossem instalados no centro do território. Demonstrou, porém, a experiência que a lógica, às vezes, não passa duma batata. O movimento diário das funções administrativas e hoteleiras, agravado com o turismo, acabou por tornar tão familiares as próprias feras, que ameaçavam transformá-las em bichos de capoeira, capazes de vir comer à mão. Era preciso que os animais se deixassem ver a boa distância, mas seria incoerente e decepcionante ter de lhes pedir licença para passar.
Reconheceu-se, portanto, que se tornava imperativo transferir o acampamento para a entrada do território mais próxima da cidade da Beira. Com actividade e zelo, aproveitando os ensinamentos da experiência, foi construído o acampamento actual e abandonado o primeiro. Logo uma família de sete leões tomou posse de todos os recintos, incluindo o terraço do restaurante de que fizeram solário. Aprenderam, não se sabe como, a servir-se da escada exterior. em caracol. Arvoraram o interior das casas em abrigos, alcovas e maternidades e passaram a organizar uma vida citadina. O mercado é ali à beirinha, o próprio "tando", onde dezenas de milhar de antílopes se oferecem à escolha do freguês. Outros leões se foram juntando à primeira família, para usufruirem todo este conforto de civilização, e quando lá fui pela primeira vez já o burgo comportava mais de trinta.
Hoje, o antigo acampamento é um dos atractivos mais aliciantes do programa turístico da Reserva e constitui romagem obrigatória dos visitantes.
As fotografias tomadas neste bairro leonino fornecem-nos as cenas mais inéditas e mais inesperadas: um leão à janela (fig.1); uma leoa com as patas traseiras a sair duma porta e as dianteiras a entrar noutra (fig.2); leões estirados nas soleiras das portas (fig.3). Mas o espectáculo mais inacreditável a que jamais assistimos e àvidamente focámos na câmara, foi o de seis leões em cima do telhado (fig.4).
Como os fotografássemos insistentemente, a uns oito metros, acabaram todos por descer pacatamente a escada de caracol, espalhando-se cá por baixo, onde já se encontrava estirada uma dúzia deles.
Imediatamente ligada à cidade dos leões, estende-se a vasta planura rasa, ocelada aqui e além de charcos que servem de bebedouro e onde se espraiam, a perder de vista, dezenas de milhar de antílopes, gazelas, zebras, bois-cavalos, sem contar os palmípedes que enxameiam os lagos. À hora das refeições, um grupo de dois ou mais senhores da selva, saem as portas da cidade e vão ali, ao açougue, escolher uma rez. A operação é simples e rápida. Um dos felinos agacha-se, cosido à terra, e os outros enxotam-lhe para cima um herbívoro, que é colhido à passagem. Uma patada na nuca ou um estorcegão no pescoço e fica resolvido o problema dos abastecimentos.
Vida simples, fácil, confortável, a dos fidalgos de juba instalados neste solar feudal, cujo brazão é todo carregado de leões."

NOTA: Por feliz coincidência o nosso amigo Fernando Gil acaba de publicar na íntegra, no seu Blog "Moçambique para todos", este livro. Vale a pena ver. AQUI

Marrabenta, Julho de 2007
Celestino Gonçalves

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