Estes os títulos de apresentação do autor na página zero do livro, acompanhados das seguintes notas curriculares:
“Nasceu em Lourenço Marques, em 18 de Agosto de 1920, nesta cidade tendo feito os estudos primário e secundário, depois do que esteve em Portugal durante o período de 1940-1946, ali se tendo licenciado em Medicina Veterinária.
Regressado à sua terra natal, após a formatura, nela actuou sempre, integrado em diversas instituições do Estado (Serviços de Veterinária e Missão de Combate às Tripanossomíases), onde atingiu os escalões de médico-veterinário-chefe e de investigador.
Após a instituição em Moçambique do ensino universitário, decidiu abraçar esta carreira, durante ela se tendo doutorado em Medicina Veterinária e ascendido à posição de professor catedrático, em que actualmente se encontra.
Durante a sua já longa actividade profissional, subscreveu para cima de 250 trabalhos de natureza científica, além de mais de uma centena de artigos de divulgação técnica e de grande número de escritos jornalísticos, parte dos quais sob o pseudónimo de “Moçam-Said”.
Mercê da sua acção, durante para cima de vinte anos, estreitamente relacionada com os problemas da mosca tsé-tsé e da fauna bravia, votou ao estudo desta a maior das atenções, preocupando-se sobremaneira com as questões da conservação da Natureza.
O presente trabalho é, em parte, fruto dessa sua dedicação aos problemas da fauna selvagem.”
Estas notas, só por si, revelam estarmos em presença de uma figura de relevante dimensão académica e profissional, pela sua formação, pelos cargos que desempenhou e pelos trabalhos que publicou, uma boa parte dos quais sobre a fauna bravia moçambicana. Ele foi, seguramente, quem mais obras, estudos, artigos e outros trabalhos de divulgação sobre a fauna selvagem de Moçambique escreveu e publicou, todas elas (mais de sessenta), se encontram identificadas na lista bibliográfica deste seu “Abecedário dos Mamíferos Selvagens de Moçambique”. Ficou célebre a série de 50 trabalhos de divulgação dos mamíferos, intitulada “Fauna selvagem de Moçambique”, iniciada em 1968 e terminada em 1973 e que foi publicada na revista “Rádio Moçambique” e no “Notícias da Tarde”. A parte mais significativa desta série seria posteriormente utilizada pelos Serviços de Fauna Bravia como material de divulgação junto dos agentes de fiscalização.
O entusiasmo que o professor Dr. Travassos Dias nutria pela fauna bravia levava-o a visitar todos os recantos de Moçambique para conhecer e estudar o comportamento das espécies, para além dos estudos que lhe estavam atribuídos como investigador da Missão de Combate às Tripanossomíases. Foi numa dessas campanhas que o conheci, em 1958, quando se encontrava acampado no interior da circunscrição de Palma, norte de Moçambique. Desde então até à sua morte recente em Lisboa, mantivemos estreita ligação de amizade e colaboração, que se estendeu a suas filhas Paula e Isabel, ambas igualmente médicas veterinárias.
Como professor catedrático da Faculdade de Veterinária da Universidade Eduardo Mondlane, o autor dedicou especial interesse ao estudo do ramo da fauna bravia, introduzindo no currículo do curso matéria bastante desenvolvida sobre este sector e uma carga horária que incluía deslocações ao campo, por vezes com prolongadas estadias em locais de maior densidade animal, como eram as coutadas, os parques e as reservas, trabalhos esses por ele dirigidos pessoalmente. Numa dessas deslocações, ao complexo de Marromeu (Província de Sofala), em 1978, onde decorria a “Operação Búfalo”, cujo abate atingiu mais de 600 animais, o professor levou ali um grupo de alunos que acompanhou de perto as actividades de caça, procedeu a colheitas de material para posterior análise no laboratório e fez estudos sobre esta e outras espécies que povoam a extensa bacia do Zambeze.
Naturalmente que o entusiasmo do professor se transmitiu aos alunos, alguns deles seguiram mesmo o ramo da fauna bravia onde ocuparam e ocupam ainda cargos de vanguarda na direcção deste importante sector animal. O primeiro director-residente moçambicano do Parque Nacional da Gorongosa, no início da década de 70, Dr. Albano Cortês, assim como o actual veterinário responsável do mesmo Parque, Dr. Carlos Lopes Pereira, são exemplos dessa formação e dedicação.
Paralelamente às funções que exercia como professor catedrático, o Dr. Travassos Dias era chamado a desempenhar diversos cargos honoríficos, como foram os de Vogal do Conselho de Protecção da Natureza, membro de várias comissões representativas da pecuária e fauna de Moçambique e de director do Museu de História Natural. Foi também co-fundador da Associação de Protecção da Natureza de Moçambique, um organismo que congregou a mais fina nata de conservacionistas do território e que muito pesou nas decisões governamentais relativamente às leis que foram estabelecidos nas duas décadas que antecederam a independência do país.
O professor Travassos Dias levou toda a sua vida profissional em Moçambique a estudar os parasitas dos animais (domésticos e selvagens), notabilizando-se como um dos mais consagrados cientistas deste ramo a nível mundial. Por norma cada um dos agentes, pecuaristas ou faunísticos , espalhados pelo interior do território, era um seu colaborador enviando-lhe material colhido dos mais diversos mamíferos, do mais pequeno rato ao elefante, tudo por ele programado e orientado, incluindo quanto aos recipientes de armazenamento e embalagens de remessa por correio.
O Professor Dr. Travassos Dias, em 1950,
(Foto gentilmente cedida por sua filha Drª Isabel Travassos Dias)
Da esquerda para a direita: Luís Pedro Sá Mello (Caçador-Guia); Celestino Gonçalves (Fiscal de Caça-Chefe); Professor Dr. Travassos Dias (Professor Universitário e Director do Museu de História Natural); Dr. Armando José Rosinha (Médico Veterinário, Director dos Serviços de Fauna Bravia).
com o Dr. Armando Rosinha (esquerda) e o caçador guia António Sá Mello
(Foto de C.Gonçalves)
2 – NOTAS SOBRE O LIVRO
O aparecimento da primeira edição do “Abecedário dos Mamíferos Selvagens de Moçambique”, em 1975, em que o autor teve a colaboração do seu colega do Museu de História Natural, Dr. Augusto Cabral, foi acolhido em Moçambique com o mais vivo interesse tanto da parte das pessoas envolvidas no sector da fauna bravia, como dos caçadores e de todos os curiosos que até então nunca haviam encontrado semelhante obra de cariz técnico acerca dos animais selvagens do país. O ano que corria era o da independência e esta feliz coincidência mais interesse despertou por esta obra inédita, uns por necessidade de conhecer o património em causa (casos dos agentes da fiscalização, estudantes dos ramos da biologia, candidatos a lugares públicos ligados às florestas e à fauna, etc.), outros pelo simples gosto pelas coisas da natureza do novo país.
A obra esgotar-se-ia rapidamente e isso motivou o autor a preparar uma nova edição, agora mais cuidada e aumentada, que só viria a ser publicada em 1981 depois de vencidas enormes dificuldades relacionadas com os respectivos custos. Curiosamente e devido à ausência do autor em Lisboa, dei a minha colaboração, a seu pedido, em várias fases do processo, nomeadamente junto do Instituto Nacional do Livro e do Disco, organismo estatal que assumiu os encargos de publicação e distribuição dos 5.000 exemplares desta segunda edição.
Este valioso “ABECEDÁRIO”, de 271 páginas, passou a funcionar para Moçambique como funcionava (e ainda funciona) desde 1951 para a África do Sul o famoso livro “The Mammals of South Africa”, da autoria de Austin Roberts, uma obra de 700 páginas que teve uma segunda edição em 1954 e é considerada ainda hoje o mais importante tratado sobre os mamíferos selvagens daquela região africana. Este trabalho, também conhecido pela “bíblia dos mamíferos selvagens da África do Sul”, por abranger praticamente todos os mamíferos de Moçambique, acabaria por ser adoptado pela Comissão Central de Caça da Colónia, em 1958, para guia de estudo dos seus dirigentes, técnicos e agentes de fiscalização. O exemplar que me foi distribuído nesse ano, quando prestava serviço em Cabo Delgado, tal como o "ABECEDÁRIO", são guardados religiosamente junto dos livros da especialidade que consegui reunir durante a minha carreira e vezes sem conta têm sido utilizados para tirar dúvidas a pessoas que me consultam sobre a fauna africana.
A obra de Travassos Dias, embora menos desenvolvida científicamente e abrangendo menor número de pequenos mamíferos que a de Austin Roberts, veio sem dúvida resolver a falta que se fazia sentir de um tratado específico sobre os mamíferos de Moçambique. Ela aborda as espécies mais significativas do território, desde o rato das canas até ao maior dos mamíferos terrestres – o elefante –, abrangendo cerca de 90 espécies e subespécies, com fotos, desenhos e descrições das mais completas, algumas delas até então nunca tratadas em qualquer obra do género sobre a fauna silvestre moçambicana, nomeadamente: a distribuição das espécies no território; as principais características biométricas (comprimento, altura e peso) e fisiológicas (tipo alimentar, período de gestação, período dos nascimentos, número de filhos por ninhada e longevidade); a correspondência vernacular dos nomes das espécies com indicação de dezassete dos idiomas mais falados em Moçambique.
Para além do cariz técnico desta obra, o autor deixa ali preciosos ensinamentos sobre o comportamento dos animais bravios no seu habitat e a sua importância no equilíbrio da Natureza. Mais ainda, ajuda-nos a desfazer o mito de “animais ferozes” e “animais nocivos” que prevaleceu até aos nossos dias e que muito justamente os cientistas e outros estudiosos de todos os quadrantes já comprovaram ser falso, seja em relação a que animal for deste nosso planeta!
Na “Introdução” do “ABECEDÁRIO”, o autor deixa transparecer a sua grande paixão pela defesa e conservação do património faunístico do país onde nasceu e a sua enorme satisfação por ter produzido este trabalho, quiçá o último de vulto de tantos outros que ao longo da sua carreira escreveu. Dedicou esta obra aos “continuadores” moçambicanos, que encorajou no sentido de melhor conhecerem e amarem tão valioso património.
Marrabenta, Agosto de 2007
Celestino Gonçalves
2 comments:
O Jaime era uma pessoa maravilhosa. Tive a sorte, a honra, o orgulho de poder falar com ele em registo familiar pois ele era primo do meu marido. Era um ser humano fascinante, não só pelo seu saber cientifíco, como também pela sua bonomia, espírito que tudo compreendia, um exemplo de tolerância. Guardo do jaime a melhor recordação. Apesar de ter nascido em Moçambique, foi aqui em Portugal que o conheci. Obrigada pela recordação!
Boas tardes Sr. Celestino Gonçalves
Quem diria que uma pessoa que tanto leio no grupo do MSN, LM/MAPUTO era tão amigo do meu tio Jaime. O meu tio deixou-nos muitas saudades pois sempre foi uma pessoa brincalhona e bem disposta. Grata pela homenagem que lhe fez aqui.
Um beijinho
Fernanda Simões
(LADIGUE)
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