CARTAS DA BEIRA DO ÍNDICO
(6)
FÉRIAS EM MOÇAMBIQUE
(2008/2009)
FIM DE SEMANA NA MACANETA

A família havia programado esta saída no início da semana, sem adivinhar que as chuvas e os ventos viessem com tanta intensidade nos dias seguintes.
Havia que aproveitar a vaga na casa de praia do amigo Ferrão, que sempre a coloca à disposição, por isso nem que as chuvas continuassem ninguém desistia de avançar, tanto mais que era conhecida a minha ansiedade de rever a Macaneta e tomar lá uns bons banhos naquela águas límpidas e temperadas que o Índico nos fornece aqui bem perto da capital!
Manhã cedo, com o céu carregado de nuvens escuras e ventania de levar os plásticos para fora dos contentores, partimos com as bagageiras cheias do necessário para não passar fome nem sêde. O resto não falta no bonito e bem apetrechado acampamento que fomos ocupar!

Como já disse anteriormente, sair da cidade de Maputo para rumar ao norte pela estrada nacional nº 1, é um suplício e quase uma aventura, tal o movimento do trânsito (com os chapas a complicar) e o estrangulamento das artérias que conduzem à mesma via. Um problema que há muitos anos se diz estar em vias de solução, mas que ninguém vê como e quando!
Chegados a Marracuene (a nossa querida antiga Vila Luísa), a ventania parecia ser mais branda e o entusiasmo redobrou quando chegamos ao cais da travessia do rio, pois ali vive-se em permanência o agradável e colorido espectáculo do vai-vem das pessoas e das viaturas que utilizam o batelão entre as duas margens. Conversa-se com os simpáticos vendedores de artesanato, amendoim, cajú, fruta, peixe, etc., bebe-se um refresco (ou uma cervejinha) num dos bares, batem-se fotos a torto e a direito e o tempo passa depressa, mesmo, como foi o caso, ter de esperar cerca de uma hora e meia pela nossa vez!
E tivemos sorte, porque as chuvas desencorajaram muitos turistas e pessoas da capital que têm casa na Macaneta a irem lá este fim de semana! Em dias de grande movimento, chega-se a ficar três, quatro e mais horas na fila de espera!
Não foi surpresa para nós, logo que saímos do batelão, termos deparado com o péssimo estado da estrada que dali segue até às dunas da Macaneta, que é de terra batida. Um autêntico riacho, com buracos e matope a fazer-me lembrar os meus velhos tempos do mato!
Só viaturas 4x4 vencem este trajecto nas actuais circunstâncias e mesmo assim é preciso muita cautela e perícia para não derrapar para as bermas, pois dali só um guindaste retiraria a viatura!

Para uma distância tão pequena como aquela (5 Km até às dunas), não se compreende como ainda não foi resolvido este problema, com um aterro e estrada a sério, tanto mais que as autoridades desde há cerca de dez anos a esta parte que incentivam o interesse da população citadina pela aquisição de pequenos lotes de terreno (para construção obrigatória) na Macaneta e fizeram ali um investimento muito maior que foi a electrificação de toda a área concessionada. Actualmente podem contar-se por largas centenas as casas de praia (prefiro chamar-lhes de acampamentos) que ali foram construídas nos últimos cinco anos e consta que, em toda a área demarcada, que é bem grande, não existe um único talhão vago!
O lote onde o nosso amigo Ferrão construíu o seu complexo, situa-se a três quilómetros para norte do cruzamento da cantina da Macaneta. Mas o parcelamento continua por mais alguns quilómetros para norte, ocupando, a partir dali, toda a antiga concessão do bem conhecido Manuel Sarnadas, ex-despachante oficial de Lourenço Marques (actual Maputo), industrial de safaris e criador de gado, cujos vestígios das infraestruturas de parcelamento que ele ali iniciou com grande entusiasmo, ainda são visíveis, inclusivé partes de ruas alcatroadas, lancis de arruamentos, armazém e até velhas casuarinas que escaparam às razias dos fabricantes de carvão!

A galeria florestal que reveste as dunas da Macaneta é um deslumbramento de verdes de vários tons e está agora protegida pelos próprios donos dos talhões de meio hectar cada. Ela rejuvenesce a olhos vistos, depois de anos e anos de degradação implacável por parte de turistas sem escrúpulos (os chamados turistas da banana) que invadiam as dunas e cortavam a torto e a direito para instalar os seus acampamentos selvagens. As próprias populações, por necessidade de lenha e até para negócio, vinham devastando completamente esta maravilhosa floresta antes das medidas governamentais que em boa hora determinaram este parcelamento.
Uma das espécies mais significativas da zona, a imponente chanfuta (o mogno africano), de folha permanente e de copas frondosas, outrora muito abundante e ali protegida por lei, foi a mais sacrificada e praticamente devastada pelos fabricantes de carvão durante o período da guerra civil que durou 16 anos e só terminou em 1992. Felizmente que já se vêem, aqui e ali, pequenas árvores desta espécie, um milagre da natureza!
Durante o fim de semana que ali passamos recordei as minhas primeiras idas à Macaneta, no longínquo ano de 1952! Isto porque naquela época a praia não tinha presença humana para além de uns poucos visitantes que esporadicamente vinham ali de barco e de poucos pescadores locais, tal como agora que se encontrava vazia!
Uma imensidão de areias brancas batidas pelas moderadas ondas do Índico, divisando-se para sul a restinga de dunas que separa o rio do oceano, até à foz e, mais longe, a silhueta da ilha da Xefina. Para norte, depois de uma recta de alguns quilómetros, vislumbra-se a grande curva que mais ou menos em frente à vila da Manhiça alonga o continente para o mar!

Mais recentemente, quando abri o meu primeiro site - www.geocities.com/Vila_Luisa - recompuz essa crónica, com o título "O meu primeiro contacto com a fauna bravia de Moçambique" e coloquei-a na página de "Crónicas & Narrativas", de onde já foi retirada por falta de espaço mas que brevemente voltarei a publicar.
Voltar à Macaneta é sempre muito gratificante, pelas boas recordações que me traz dos tempos em que, ali pertinho, na bonita Vila Luisa da extinta toponímia colonial, iniciei a minha carreira em Moçambique e onde casei com a parceira que me acompanha pacientemente há mais de meio século!
Não obstante o peso da idade, voltei a mergulhar naquelas águas temperadas e límpidas, a chapinhar na espuma das ondas e a correr no chão firme da beira mar, com a sensação de um ser alado que voa para o infinito!
Depois, na sombra do guarda-sol, olhei extasiado e orgulhoso para as minhas netas, também elas felizes por estarem ali a desfrutar daquela imensidão de praias, em plena liberdade, como se fossem nossas!
Cumpri uma vez mais este desígnio e fá-lo-ei enquanto as forças o permitirem!
REPORTAGEM FOTOGRÁFICA

Quem vai para o mar...avia-se em terra!
Já em Marracuene, na descida para o batelão

Tivemos que esperar por três carregamentos iguais a este!


























7 comments:
Olá Amigâo: Eu continuo a ler e a beber as tuas palavras escritas nas tuas cartas.
Parece que estou a acompanhar-te. Continua se fazes favor.
Um abraçâo
Victor "H"
è com 1001 prazeres que leio e releio tuas imagens fotográficas que teus olhos filmam trazendo-me saudade de meu tempo de menino do mato,, empoleirado nos currais dos bois respirando aquele cheiro a curral por vezes acompanhando os bois no meio do vasto rio incomáti ouvindo sempre o cantar daqueles passarinhos que se ouvem e se vem baloiçando naqueles ninhos de capim enterlaçado pendurados nos extremos raminhos finos tombalalando ao sabor da brisa amena á beira rio....o meu rio INCOMÀTI (ncomàti).....
è com 1001 prazeres que leio e releio tuas imagens fotográficas que teus olhos filmam trazendo-me saudade de meu tempo de menino do mato,, empoleirado nos currais dos bois respirando aquele cheiro a curral por vezes acompanhando os bois no meio do vasto rio incomáti ouvindo sempre o cantar daqueles passarinhos que se ouvem e se vem baloiçando naqueles ninhos de capim enterlaçado pendurados nos extremos raminhos finos tombalalando ao sabor da brisa amena á beira rio....o meu rio INCOMÀTI (ncomàti).....
Mais esta devorada e re devorada...e agora venha a 7 e por ai fora. Essas aguas do Indico sao unicas meus amigos...por isso "velho" e familia, usem e abusem delas e tira muitas fotos para o ze povinho deslumbrar-se...e viva o Sporting
Bjos e abcs para todos
Carlos Schmidt
Olá queridos tios Lurdes e Clestino.
Tenho vindo entusiasticamente lendo as crónicas 2008 da Beira do Índico, e estou num estado de crescendo entusiasmo pelas narrativas fabulosas que venho lendo. A escrita acessível e a exposição detalhada e pormenorizada das situações vividas nessas deslocações, deixam-me em completo extase parecendo incluvé, que sinto os cheiros dos sítios por onde vocês têm passado. E hoje, principalmente hoje, ao relêr a crónica de 2004, cada vez mais admiro a clareza de ideias e o sentido de justiça que pautam uma das pessoas que admiro particularmente e de quem tenho a felicidade de ser amigo e poder, de quando em vez, ouvir ao vivo.
"Durante as visitas que fazemos a Marracuene, evitamos sempre passar em frente de qualquer das sete casas (5 lojas e 2 residências) que a família ali possuía. Procuramos assim evitar choques emocionais que naturalmente invadem qualquer cidadão que viu os seus bens desaparecerem de um dia para o outro, sem qualquer compensação, graças à chamada “descolonização exemplar” conduzida pelos senhores Mário Soares, Almeida Santos e outros “patriotas” de caca que conspurcaram o poder em Portugal no pós 25 de Abril de 1974.
As nossas netas, à medida que vão crescendo, vão-se apercebendo que os seus antepassados fizeram parte de uma história que está mal contada, sobretudo pelos extremistas (marxistas, leninistas, maoistas e estalinistas) que na altura governaram o país e que foram responsáveis pela situação desastrosa, mesmo de penúria, em que ficaram praticamente todos os portugueses das ex-colónias que se viram forçados a partir de mãos a abanar deixando para trás o produto de toda uma vida de trabalho. Mais, foram ainda responsáveis pela animosidade com que essas pessoas foram recebidas na metrópole, onde as trataram por “retornados”, uma palavra que estigmatizou de forma degradante toda essa gente laboriosa!
Quero ser bem claro, para não correr o risco de ser apontado injustamente como inimigo da descolonização, que este desabafo nada tem contra o direito que o povo de Moçambique teve à sua independência. Isto está fora de causa e esta posição tive-a sempre e mantenho-a inalterável. Com o que não concordo e tenho afirmado abertamente, é com a atitude da parte portuguesa que não defendeu os direitos dos seus cidadãos e continua a não assumir a sua responsabilidade junto daqueles que, como a minha família, perderam aqui e nas outras ex-colónias, todos os seus bens."
in crónicas da Beira do Índico, 2004
Subscrevo inteiramente tudo quanto consta neste relato pessoal o qual demonstra o carácter e a evidência de sentimentos do mais nobre que se pode vislumbrar nos dias que passam.
Beijos e abraços para todos, dos vossos amigos
Francisco, Céu, Catarina e Patrícia
Mais um fim-de-senana em família, mais lindos momentos de boa disposição e felicidade familiar contagiante.
Um grande abraço,
MPalhares
Post a Comment