07 December 2008

43 - CARTAS DA BEIRA DO ÍNDICO (6)



CARTAS DA BEIRA DO ÍNDICO

(6)


FÉRIAS EM MOÇAMBIQUE
(2008/2009)



FIM DE SEMANA NA MACANETA


Tal como já sucedera com o fim de semana alargado na praia do Xai-Xai, em Novembro passado, também não fomos muito bem sucedidos com a ida à Macaneta neste último fim de semana, já que as chuvas e fortes ventos dos dois dias anteriores roubaram parte do prazer e até do conforto que sempre se espera ter quando se sai de casa, sobretudo quando se vai a uma praia!

A família havia programado esta saída no início da semana, sem adivinhar que as chuvas e os ventos viessem com tanta intensidade nos dias seguintes.
Havia que aproveitar a vaga na casa de praia do amigo Ferrão, que sempre a coloca à disposição, por isso nem que as chuvas continuassem ninguém desistia de avançar, tanto mais que era conhecida a minha ansiedade de rever a Macaneta e tomar lá uns bons banhos naquela águas límpidas e temperadas que o Índico nos fornece aqui bem perto da capital!
Manhã cedo, com o céu carregado de nuvens escuras e ventania de levar os plásticos para fora dos contentores, partimos com as bagageiras cheias do necessário para não passar fome nem sêde. O resto não falta no bonito e bem apetrechado acampamento que fomos ocupar!
Com é hábito, usam-se os dois carros da família porque o clã ultrapassa os cinco lugares de um só. Quando as netas eram pequenas bastava um, mas agora já não é cómodo para elas e nem a polícia tolera o excesso de passageiros!

Como já disse anteriormente, sair da cidade de Maputo para rumar ao norte pela estrada nacional nº 1, é um suplício e quase uma aventura, tal o movimento do trânsito (com os chapas a complicar) e o estrangulamento das artérias que conduzem à mesma via. Um problema que há muitos anos se diz estar em vias de solução, mas que ninguém vê como e quando!
Chegados a Marracuene (a nossa querida antiga Vila Luísa), a ventania parecia ser mais branda e o entusiasmo redobrou quando chegamos ao cais da travessia do rio, pois ali vive-se em permanência o agradável e colorido espectáculo do vai-vem das pessoas e das viaturas que utilizam o batelão entre as duas margens. Conversa-se com os simpáticos vendedores de artesanato, amendoim, cajú, fruta, peixe, etc., bebe-se um refresco (ou uma cervejinha) num dos bares, batem-se fotos a torto e a direito e o tempo passa depressa, mesmo, como foi o caso, ter de esperar cerca de uma hora e meia pela nossa vez!

E tivemos sorte, porque as chuvas desencorajaram muitos turistas e pessoas da capital que têm casa na Macaneta a irem lá este fim de semana! Em dias de grande movimento, chega-se a ficar três, quatro e mais horas na fila de espera!
Não foi surpresa para nós, logo que saímos do batelão, termos deparado com o péssimo estado da estrada que dali segue até às dunas da Macaneta, que é de terra batida. Um autêntico riacho, com buracos e matope a fazer-me lembrar os meus velhos tempos do mato!

Só viaturas 4x4 vencem este trajecto nas actuais circunstâncias e mesmo assim é preciso muita cautela e perícia para não derrapar para as bermas, pois dali só um guindaste retiraria a viatura!

Para uma distância tão pequena como aquela (5 Km até às dunas), não se compreende como ainda não foi resolvido este problema, com um aterro e estrada a sério, tanto mais que as autoridades desde há cerca de dez anos a esta parte que incentivam o interesse da população citadina pela aquisição de pequenos lotes de terreno (para construção obrigatória) na Macaneta e fizeram ali um investimento muito maior que foi a electrificação de toda a área concessionada. Actualmente podem contar-se por largas centenas as casas de praia (prefiro chamar-lhes de acampamentos) que ali foram construídas nos últimos cinco anos e consta que, em toda a área demarcada, que é bem grande, não existe um único talhão vago!
O lote onde o nosso amigo Ferrão construíu o seu complexo, situa-se a três quilómetros para norte do cruzamento da cantina da Macaneta. Mas o parcelamento continua por mais alguns quilómetros para norte, ocupando, a partir dali, toda a antiga concessão do bem conhecido Manuel Sarnadas, ex-despachante oficial de Lourenço Marques (actual Maputo), industrial de safaris e criador de gado, cujos vestígios das infraestruturas de parcelamento que ele ali iniciou com grande entusiasmo, ainda são visíveis, inclusivé partes de ruas alcatroadas, lancis de arruamentos, armazém e até velhas casuarinas que escaparam às razias dos fabricantes de carvão!
O acampamento do nosso querido amigo Valeriano Ferrão (o primeiro embaixador de Moçambique nos USA), para além de um bungalow de dois grandes quartos, casa de banho e ampla varanda, dispõe de uma machese, casa de empregado, cozinha externa, casa de gerador, poço com bomba eléctrica, depósito elevado para água, chuveiro externo e uma original mesa para refeições construída de grossas vigas de madeira de cimbirre (ou mecrusse). O terreno está literalmente aproveitado, com casuarinas em toda a periferia, bem ajardinado, com árvores de fruto (papaias e mangueiras) e até uma pequena horta onde não faltam a batata doce, feijão nhemba, couve tanganica, abóbora, beringelas, cebola, pimentos, alho francês e o indispensável piripiri (bem sacana por sinal)! Tudo isto sem prejuízo para as árvores nativas que lá estavam, cujas copas fornecem a inestimável sombra e embelezam o local, como canhoeiros, mafurreiras, pequenas chanfutas, macuácuas, massalas, maembes e as frondosas munangates, onde, ao abrigo de uma delas, está a mesa rústica das refeições!
A galeria florestal que reveste as dunas da Macaneta é um deslumbramento de verdes de vários tons e está agora protegida pelos próprios donos dos talhões de meio hectar cada. Ela rejuvenesce a olhos vistos, depois de anos e anos de degradação implacável por parte de turistas sem escrúpulos (os chamados turistas da banana) que invadiam as dunas e cortavam a torto e a direito para instalar os seus acampamentos selvagens. As próprias populações, por necessidade de lenha e até para negócio, vinham devastando completamente esta maravilhosa floresta antes das medidas governamentais que em boa hora determinaram este parcelamento.

Uma das espécies mais significativas da zona, a imponente chanfuta (o mogno africano), de folha permanente e de copas frondosas, outrora muito abundante e ali protegida por lei, foi a mais sacrificada e praticamente devastada pelos fabricantes de carvão durante o período da guerra civil que durou 16 anos e só terminou em 1992. Felizmente que já se vêem, aqui e ali, pequenas árvores desta espécie, um milagre da natureza!

Durante o fim de semana que ali passamos recordei as minhas primeiras idas à Macaneta, no longínquo ano de 1952! Isto porque naquela época a praia não tinha presença humana para além de uns poucos visitantes que esporadicamente vinham ali de barco e de poucos pescadores locais, tal como agora que se encontrava vazia!

Uma imensidão de areias brancas batidas pelas moderadas ondas do Índico, divisando-se para sul a restinga de dunas que separa o rio do oceano, até à foz e, mais longe, a silhueta da ilha da Xefina. Para norte, depois de uma recta de alguns quilómetros, vislumbra-se a grande curva que mais ou menos em frente à vila da Manhiça alonga o continente para o mar!

Recordei, em especial, a primeira vez que fui à Macaneta usando como via o próprio rio e como meio uma frágil almadia de pescador. Foi uma verdadeira odisseia, no meio de hipopótamos e crocodilos, muito abundantes na época mas infelizmente extintos durante o conturbado período de guerra. Essa foi mesmo a minha primeira aventura em África e inspirou-me, três anos depois, a escrever a minha primeira crónica para o Notícias e que viria a ser o ponto de partida para uma prolongada colaboração como correspondente deste jornal em vários pontos do território!

Mais recentemente, quando abri o meu primeiro site - www.geocities.com/Vila_Luisa - recompuz essa crónica, com o título "O meu primeiro contacto com a fauna bravia de Moçambique" e coloquei-a na página de "Crónicas & Narrativas", de onde já foi retirada por falta de espaço mas que brevemente voltarei a publicar.

Voltar à Macaneta é sempre muito gratificante, pelas boas recordações que me traz dos tempos em que, ali pertinho, na bonita Vila Luisa da extinta toponímia colonial, iniciei a minha carreira em Moçambique e onde casei com a parceira que me acompanha pacientemente há mais de meio século!

Não obstante o peso da idade, voltei a mergulhar naquelas águas temperadas e límpidas, a chapinhar na espuma das ondas e a correr no chão firme da beira mar, com a sensação de um ser alado que voa para o infinito!

Depois, na sombra do guarda-sol, olhei extasiado e orgulhoso para as minhas netas, também elas felizes por estarem ali a desfrutar daquela imensidão de praias, em plena liberdade, como se fossem nossas!

Cumpri uma vez mais este desígnio e fá-lo-ei enquanto as forças o permitirem!



REPORTAGEM FOTOGRÁFICA


Quem vai para o mar...avia-se em terra!

Já em Marracuene, na descida para o batelão




Tivemos que esperar por três carregamentos iguais a este!

Os nossos carros embarcam ao mesmo tempo! Uma manobra para não desiquilibrar o batelão.

Peixe serra vindo da Macaneta!

Mãe e filha, durante a travessia do Incomáti!

O Joy (meu genro) durante a travessia
Avô e netas quase a chegar à outra margem

O "Terrano" da Paula desembarca na margem esquerda!

As chuvas haviam caído, implacáveis, nos dois últimos dias!

Cinco quilómetros de estrada (terra batida) desde o rio às dunas da Macaneta, transformados num autêntico riacho cheio de buracos e matope. Uma lástima!

O bonito e cómodo bungalow que nos esperava!

O acampamento (aqui mais designado por casa de praia) visto do parrot (ou machese) situado numa elevação de onde se avista uma bela paisagem! O tipo de construção e os materiais empregues não agridem a beleza da zona!

Primeiros momentos de descontracção após a chegada!

O velho também tem direito...ao descanso!

Mãe (Paula) e filha (Dania) mais nova divertem-se!

Mãos ao trabalho, que a fome é muita! Os velhos têem estatuto de observadores!

Entretanto a neta mais velha (Maura) diverte-se no bonito cenário do acampamento!

A mais nova preferiu o ripanço nesta improvisada cama!

Finalmente o almoço neste encantador lugar! A mesa de cimbirre (ou mecrusse) condiz perfeitamente com o ambiente rústico do acampamento!

Uma jovem árvore maembe cujo fruto é muito apreciado, tanto para comer como para fazer bebida tradicional!

Maembes e mangas!

Quem se lembra das massalas?

E das macuácuas?

Finalmente, os pés na areia da Macaneta! Mas o primeiro dia esteve agreste, como se pode imaginar pelas indumentárias!

Deu para umas corridinhas à beira mar e beves mergulhos!...

Mas no dia seguinte, com sol e sem a ventania forte da véspera, desforrei-me!...

Até dizer, basta!...
As netas chegaram atrasadas à praia!...
Mas aproveitaram bem com o pai! As nuvens ainda estavam carregadas, mas o dia esteve lindo e o mar muito mais calmo que na véspera!

Uma foto para o Álbum de família!

A chuveirada gratificante no acampamento!

Curtindo à fogueira durante a noite "fresca" no acampamento!

Com o encarregado Macuácua (esqª) e o pescador Paulo (dirtª) descendende de um agricultor chinês de Marracuene e de mãe negra.

No regresso batemos fotos muito bonitas na planície!

Os cabritos também tiveram honra de fotografia!

Venda de artesanato junto do cais na margem esquerda

Já no batelão de regresso a Maputo!

Uma jangada de caniço é manobrada com perícia junto à margem direita do rio. Lá no alto, divisa-se a casa do administrador de Marracuene!



Saudações amigas, aqui da beira do Índico!

Maputo, 8 de Dezembro de 2008.

Celestino (Marrabenta)

7 comments:

Victor Cabral said...

Olá Amigâo: Eu continuo a ler e a beber as tuas palavras escritas nas tuas cartas.
Parece que estou a acompanhar-te. Continua se fazes favor.
Um abraçâo
Victor "H"

nhocas said...

è com 1001 prazeres que leio e releio tuas imagens fotográficas que teus olhos filmam trazendo-me saudade de meu tempo de menino do mato,, empoleirado nos currais dos bois respirando aquele cheiro a curral por vezes acompanhando os bois no meio do vasto rio incomáti ouvindo sempre o cantar daqueles passarinhos que se ouvem e se vem baloiçando naqueles ninhos de capim enterlaçado pendurados nos extremos raminhos finos tombalalando ao sabor da brisa amena á beira rio....o meu rio INCOMÀTI (ncomàti).....

nhocas said...

è com 1001 prazeres que leio e releio tuas imagens fotográficas que teus olhos filmam trazendo-me saudade de meu tempo de menino do mato,, empoleirado nos currais dos bois respirando aquele cheiro a curral por vezes acompanhando os bois no meio do vasto rio incomáti ouvindo sempre o cantar daqueles passarinhos que se ouvem e se vem baloiçando naqueles ninhos de capim enterlaçado pendurados nos extremos raminhos finos tombalalando ao sabor da brisa amena á beira rio....o meu rio INCOMÀTI (ncomàti).....

carlosschmidt said...

Mais esta devorada e re devorada...e agora venha a 7 e por ai fora. Essas aguas do Indico sao unicas meus amigos...por isso "velho" e familia, usem e abusem delas e tira muitas fotos para o ze povinho deslumbrar-se...e viva o Sporting
Bjos e abcs para todos

Carlos Schmidt

xico said...

Olá queridos tios Lurdes e Clestino.

Tenho vindo entusiasticamente lendo as crónicas 2008 da Beira do Índico, e estou num estado de crescendo entusiasmo pelas narrativas fabulosas que venho lendo. A escrita acessível e a exposição detalhada e pormenorizada das situações vividas nessas deslocações, deixam-me em completo extase parecendo incluvé, que sinto os cheiros dos sítios por onde vocês têm passado. E hoje, principalmente hoje, ao relêr a crónica de 2004, cada vez mais admiro a clareza de ideias e o sentido de justiça que pautam uma das pessoas que admiro particularmente e de quem tenho a felicidade de ser amigo e poder, de quando em vez, ouvir ao vivo.


"Durante as visitas que fazemos a Marracuene, evitamos sempre passar em frente de qualquer das sete casas (5 lojas e 2 residências) que a família ali possuía. Procuramos assim evitar choques emocionais que naturalmente invadem qualquer cidadão que viu os seus bens desaparecerem de um dia para o outro, sem qualquer compensação, graças à chamada “descolonização exemplar” conduzida pelos senhores Mário Soares, Almeida Santos e outros “patriotas” de caca que conspurcaram o poder em Portugal no pós 25 de Abril de 1974.

As nossas netas, à medida que vão crescendo, vão-se apercebendo que os seus antepassados fizeram parte de uma história que está mal contada, sobretudo pelos extremistas (marxistas, leninistas, maoistas e estalinistas) que na altura governaram o país e que foram responsáveis pela situação desastrosa, mesmo de penúria, em que ficaram praticamente todos os portugueses das ex-colónias que se viram forçados a partir de mãos a abanar deixando para trás o produto de toda uma vida de trabalho. Mais, foram ainda responsáveis pela animosidade com que essas pessoas foram recebidas na metrópole, onde as trataram por “retornados”, uma palavra que estigmatizou de forma degradante toda essa gente laboriosa!

Quero ser bem claro, para não correr o risco de ser apontado injustamente como inimigo da descolonização, que este desabafo nada tem contra o direito que o povo de Moçambique teve à sua independência. Isto está fora de causa e esta posição tive-a sempre e mantenho-a inalterável. Com o que não concordo e tenho afirmado abertamente, é com a atitude da parte portuguesa que não defendeu os direitos dos seus cidadãos e continua a não assumir a sua responsabilidade junto daqueles que, como a minha família, perderam aqui e nas outras ex-colónias, todos os seus bens."

in crónicas da Beira do Índico, 2004


Subscrevo inteiramente tudo quanto consta neste relato pessoal o qual demonstra o carácter e a evidência de sentimentos do mais nobre que se pode vislumbrar nos dias que passam.

Beijos e abraços para todos, dos vossos amigos



Francisco, Céu, Catarina e Patrícia

Manuel Palhares said...

Mais um fim-de-senana em família, mais lindos momentos de boa disposição e felicidade familiar contagiante.
Um grande abraço,

MPalhares

Manuel Palhares said...
This comment has been removed by the author.