17 January 2009

47 - CARTAS DA BEIRA DO ÍNDICO (10)



CARTAS DA BEIRA DO ÍNDICO

(10)



FÉRIAS EM MOÇAMBIQUE

(2008/2009)


GORONGOSA – PASSADO E PRESENTE EM MAPUTO





João Mosca, Cara Alegre, Celestino e Vasco Galante,
na esplanada do Maputo Shoping Centre


1 - ENCONTRO E BREVE HISTÓRIA



De passagem por Maputo a caminho de Lisboa, para representar o Parque Nacional da Gorongosa na Feira Internacional de Turismo da capital portuguesa e seguidamente em idêntico certame em Madrid, o director de comunicação do mesmo Parque, Vasco Galante, proporcionou-me hoje e a outros dois amigos comuns – comandante Cara Alegre e João Mosca – um encontro que me inspirou o título e o texto para esta Carta!

Os três amigos que representam o passado da Gorongosa não se viam desde meados da década de oitenta. O Vasco Galante, sempre em busca dos históricos que de algum modo estiveram ligados ao Parque, vai mantendo a sua escrita em dia, quer por contactos pessoais quer através da Internet.

Com recurso ao sofisticado telemóvel do Vasco, em poucos minutos se marcou o encontro no Hotel Tivoli, mas por deficiente funcionamento do sistema de climatização acabamos por nos mudar para o vizinho Centro Comercial de Maputo onde aos fins de tarde se está sempre bem na esplanada, beneficiando da brisa que sopra do lado da baía, sobretudo quando a maré enche e arrasta consigo os famosos ventos sul tão conhecidos e temidos pelos pescadores.

Uma vez reunidos, naturalmente que os primeiros momentos foram de alguma emoção sobretudo entre mim e o comandante Cara Alegre, cuja amizade foi selada em circunstâncias muito especiais, na Gorongosa, quando decorria o processo do fim da guerra colonial após o 25 de Abril de 1974.

António Rufino Cara Alegre Tembe, coronel do exército da República de Moçambique, na reserva, conhecido e tratado (como ele gosta) simplesmente por comandante Cara Alegre, é uma figura mítica da luta armada que a Frelimo travou com o exército português entre 1964 e 1974.

Ele fez história nos últimos anos dessa guerra, como comandante da base da Serra da Gorongosa e consequentemente responsável pelas actividades de guerrilha que influenciaram as actividades do Parque, sobretudo a partir de meados de 1973 até ao 25 de Abril de 1974.

Após a revolução dos capitães em Portugal e antes do Acordo de Lusaca entre a Frelimo e os representantes do governo de Lisboa, em 7 de Setembro do mesmo ano, o Parque da Gorongosa sofreu grandes convulsões que a estrutura administrativa e militar coloniais não conseguiram controlar e que ameaçaram a sua própria sobrevivência.

O descontrole das populações durante essa fase crítica e as suas próprias carências alimentares causadas pelo prolongado período de guerra, levou-as a tomarem de assalto o interior do Parque e por todos os meios ao seu alcance começaram a abater indiscriminadamente os animais. Os próprios trabalhadores, incluindo os guardas, deixaram de cumprir as suas obrigações e depressa se instalou a anarquia.

Vivia-se ali um clima de medo por parte dos responsáveis, pela incerteza do futuro e pela falta de apoio das estruturas hierárquicas superiores. Os tiros dos caçadores furtivos ouviam-se no Chitengo a todo o momento! Os elefantes eram os mais visados pelo valor do seu marfim e quantidade de carne!

A tropa portuguesa (uma companhia acantonada no Chitengo), se pouco fazia antes do 25 de Abril, nada fez enquanto esperou pelo momento de levantar ferro! Perdão, o seu comandante conseguiu apoiar-me no processo de desmobilização da OPV, cujo contingente de 130 homens ali havia sido instalado um ano antes para garantir a continuação da exploração turística do Parque, então ameaçada visto que os guerrilheiros da Frelimo chegaram mesmo a disparar algumas rajadas de tiros sobre o acampamento do Chitengo.

No auge desses desmandos, em Julho, fui mandado à Gorongosa para desmobilizar esses voluntários, que entretanto e aproveitando a anarquia reinante, já se haviam tornado potenciais furtivos e negociavam tanto a carne como o marfim. Uma tarefa que não foi fácil como noutra altura já demonstrei!

Enquanto decorreu o processo de desmobilização da OPV chegaram notícias da vila da Gorongosa ( ex-Vila Paiva de Andrade) dando conta que o comerciante Dário Santos Mosca estava a organizar o primeiro encontro entre as forças vivas (civis e militares) e o comandante Cara Alegre. Não perdemos essa oportunidade e organizamos uma comissão do Parque para participar nesse encontro. (1)

Assim conhecemos este comandante, a quem transmitimos a situação caótica que o Parque estava a atravessar. Sensibilizado com os problemas, dias depois ele e um grupo de guerrilheiros lá estavam no Chitengo para uma banja com os trabalhadores. Confraternizou com os funcionários e militares portugueses e traçou medidas severas para pôr fim aos desmandos ali em curso. Uma semana depois estavam em acção brigadas apoiadas pelos guerrilheiros sob seu comando e em pouco tempo apreenderam-se centenas de armas aos furtivos. Os guardas e outros trabalhadores do Parque refrearam as suas atitudes e recomeçaram as actividades normais.

O Parque estava salvo! (1)

Uma faceta que desde logo observei no comandante Cara Alegre, é que para além do guerrilheiro famoso que já era, também nutria (e nutre) grande paixão pela conservação da fauna bravia, um predicado que, segundo me disse, adquiriu desde criança na sua terra natal - Inhassoro - e que desenvolveu durante os anos de luta armada. Mais tarde, em 1982, ele voltou a dar-me provas disso ao participar activamente nas comemorações da Semana da Natureza, na Reserva do Maputo, chefiando uma representação do Ministério da Defesa Nacional.

Foi um dia muito especial para ambos, pois recordamos, ao fim de tantos anos, esses encontros e essa colaboração que estiveram na raiz da nossa amizade!

Mas também, neste encontro, se fez jus ao trabalho e ao grande homem que foi o saudoso Dário Santos Mosca, que construiu um verdadeiro império comercial e industrial na vila e na região da Gorongosa e que a Frelimo sempre respeitou devido ao seu exemplar comportamento para com as populações e à importância da sua obra no desenvolvimento da região.

O João Mosca, que desde criança conhece o Parque e por ele nutre grande paixão, é um quadro moçambicano da área da economia agrária que depois de ter passado por vários cargos de direcção no Ministério da Agricultura fez o doutoramento em Espanha e dedica-se agora ao ensino como professor universitário. Filho de um bom amigo, amigo nos tornamos quando ambos militávamos no mesmo Ministério nos primórdios da independência. Como qualquer filho orgulhoso, ouviu com alguma emoção as referências que eu e o Comandante Cara Alegre fizemos acerca de seu pai, que tive o prazer de ver por duas vezes em Portugal nos encontros do Buçaco e de beber o saboroso vinho branco que ele próprio produzia de uma modelar plantação das melhores castas, provavelmente a sua última obra, não em Moçambique mas na sua terra natal!

O Vasco Galante, que é já uma figura mundialmente conhecida devido ao cargo que desempenha e o leva a lidar com os mais diversos meios de comunicação de todo o mundo, que nos últimos quatro anos têm acompanhado a reabilitação do Parque da Gorongosa, dispensa apresentações. Ele aproveitou este encontro para conhecer mais alguns pormenores da história da Gorongosa em que os amigos presentes foram protagonistas, escutando-nos atentamente. Talvez por isso, as abelhas gulosas que zumbiam à nossa volta na esplanada do Maputo Shoping Centre, escolheram a sua careca para ali aterrarem e uma delas, que não gostou de ser espantada, zás, ferrou-o e tivemos de pedir gelo para lhe atenuar a dor e evitar o inchaço!

Que belo encontro este com amigos do passado e do presente do nosso querido Parque Nacional da Gorongosa, onde só as abelhas estiveram a mais!



Boa viagem Vasco e bons sucessos pessoais e profissionais nos dois importantes certames em Portugal e Espanha!






CARTAS DA BEIRA DO ÍNDICO

(10)


FÉRIAS EM MOÇAMBIQUE
(2008/2009)


GORONGOSA – PASSADO E PRESENTE EM MAPUTO








1 - ENCONTRO E BREVE HISTÓRIA

 De passagem por Maputo a caminho de Lisboa, para representar o Parque Nacional da Gorongosa na Feira Internacional de Turismo da capital portuguesa e seguidamente em idêntico certame em Madrid, o director de comunicação do mesmo Parque, Vasco Galante, proporcionou-me hoje e a outros dois amigos comuns – comandante Cara Alegre e João Mosca – um encontro que me inspirou o título e o texto para esta Carta!

Os três amigos, que representam o passado da Gorongosa, não se viam desde meados da década de oitenta. O Vasco , sempre em busca de “históricos” que de algum modo estiveram ligados ao Parque, vai mantendo a sua escrita em dia, quer por contactos pessoais quer através da Internet. Com recurso ao seu sofisticado telemóvel, em poucos minutos se marcou o encontro no Hotel Tivoli, mas por deficiente funcionamento do sistema de climatização acabamos por nos mudar para o vizinho Centro Comercial de Maputo onde aos fins de tarde se está sempre bem na esplanada, beneficiando da brisa que sopra do lado da baía, sobretudo quando a maré enche e arrasta consigo os famosos ventos sul tão conhecidos e temidos pelos pescadores.

Uma vez reunidos, naturalmente que os primeiros momentos foram de alguma emoção sobretudo entre mim e o comandante Cara Alegre, cuja amizade foi selada em circunstâncias muito especiais, na Gorongosa, quando decorria o processo do fim da guerra colonial após o 25 de Abril de 1974.




Vasco Galante, dispensa apresentações, pois  é já uma figura mundialmente conhecida devido ao cargo que desempenha e o leva a lidar com os mais diversos meios de comunicação de todo o mundo que nos últimos quatro anos têm acompanhado a reabilitação do Parque da Gorongosa. Ele aproveitou este encontro para conhecer mais alguns pormenores da história da Gorongosa em que os amigos presentes foram protagonistas, escutando-nos atentamente. Talvez por isso, as abelhas gulosas que zumbiam à nossa volta na esplanada do Maputo Shoping Centre, escolheram a sua careca para ali aterrarem e uma delas, que não gostou de ser espantada, zás, ferrou-o e tivemos de pedir gelo para lhe atenuar a dor e evitar o inchaço!



António Rufino Cara Alegre Tembe, coronel do exército da República de Moçambique, na reserva, conhecido e tratado (como ele gosta) simplesmente por comandante Cara Alegre, é uma figura mítica da luta armada que a Frelimo travou com o exército português entre 1964 e 1974.

Ele fez história nos últimos anos dessa guerra, como comandante da base da Serra da Gorongosa e consequentemente responsável pelas actividades de guerrilha que influenciaram as actividades do Parque, sobretudo a partir de meados de 1973 até ao 25 de Abril de 1974.

Após a revolução dos capitães em Portugal e antes do Acordo de Lusaca entre a Frelimo e os representantes do governo de Lisboa, em 7 de Setembro do mesmo ano, o Parque da Gorongosa sofreu grandes convulsões que a estrutura administrativa e militar coloniais não conseguiram controlar e que ameaçaram a sua própria sobrevivência.

O descontrole das populações durante essa fase crítica e as suas próprias carências alimentares causadas pelo prolongado período de guerra, levou-as a tomarem de assalto o interior do Parque e por todos os meios ao seu alcance começaram a abater indiscriminadamente os animais. Os próprios trabalhadores, incluindo os guardas, deixaram de cumprir as suas obrigações e depressa se instalou a anarquia.

Vivia-se ali um clima de medo por parte dos responsáveis, pela incerteza do futuro e pela falta de apoio das estruturas hierárquicas superiores. Os tiros dos caçadores furtivos ouviam-se no Chitengo a todo o momento! Os elefantes eram os mais visados pelo valor do seu marfim e quantidade de carne!

A tropa portuguesa (uma companhia acantonada no Chitengo), se pouco fazia antes do 25 de Abril, nada fez enquanto esperou pelo momento de levantar ferro! Perdão, o seu comandante conseguiu apoiar-me no processo de desmobilização da OPV, cujo contingente de 130 homens ali havia sido instalado um ano antes para garantir a continuação da exploração turística do Parque, então ameaçada visto que os guerrilheiros da Frelimo chegaram mesmo a disparar algumas rajadas de tiros sobre o acampamento do Chitengo.

No auge desses desmandos, em Julho, fui mandado à Gorongosa para desmobilizar esses voluntários, que entretanto e aproveitando a anarquia reinante, já se haviam tornado potenciais furtivos e negociavam tanto a carne como o marfim. Uma tarefa que não foi fácil como noutra altura já demonstrei!

Enquanto decorreu o processo de desmobilização da OPV chegaram notícias da vila da Gorongosa ( ex-Vila Paiva de Andrade) dando conta que o comerciante Dário Santos Mosca estava a organizar o primeiro encontro entre as forças vivas (civis e militares) e o comandante Cara Alegre. Não perdemos essa oportunidade e organizamos uma comissão do Parque para participar nesse encontro.
 (1)

Assim conhecemos este comandante, a quem transmitimos a situação caótica que o Parque estava a atravessar  e convidamos a visitá-lo com urgência. Sensibilizado com os problemas, dias depois ele e um grupo de guerrilheiros lá estavam no Chitengo para uma banja com os trabalhadores. Confraternizou com os funcionários e militares portugueses e traçou medidas severas para pôr fim aos desmandos ali em curso. Uma semana depois estavam em acção brigadas apoiadas pelos guerrilheiros sob seu comando e em pouco tempo apreenderam-se centenas de armas aos furtivos. Os guardas e outros trabalhadores do Parque refrearam as suas atitudes e recomeçaram as actividades normais.

O Parque estava salvo! 

Uma faceta que desde logo observei no comandante Cara Alegre, é que para além do guerrilheiro famoso que já era, também nutria (e nutre) grande paixão pela conservação da fauna bravia, um predicado que, segundo me disse, adquiriu desde criança na sua terra natal - Inhassoro - e que desenvolveu durante os anos de luta armada. Mais tarde, em 1982, ele voltou a dar-me provas disso ao participar activamente nas comemorações da Semana da Natureza, na Reserva do Maputo, chefiando uma representação do Ministério da Defesa Nacional.

Foi um dia muito especial para ambos, pois recordamos, ao fim de tantos anos, esses encontros e essa colaboração que estiveram na raiz da nossa amizade!

Mas também, neste encontro, se fez jus ao trabalho e às qualidades do grande homem e bom amigo, que foi o saudoso Dário Santos Mosca, que construiu um verdadeiro império comercial e industrial na vila e na região da Gorongosa e que a Frelimo sempre respeitou devido ao seu exemplar comportamento para com as populações e à importância da sua obra no desenvolvimento da região.


 João Mosca, que desde criança conhece o Parque e por ele nutre grande paixão, é um quadro superior moçambicano da área da economia agrária, que depois de ter passado por vários cargos de direcção no Ministério da Agricultura fez o doutoramento em Espanha e dedica-se agora ao ensino como professor universitário, em Maputo.

Filho de um bom amigo – o Dário Santos Mosca -, amigo nos tornamos quando ambos militávamos no mesmo Ministério, nos primórdios da independência. Como qualquer filho orgulhoso, ouviu com alguma emoção as referências que eu e o Comandante Cara Alegre fizemos acerca de seu pai, que tive o prazer de ver por duas vezes depois do seu regresso a Portugal, nos encontros do Buçaco e de beber o saboroso vinho branco que ele próprio produzia de uma modelar plantação das melhores castas, provavelmente a última grande obra levada a cabo na sua terra natal!

Que belo encontro este com amigos do passado e do presente do nosso querido Parque Nacional da Gorongosa, onde só as abelhas estiveram a mais!

Boa viagem Vasco e bons sucessos pessoais e profissionais nos dois importantes certames em Portugal e Espanha!




2 - FOTOS DO ENCONTRO





Outro aspecto do encontro


Vasco Galante, Cara Alegre e Celestino, no Tivoli

Cara Alegre e Celestino

Vasco Galante no Tivoli



Saudações amigas, aqui da beira do Índico!


Maputo, 16 de Janeiro de 2009


Celestino Gonçalves


(1)Ver postagens nºs 29 e 30, acerca do primeiro encontro entre os representantes do Parque da Gorongosa e da Frelimo, em 1974.


Aqui: http://faunabraviademocambique.blogspot.pt/2007/11/o-primeiro-encontro-de-representantes.html


2 comments:

carlosschmidt said...

Ai meu caro "velho", falaste de Vila Paiva de Andrade que eu bem conheci e as suas cascatas e os belos banhos que tomei.
De resto, continuas em grande e em excelentes companhias.

Um grande abc e saudações leoninas

Carlos Schmidt

Manuel Palhares said...

Sim Senhor,

É só amigos e boa disposição.
Mais um relato com todos os pormenores, acompanhado de uma reportagem fotográfica à maneira de quem sabe o que está a fazer.
Um abraço aqui da Serra da Arroja, para o jovem de Amor, do
MPalhares