05 March 2013

124 - ALMOÇO COMEMORATIVO DO 7º ANIVERSÁRIO DO GAG

TRANSCRIÇÃO DA REPORTAGEM PUBLICADA NO BLOG DO GRUPO DE AMIGOS DA GORONGOSA



ALMOÇO-CONVÍVIO DO 7º ANIVERSÁRIO  DO
 GRUPO DE AMIGOS DA GORONGOSA
(GAG) 



Realizou-se no passado dia 2, em Lisboa - Hotel Olissipo Oriente - o almoço-convívio do 7º aniversário do Grupo de Amigos da Gorongosa (GAG), evento que reuniu mais de uma centena de pessoas (cerca de 120). 

Estiveram presentes, para além de membros deste grupo informal, e de  novos aderentes  do GAG, algumas individualidades convidadas, nomeadamente o Embaixador de Moçambique em Portugal, Dr. Jacob Jeremias Nyambir, o filantropo americano Greg Carr, financiador e dirigente do Projeto de Restauração da Gorongosa, Coronel Beca Jofrisse, membro do Comité de Supervisão do mesmo projeto, Drª Fernanda Matsinha, Secretária Permanente do Ministério do Turismo de Moçambique, Dr. António Maló de Abreu, empresário e presidente da ONG "Memórias e Gentes", Drª Helena Freitas, vice-Reitora da Universidade de Coimbra, Drª Sofia Brás Monteiro, Escritora e Empresária de Publicidade e Design, Dr. José Arimateia, Presidente para o Turismo do grupo Visabeira, Engº Francisco Ferreira, presidente da QUERCUS, Dr. Vasco Galante, director de comunicação do PNG,  Dr. Paulo Azevedo e Nicole Azevedo, do grupo SONAE.

Este almoço-convívio anual, que vem sendo feito com regularidade desde a fundação do GAG, em 2007, revestiu-se este ano de particular importância graças ao grande interesse que o grupo tem despertado ao nível de organizações e pessoas que nos últimos anos visitaram a Gorongosa ou se revelaram interessadas em conhecer e até apoiar este maravilhoso santuário de fauna bravia de Moçambique.

A elevada participação e o envolvimento de pessoas representando organizações que já estão ou pretendem estar envolvidas no processo de restauro do PNG, como a Quercus, a Visabeira, a "Memórias e Gentes", a Associação Altista Kanimambo, a AsiliaAfrica e alguns promotores turísticos presentes, transformaram este evento na melhor jornada de divulgação da Gorongosa que o GAG havia feito até à data. E como este é   o principal objetivo do Grupo, ficou a certeza de que foi em boa hora que  meia dúzia de antigos colaboradores  do PNG e alguns amigos fãs do Parque criaram o GAG, cuja breve história deu início a este Blog.

Usaram da palavra durante o convívio José Canelas de Sousa, em representação do GAG e que moderou a sessão, Greg Carr (PNG), Maló de Abreu (Memórias e Gentes), Lorena Laranjeira  (Visabeira), Rita Frias (AsiliaAfrica), Vasco Galante (PNG) e Embaixador de Moçambique em Portugal.

Destacamos o interesse e atenção dispensada aos oradores, tendo havido passagens dos discursos particularmente aplaudidas com entusiasmo como foi a divulgação do Dr. Maló de Abreu sobre a colaboração que a "Memórias e Gentes" vai dar à Gorongosa: a doação de uma biblioteca com 15 mil livros e o restauro da emblemática "Casa dos Leões", um ex-libris do Parque desde os anos 40! Também as homenagens prestadas pelo representante do GAG aos pioneiros do Parque, organismos  e outros elementos que até agora têm sido preponderantes no desenvolvimento do mesmo, mereceram fortes aplausos. Citamos as nomeações: José Henriques Coimbra (tinha dois filhos presentes); Guarda Figueira Meque; Coronel Pinto Soares; Alfredo Rodrigues; Manuel Pinheiro Rodrigues da Costa; Amadeu Silva e Costa; Armando Rosinha (tinha um filho presente); Francisco Romão; Albano Cortez (presente); Baldeu Chande; Roberto Zolho; Adelino Serras Pires    (irmão José Augusto presente);  Guardas auxiliares, Castigo Mamunanculo, Batage Vasco, António Algesse, Paulino Campira, João Pranga e Paulino Miranda; Greg Carr; Beca Jofrisse;  Mateus Mutemba, Vasco Galante, Governo de Moçambique; Grupo Visabeira; Parceiros Portugueses: IPAD, Universidade de Aveiro e "Memórias e Gentes".

Como sempre acontece, a parte final do convívio decorreu em franca camaradagem, troca de impressões e as habituais sessões de fotografia que só pecaram por não haver espaço suficiente para reunir os presentes para a chamada "foto de família". As fotos  que estão disponíveis no Álbum Picasa revelam bem a dificuldade de congregar o maior número possível de convivas numa só foto.

O GAG deu um grande salto em frente na prossecução dos seus objetivos!

Estão de parabéns todos os AMIGOS DA GORONGOSA!

Ficam para consulta os Links do álbum de fotos e do vídeo feito pelo Fernando Gil, membro do Núcleo Coordenador do GAG:

FOTOS:



VÍDEO



Saudações amigas dos coordenadores do GAG:
- Maria José Santos (Mizè); Graça Moreira, António Jorge (TóJò), José Canelas de Sousa; Fernando Gil e Celestino Gonçalves.

ESTAMOS JUNTOS!













05 February 2013

123 - PNG - NOVO WEB SITE





A Gorongosa Lançou um Novo Website
Conhecer o Parque Nacional da Gorongosa nunca foi tão fácil. Acabámos de lançar um novo site interactivoque permite explorar virtualmente a Gorongosa. Estesite actualizado permite descobrir a história do Parqueatravés de uma cronologia controlada pelo utilizador, aprender sobre os projectos comunitários e de conservação em curso, saber mais sobre as diferentes actividades disponíveis para os visitantes e muito mais!

Esperamos que a natureza interactiva do novo site lheofereça formas envolventes e apelativas que o
farão conhecer melhor a Gorongosaparticipar nos acontecimentose ficar envolvido com o quotidiano do Parque.

O novo site tem algo para todos. Leia mais abaixo paraver como alguns dos novos recursos lhe podem ser úteis:

Se já visitou Moçambique anteriormente, este siteactualizado oferece formas novas e apelativas para que fique conectado. Existe um blog que é actualizado regularmente com histórias de fiscais do Parque, de investigadores, e de outros colaboradores da Gorongosa. Pode enviar-nos histórias da sua viagem, bem como fotos e vídeos que publicaremos na nossa galeria para que futuros visitantes também as possam desfrutar.

Se está a planificar uma visita futura ao Parque Nacional da Gorongosa, este site permite-lhe reservar as suas férias de sonho connosco com apenas alguns cliques/toques. Existem descrições de todas as acomodações e actividades disponíveis, e poderá criar uma lista de desejos com tudo o que quiser incluir nas suas férias. Um bem organizado guia de campo,informações sobre as paisagens, e  fotos e vídeos  
que mostram um pouco do que o Parque tem para oferecer, permitem que visualize as suas férias de sonhona Gorongosa.

Se é um investigador que está a trabalhar no Parque Nacional da Gorongosa, ou que espera vir a trabalharna Gorongosa no futuro, o novo site oferece novos einteressantes recursos, incluindo descrições das  actividades de investigação em curso no Parquee instalações e acomodações para os investigadores. O site também possui uma base de dados de documentos de investigações que poderá pesquisar por assunto, região, idioma ou palavras-chave.

Se está interessado na conservação e restauração que está a acontecer na Gorongosa, poderá ler sobre os esforços em curso para proteger e restaurar aGorongosa e saber como poderá participar e ajudar a fazer a diferença.

Aqui fica o convite para visitar o novo site, e para nos dar a sua opinião. De ora em diante por favor continuea visitar o site para se manter conectado connoscoporque nós actualizamos regularmente o blogas fotos,os vídeos, e as histórias. O que está à espera? Siga este link e veja a Gorongosa online!

Lembre-se também que nós gostaríamos de ter notícias suas. Se tiver quaisquer fotos ou vídeos do Parque, gostaríamos de ver e poder compartilhar com a nossa comunidade. Além disso, sugerimos que visite o nosso blog e que compartilhe, tweet ou comente as mensagens que mais lhe interessarem. Estamos ansiosos por ter notícias suas!

04 January 2013

122 - JOSÉ PARDAL - A MINHA HOMENAGEM

JOSÉ DA CUNHA PARDAL 

(1923-2013)

A MINHA HOMENAGEM





Faleceu o Mestre Pardal!

Uma triste notícia que recebi há poucos momentos e que me deixou bastante consternado, assim como vai suceder  com os seus muitos amigos e admiradores espalhados por todo o mundo, em número difícil de calcular visto que são muitos milhares!

O Zé Pardal (como gostava de ser tratado), era uma figura muito estimada, tendo-se  consagrado  como professor, como conservador da vida selvagem e como escritor. Exerceu as suas actividades na antiga colónia de Moçambique, de onde regressou por força das transformações políticas que conduziram as chamadas Províncias Ultramarinas à independência em 1975.

Sempre activo na escrita, quer como colaborador de revistas da especialidade, nacionais e estrangeiras, ou publicando livros,  para recordar e deixar o testemunho das suas experiências como caçador, deixa-nos uma obra ímpar na área da caça africana, que são os seus "Cambacos" I e II, autênticas bíblias das artes de caça relativamente aos grandes animais, nomeadamente o elefante, de que foi muito justamente considerado  dos melhores caçadores do seu tempo.

A nossa relação de amizade remonta aos  velhos tempos da minha entrada nos Serviços da Fauna (1957), onde o Zé Pardal tinha funções como vogal da Comissão Central de Caça. Dele recebi sempre as melhores lições de como nos deveríamos comportar no  mato, não só em relação aos animais mas também com os humanos, áreas que se fundiam e que ninguém podia separar quando procurava o interior, quer em incursões venatórias, quer no exercício de qualquer actividade profissional.

Durante as últimas visitas que fiz a este já saudoso amigo, mesmo já debilitado pelo avanço da implacável doença que o minava e considerando a sua respeitável idade,  a paixão por Moçambique, pelo seu povo e pela sua fabulosa riqueza faunística,  foi sempre tema de conversa, que ele desenvolvia com grande entusiasmo e com a memória dos factos, locais, nomes e datas perfeitamente actual.

A sua partida deixa um vazio entre os amigos! É a perda de mais um histórico da fauna de Moçambique, que muito ainda podia dar na escrita sobre este sector onde tão poucos se dispuseram a divulgar as suas experiências. Ele cumpriu, mas tinha ainda muito mais histórias para escrever e experiências para deixar  às gerações vindouras.

Quero deixar aqui uma palavra de muito apreço à sua viúva, a querida amiga Maria Amélia, pela coragem que sempre demonstrou no acompanhamento da doença prolongada do marido e pela dedicação que nunca desfaleceu mesmo nos momentos de exaustão que no dia a dia foi vivendo face aos efeitos de uma doença terminal como foi a que vitimou o seu companheiro de uma longa e feliz vida!

Para ela e seus filhos José Carlos e João Filipe, as minhas mais sentidas condolências!

A minha singela homenagem vai aqui traduzida com a repetição da publicação da crónica que escrevi em 2008, falando dos seus livros "Cambaco I" e Cambaco II" e de uma bela tarde passada na sua casa em Lisboa.

Paz à sua Alma!

Celestino



(12)


CAMBACO I
Editado em 1982

CAMBACO II
Editado em 1996




AUTOR
José Pardal
Editor: MEIBÉRICA – LIBER EDITORES, Lda
Av. Álvares Cabral, 84, r/c Dtº - 1250 LISBOA


1- BREVES NOTAS ACERCA DO AUTOR 

José da Cunha Pardal – Zé Pardal para os amigos e Mestre Pardal para as sucessivas gerações de alunos da Escola e Instituto Comercial de Lourenço Marques (actual Maputo) que o tiveram como professor - é uma figura que dispensa apresentação especial para quem viveu na capital de Moçambique durante os últimos quarenta anos do período colonial, dada a sua popularidade alcançada tanto na área do ensino como nas actividades da caça!

Para além de se ter tornado um excelente caçador de elefantes, o Zé Pardal dedicou grande parte da sua vida em Moçambique à defesa e conservação da vida selvagem do território, como vogal dos organismos de tutela e consultivo deste sector, respectivamente, Comissão Central de Caça e Conselho de Protecção da Natureza. Para estas funções ele fora nomeado em representação dos caçadores, facto que, só por si, lhe granjeava a admiração e respeito dos muitos milhares de praticantes do desporto caça.

Não é demais afirmar que o Zé Pardal fez parte de um punhado de excepcionais caçadores de elefantes que actuaram em Moçambique no século passado, de entre eles me ocorrem os nomes de alguns, como: Harry Manners, José Afonso Ruiz, Orlando Cristina, Manuel Maria Nunes, Virgílio Garcia, Pierre Maia, Gustavo Guex e Francisco Daniel Roxo.

Em relação a todos estes o Zé Pardal leva a vantagem de ter sido um estudioso de balística, sabendo como melhor utilizar as armas e munições para determinadas situações ou posição dos elefantes, chegando ao ponto de, ele próprio, fabricar e carregar os seus projécteis, balanceando-os em função dos estudos de impacto e perfuração que ao longo dos anos foi fazendo. Este aspecto tornou-o conhecido e respeitado no mundo da caça e por isso muitas vezes solicitado a proferir palestras e escrever artigos de grande craveira científica. É, ainda hoje, um assíduo colaborador da revista portuguesa “Calibre 12”!

Conheci o Zé Pardal em 1955, exactamente durante as provas de concurso para fiscal de caça, a que concorri e ele era membro do respectivo júri na qualidade de vogal da Comissão Central de Caça.

Antes disso ouvira muitas vezes falar dele e as referências que tinha levaram-me a ter por este homem um elevado respeito e admiração.

O nosso relacionamento institucional, iniciado depois da minha entrada para os quadros da fiscalização da caça, em 1957, depressa conduziu a uma amizade que se mantém até aos dias de hoje e inclui a sua simpática esposa, a Maria Amélia.

Alguns anos depois do seu regresso a Portugal, resultante da independência de Moçambique em 1975, visitei o casal na sua confortável residência às portas de Lisboa e foi um desfiar de recordações!

Posteriormente, em 1995, voltei à sua casa para o felicitar pela sua excelente obra “Cambaco I”, cujo volume levei debaixo do braço para o indispensável autógrafo, que foi assim:


Os anos passaram ligeiros como o vento nas estepes africanas e eis que estamos no ano da graça de 2008!

Entretanto, em 1996, o Zé Pardal publicou o “Cambaco II”, outro sucesso que correu mundo visto que foi traduzido, tal como o "Cambaco I", em duas das principais línguas universais: inglês e espanhol.

Por descuido meu não adquiri esta segunda obra na altura em que foi lançada. Depois dessa fase desapareceu do mercado e só agora, com a nova visita que lhe fiz, passou a fazer parte do meu acervo graças à generosa oferta do autor, que previamente lhe colocou a sua chancela por baixo de uma simpática dedicatória, também assinada pela Maria Amélia !

Não obstante os anos que já passaram e o profundo desgosto que sentem pelo afastamento forçado de Moçambique nas condições que são conhecidas daqueles que viveram o trauma da descolonização mal conduzida pelos governantes da época, ambos conservam nos seus rostos serenos a felicidade das suas vidas!


O simpático casal – Zé Pardal e Maria Amélia.

Bem me enganei quando, antes de lhe telefonar a anunciar a visita, pensei que iria encontrar o casal abatido pelo peso dos anos e o desgosto de viverem longe da sua terra amada! Pelo contrário, ambos conservam a jovialidade de duas ou três décadas antes, o que me deixou surpreendido, cheio de inveja, mas feliz!

A bela tarde que passei com estes velhos amigos trouxe-me à memória esses tempos em que ambos éramos novos e tínhamos ideais comuns, sobretudo os de conservação da vida animal selvagem de Moçambique, onde estivemos envolvidos com grande paixão e entusiasmo e nos empenhados por fazer o nosso melhor.

Mas não só, também tínhamos um hobby que contribuiu para uma mais estreita amizade, que era a fotografia. No pequeno laboratório da sua casa da Fernandes Tomas, em Lourenço Marques, passamos muitas horas lidando com as revelações, os negativos e as reproduções de fotos, um passatempo que se transformou numa paixão depois que recebi mais lições do mestre Ricardo Rangel e mais tarde do Xico Magalhães, em Vila Pery.

O entusiasmo pela fotografia foi tal que antes da minha partida para o Norte, em 1957, resolvi apetrechar-me do material necessário para um pequeno laboratório amador, assim como de uma máquina de 35 mm que substituíu a velha e anacrónica Kodak 6x6 que possuía. O próprio Pardal me vendeu a sua "Clarus", uma famosa máquina americana em aço inox, equipada com três lentes, uma delas teleobjectiva ideal para captar imagens a média distância. O bonito e resistente estojo em cabedal rígido, vinha repleto de pertences, tais como filtros, fotómetro, pinceis de limpeza, borracha de ventilação, etc. Era a máquina ideal para me acompanhar nas campanhas do mato que iria ter pela frente, visto que fora concebida para suportar a dureza das reportagens nas frentes de combate durante a segunda guerra mundial.
Ao Zé Pardal devo grande parte deste entusiasmo!


Uma das minhas fotos favoritas, tirada com a "Clarus" em 1958, em Montepuez. Um contra luz sem filtro, que apesar do desgaste de 50 anos aos trambolhões, ainda mostra a excelência da lente e do sistema de velocidade!

A facilidade que passei a ter, de fazer as minhas próprias fotografias com considerável economia, levou-me, ao longo de quase vinte anos de vivência no interior de Moçambique, a encher álbuns sobre álbuns que deixaram de caber nas exíguas estantes das casas que habitava, depois a encher as gavetas destinadas às roupas e por fim a meter as fotos em caixas de sapatos!

Ao longo de meio século que já passou desde o início dessa fobia, consegui desfazer-me de uma boa parte desse espólio, dando-o aos filhos e às netas, mas ainda vivo atolado nesses arquivos que já cheiram a bafio!

Felizmente que as novas tecnologias do digital acabaram com tudo isso!




A foto que se impunha - os velhos "cambacos" juntos!


Para além das muitas pessoas do nosso tempo que recordámos durante a maravilhosa tarde passada com o simpático casal, uma figura especial mereceu particular atenção: o saudoso Francisco Pardal, irmão do José Pardal!

O Xico Pardal (como era tratado pelos familiares e amigos), foi o melhor taxidermista de sempre em Moçambique, com reputação mundial. Teve a sua oficina/atellier na cidade da Beira, centro nevrálgico das actividades cinegéticas de Moçambique. Os trabalhos ali executados em qualquer montagem parcial ou total dos grandes, médios ou pequenos animais, obedeciam à melhor tecnologia das famosas taxidermias americanas e espanholas, graças aos conhecimentos e permanente aperfeiçoamento do Xico nesta matéria. Daí ser muito requisitado pelos mais exigentes caçadores que efectuavam safaris de caça em Moçambique.


O prestígio alcançado pelo Xico Pardal, na área da taxidermia, muito contribuíu para o bom nome da indústria dos safaris de caça no território, que durante os quinze anos que precederam a independência em 1975, foi considerado o destino preferido dos amantes da caça africana. O mano Zé, naturalmente orgulhoso disso, não deixou de lhe prestar a merecida homenagem na sua obra!



Os manos Pardal - Foto extraída do Livro "Cambaco I"




2 – IMPRESSÕES ACERCA DAS OBRAS



Os “Cambacos” do José Pardal são, por ventura, as obras mais interessantes e genuínas que se escreveram sobre a caça em Moçambique!

Convém esclarecer que a palavra “caça” tem conotação apenas com o acto de caçar e não com os animais (fauna bravia), uma terminologia que no passado foi muito comum para as duas coisas mas que actualmente já não se aplica desta maneira.

Ambos os volumes estão recheados de histórias de caça e de relatos da vivência do autor e de sua família (mulher e dois filhos) no mato em Moçambique. Algumas dessas histórias transmitem com grande fidelidade as emoções e os perigos vividos pelo autor durante as caçadas aos grandes animais, sobretudo elefantes, a espécie maior a que se dedicou ao longo dos anos e o tornou um dos maiores caçadores do seu tempo.




José Pardal, o grande caçador de elefantes!

(Foto do livro "Cambaco I")

O José Pardal é um escritor nato, que sabe transmitir, por palavras adequadas e carregadas de emoção, os mais ínfimos pormenores dos acontecimentos que ele próprio viveu, a maior parte deles recheados de perigos, sobretudo quando relata as caçadas que lhe causaram grandes arrepios e perigaram a sua vida e dos seus acompanhantes.

Por outro lado, o autor valoriza as suas narrativas com um toque de romantismo de rara sensibilidade, só possível a quem viveu e saboreou tão apaixonadamente toda a beleza do interior de África, o contacto com populações no seu estado de pureza e cultura ancestral e observou as mais belas cenas da vida animal selvagem que só nesse profundo interior podem ser vistas!

Mas não só, o José Pardal, a cada passo das suas histórias, dá-nos a grande lição de humildade, de franqueza e de pureza de sentimentos ao valorizar essa gente fantástica do interior com quem conviveu e de quem recebeu ensinamentos preciosos, realçando as amizades que construiu com os seus pisteiros e moradores dos locais onde acampava e caçava.

A atracção que o Zé Pardal teve desde muito novo pela caça e pela vida simples do interior de Moçambique, foi seguida pela mulher e filhos, um clã que ao longo dos anos fez as suas férias nos acampamentos e todos vieram a ser caçadores. Jamais usufruiram das licenças graciosas à metrópole a que tinham direito e este aspecto é salientado pelo autor com grande orgulho porque, dessa forma, construiu uma família unida e cheia de amor!

Melhor que as minhas palavras, são as transcrições que se seguem de alguns trechos de ambos os volumes. A narrativa sobre o "O Elefante que estava ao Lado" é um caso que se repetiu com muitos caçadores de elefantes, alguns mesmo pagaram com a própria vida porque algo falhou na avaliação correcta da situação no momento crucial de disparo. Esta breve amostra deixa claro o valor destas duas obras e aguça a curiosidade para a próxima publicação, que irá surgir em breve e que o autor diz ser uma condensação dos dois volumes, aumentada substancialmente de narrativas de outros acontecimentos da sua vida sertaneja, de aventuras e observações, quer como caçador quer como estudioso do inestimável património que a natureza nos legou - a fauna bravia.

Será, certamente, mais um trabalho de grande craveira que os apreciadores não vão deixar de ler e de ter nos seus escaparates!

Força Zé Pardal!

Marrabenta, Agosto de 2008

Celestino Gonçalves





3 – REPRODUÇÕES DO “CAMBACO I”





3.1 - DEFINIÇÃO DA PALAVRA “CAMBACO”



3.2 – DEFINIÇÃO DE “CAÇADOR”


3.3– NOTA DO EDITOR


3.4– PREFÁCIO


3.5 - INTRODUÇÃO





4 – REPRODUÇÕES DO “CAMBACO II”




4.1 - RETRATO A ÓLEO DO AUTOR




4.2 - NOTA DO AUTOR

4.3 - NOTA DO EDITOR

4.4 – CAPÍTULO II – O ELEFANTE QUE ESTAVA AO LADO







FIM

22 December 2012

121 - A HOSPITALIDADE E AS PARTIDAS DO PAES MAMEDE



A HOSPITALIDADE E AS PARTIDAS DO PAES MAMEDE


1 - A HOSPITALIDADE

Quem alguma vez visitou ou trabalhou no Alto Limpopo, sul de Moçambique, antes da independência deste país, conheceu, certamente, uma das figuras mais carismáticas a sul do rio Save: o Orlando Paes Mamede, dono de um verdadeiro império comercial, pecuário e industrial (camionagem vocacionada para transporte de trabalhadores moçambicanos para as minas da África do Sul) daquela região, com sede em Mapai.

A povoação de Mapai era como que um oásis no centro da vasta região do Alto Limpopo, na sua quase totalidade coberta por savanas de xanato(Colophospermum mopane) e galerias de simbirre(Androstachys johnsonii). É uma região
semi-árida, de clima muito seco e de poucas chuvas. Tem um dos mais baixos índices de ocupação humana do país e a sua maioria localiza-se ao longo dos grandes rios, como o rio dos Elefantes, o Limpopo, o Save e o Changane. Com estas características e de dimensões equivalentes às do território de Portugal continental, o Alto Limpopo era, na década de 50, fértil em animais bravios, em madeiras e em gado bovino de criação familiar. Ali afluíam caçadores, madeireiros e negociantes de gado e também componentes das mais diversas brigadas de estudos e pesquisas, vindos de outras regiões, nomeadamente da capital. Grande parte destes forasteiros convergia para Mapai, em trânsito ou para ali adquirirem combustíveis e géneros alimentícios.

Nem a construção da linha ferroviária para a Rodésia do Sul (actual Zimbabwe), concluída em 1956 e que passa a cerca de 17 quilómetros, nem a criação ao longo desta de polos comerciais como a Malvérnia (actual Chicualacuala) e S. Jorge do Limpopo (actual Mapai-Estação) fez diminuir o fluxo de pessoas para Mapai.

Por aquela povoação passavam obrigatoriamente todas as pessoas que se dirigiam ao Pafúri , já que se situa junto da única via de acesso a esta povoação, sede da Circunscrição, mais precisamente junto da margem esquerda do rio Limpopo, cuja travessia, na época, era feita de batelão. E como a distância entre as duas povoações é de cerca de cem quilómetros (desertos de vida humana), sucedia com frequência as pessoas em trânsito pernoitarem ali devido ao cansaço de uma viagem de várias centenas de quilómetros (Lourenço Marques - actual Maputo - fica a 500 Kms e a sede da Circunscrição mais próxima, o Guijá, a 300 Kms).

As infra-estruturas da povoação pertenciam na sua quase totalidade ao Paes Mamede: comércio, escritórios, oficinas, armazéns, bairro residencial, sistemas de abastecimento de água e luz, etc,. A sua residência, espaçosa e de grandes varandas de caris tipicamente colonial, ocupava um ponto estratégico e era dotada de instalações suficientes para receber simultaneamente uma boa dúzia de hóspedes sem perturbar minimamente a família anfitriã. Como não havia hotel ou simples pensão, era na sua casa que a maioria dos forasteiros se instalava a convite espontâneo e sempre cortês deste bem sucedido industrial.

Para além dos visitantes de ocasião a família Mamede recebia com frequência na sua casa de Mapai importantes individualidades dos mais diversos sectores da vida pública e privada, do território e do estrangeiro, quando em visita oficial ou particular, assim como imensos amigos.

Uma das personalidades que caçou na região de Mapai, na década de 40, foi o primeiro Ministro da África do Sul, general Smuts (à esquerda). O Paes Mamede, seu anfitrião, está à direita nesta foto da época.

Quem teve o privilégio de conhecer esta família e disfrutar da sua hospitalidade, não esqueceu mais os bons momentos passados na sua companhia ! Uns dias vividos no Mapai eram autênticas férias só possíveis numa estância de repouso algures em África, onde as coisas bem próprias deste continente se completassem como aqui: o ambiente e o clima do interior; a selva mesmo ao lado com os seus mistérios e perigos; os gritos das águias pesqueiras nas margens do rio; o chilrear das pequenas aves pela madrugada; os uivos e latidos das hienas e dos chacais durante a noite; as saborosas refeições à base de carnes de animais, quer selvagens quer domésticos, criados nas pastagens genuinamente naturais; as frutas, legumes e hortícolas produzidas apenas com o húmus da terra; os odores das plantas e das árvores sem poluição; o ritmo calmo das pessoas no trabalho quotidiano; o conforto das instalações; a simpatia dos anfitriões; a delicadeza de trato do pessoal doméstico; etc,!

Era hábito da casa levantar cedo, mesmo antes do nascer do Sol ! A esta regra não podiam fugir os hóspedes que eram acordados pelo empregado que levava o chá da manhã aos quartos e avisava: patrão, água de banho está pronta!
Cerca de duas horas depois, após ter trabalhado no escritório e ter passado em revista as actividades decorrentes no complexo da empresa, o anfitrião convidava para a primeira refeição do dia – o matabicho – que era servida na espaçosa varanda traseira da residência (uma lauta refeição com todos os ingredientes, a que se habituaram as pessoas que viviam no interior de
Moçambique e que tinha fama de ser a melhor do dia)! Nas horas adequadas e já na sala própria, eram servidos, em bonitas baixelas, o almoço e o jantar.

Os serões na casa dos Mamedes ficaram famosos: jogos de mesa organizados em função do número e preferência dos presentes; boa música (a discoteca fazia inveja à principal estação de rádio da capital) e um bom serviço de acepipes e bebidas, completavam, até tarde, o ambiente hospitaleiro e bem africano que ali se respirava e que era propício a prolongadas conversas sobre os mais diversos assuntos, desde a política às estórias de caça !

A rotina diária na N’GALA (nome da empresa de camionagem do Paes Mamede) era religiosamente cumprida pelo seu proprietário sem contudo deixar de dar atenção aos seus convidados, que por norma o acompanhavam aqui e ali e ficavam a conhecer como tudo ali nasceu desde o primeiro tijolo. Com muito orgulho ele mostrava as obras que ali fez: o posto sanitário cujo enfermeiro privativo explicava o movimento de doentes e a complexidade de muitos tratamentos que efectuava, como partos, pequenas cirurgias, etc,; a escola; o campo de futebol e respectivas instalações da equipa; os escritórios; a central eléctrica; a bombagem de água; os armazéns e oficinas; o drift; o batelão e até mesmo a machamba junto à margem do rio onde eram cultivados todos os produtos hortícolas e frutos consumidos na sua casa e na dos empregados. O mais tenro e saboroso feijão verde do mundo – dizia o Paes Mamede – era ali
produzido ! E eu bem me recordo do sabor especial desse vegetal !

Durante a época venatória e sobretudo em tempo de férias escolares, os varões da família (o pai Orlando e os filhos Rui e Sérgio), com um ou outro convidado, organizavam caçadas, nomeadamente aos elefantes e búfalos, que na época eram muito abundantes na região. Foi durante uma destas expedições, em 1954, que o filho mais velho, o Rui, com apenas 17 anos, foi acometido de um colapso cerebral, falecendo poucas horas depois quando era conduzido para o hospital de Lourenço Marques.

O búfalo é dos animais mais perigosos quando feridos. Depois do hipopótamo é,
seguramente, o animal que mais vítimas causa entre os caçadores.

Este trágico acontecimento abalou sériamente esta família e consternou todos os seus amigos. A juventude estudantil da capital, onde o Rui era muito estimado, compareceu em massa no seu funeral, que foi uma inesquecível manifestação de pesar e solidariedade!

Recordo este jovem com saudade! Ele e seu irmão mais novo - o Sérgio - haviam estado comigo no Pafúri, na véspera do acidente, onde passámos bons momentos em animadas partidas de pingue-pongue! Prometi a mim mesmo perpetuar a sua memória: se um dia viesse a ser pai de um filho varão, chamarse- ia Rui! E três anos depois, em Junho de 1957, materializei este desejo!


O Sérgio Paes Mamede (o segundo a contar da esquerda) junto do seu avião, numa das Coutadas de Marromeu, em 1973, quando transportou o Engº Martins Santareno (à esquerda) e comitiva, para um safari de caça.

Conheci esta família tempos antes do falecimento do jovem Rui. Tal como a maioria das pessoas que transitavam por Mapai, fui seu hóspede, pela primeira vez, no início de 1954, quando fui colocado na administração do Alto Limpopo. Ali cheguei num dos seus camiões de transporte de magaíças (trabalhadores das minas), apanhado em Mabalane. Vinha exausto de uma viagem que levava já oito dias a partir de Inhambane, durante a qual utilizei vários meios de transporte em etapas sucessivamente interrompidas. Ali fiquei dois dias à espera da carreira para o Pafúri e nasceu então uma longa amizade estruturada num misto de admiração, respeito e gratidão por esta família simpática e hospitaleira !

Durante a minha estadia no Pafúri (pouco mais de um ano) foram muitos os contactos com os Mamedes, já que o Mapai era ponto de passagem obrigatório nas deslocações quando em serviço pelo interior da região administrativa. Depois de deixar o Alto Limpopo, voltei ao Mapai por várias vezes, a última das quais em 1974 e sempre esta família me recebeu com a maior cordialidade!

Nunca esquecerei os ensinamentos que recebi do patriarca Orlando, relativamente à caça e aos animais selvagens, que muito me marcaram para a minha futura carreira de fiscal de caça e que noutro local vou recordar!




Preparativos para um dia de caça numa das Coutadas de Marromeu, onde este tipo de
viaturas conhecidas por anfíbios eram utilizadas pela SAFRIQUE. Na foto e no plano superior
reconhecem-se, da esquerda para a direita: Neves e Sousa (famoso pintor e escritor angolano, já
falecido) Engº Martins Santareno e esposa, Adelino Serras Pires (caçador-guia), Adelino Brígido (Director da Safrique), Sérgio Paes Mamede (também destacado no canto superior direito) e Dr Armando Rosinha.


2 - AS PARTIDAS 

O Paes Mamede era uma pessoa dotada de extraordinário sentido de humor e muito comunicativo. Fascinava-nos com as suas narrativas de caça, verdadeiras aventuras que viveu naquela região riquíssima de espécies bravias, para onde tinha ido ainda novo como recrutador e chefe de zona da Wenela (empresa sul africana de recrutamento de mão de obra para as minas), com sede no Pafúri. Gostava de pregar partidas aos incautos e eram raros os que por lá passavam que de tal se livravam! Quem chegava ao Mapai e não era avisado destes seus hábitos, acabava por ser apanhado numa dessas partidas!

Eu próprio não fugi à regra. Depois do jantar do primeiro dia convidou-me para uma caçada. Foi-me dizendo que bastava uma pequena volta na pista de aviação para matarmos um ou dois antílopes, o que me deixou entusiasmado.

Para lá seguimos numa carrinha cujo condutor certamente conhecia bem a lição, pois à partida segredou-me que os leões apareciam sempre por ali durante a noite! Entregaram-me uma arma de pequeno calibre – ponto 22. O Paes Mamede levou outra de maior calibre e a tarefa de farolar foi atribuída ao Fernando Figueiredo (guarda-livros da empresa e parceiro habitual do patrão nestas andanças). Chegados à zona da pista logo se divisaram alguns pequenos antílopes, encandeados pelo foco de luz. O condutor dirigiu para lá a viatura mas os animais refugiaram-se rapidamente na mata periférica. O Paes Mamede sugeriu que eu os perseguisse, dando-me uma pequena lanterna de cabeça. Não hesitei e em menos de um minuto estava na mata em perseguição dos animais, cioso por abater um deles. Não os alcancei e depois de uns duzentos metros andados e considerar infrutíferas as buscas, voltei para trás. Só que, devido aos zigue-zagues durante a perseguição, deixei rapidamente de saber para que lado estava a pista. Por momentos fiquei desorientado pois não via as luzes nem ouvia o barulho do motor da viatura. Alguns minutos depois lá consegui desembaraçar-me da mata e alcançar a clareira da pista, embora em local diferente daquele onde a viatura me deixara. Ouvi então chamarem-me e pronunciarem, repetidas vezes, a palavra “leão”. O carro estava a uns duzentos metros, com os mínimos ligados e para lá corri com quantas forças tinha! Os comparsas mostravam grande preocupação pela minha segurança dizendo que saltasse rápido para o carro pois que andava um leão por perto. Disfarçando grande nervosismo, o Paes Mamede chamou a atenção para os roncos cavernosos que vinham do fundo da pista e logo que me instalei na caixa da camioneta deu instruções ao motorista para regressarmos.

Assim terminou a caçada ! Pelo caminho e em casa, os comentários sobre o sucedido eram de consolo pelo facto de nada me ter sucedido e termos escapado a tempo! E por isso trocaram-se brindes à chegada!

A cena pareceu-me tão natural que acreditei plenamente na sua veracidade e até dei as minhas opiniões sobre os prós e os contras da caçada, respondendo ingenuamente às perguntas ardilosas que me iam fazendo!

Era o meu baptismo de caça e, como esperavam os meus "carrascos", dei-lhes bons motivos para gáudio!…

Uns dias depois, já nas minhas funções no Pafúri, fui informado do logro em que tinha caído! Mais tarde, os ditos comparsas consolaram-me por ter sido alvo de uma pequena partida, pois que à última hora tinham resolvido não levar por diante o plano inicial que culminava com o meu abandono em pleno mato, ouvindo a imitação dos rugidos de leão emitidos por um trabalhador com o uso de um funil!

Uma boa lição colhi desta brincadeira! Decorria na altura a época de defeso venatório e o Paes Mamede recordou-me, mais tarde, este pormenor, censurandome por ter concordado ir à caça neste período e ainda por cima durante a noite e sem licença de caça! Três infracções que ao longo da minha carreira de fiscal de caça tentei combater e muitas vezes penalizar!

Conhecendo depois as estórias de partidas que o Paes Mamede pregava, considerei-me um privilegiado por ter sido alvo de uma tão suave brincadeira! E porque me foi aconselhado, reagi muito desportivamente! Caso contrário eles acabariam por me aplicar novo “castigo" e certamente dele não me sairia tão bem!

A Girafa (Camelopardalis), um dos animais bravios mais raros em Moçambique,
estava bem representada na região do Alto Limpopo.

Um dos amigos bastante chegados do Paes Mamede, conhecendo os seus hábitos, conseguiu durante muito tempo escapar às suas partidas. Só que, quando menos esperava, caiu numa das mais bem sucedidas e insólitas partidas por ele aplicadas. Esse amigo era o administrador da circunscrição – o Landerset Simões – que saíra do Pafúri cerca de um ano antes da minha chegada ali.

Juntavam-se com frequência, quer numa quer noutra casa e ambos eram apaixonados pelo poker, que jogavam sempre que reuniam parceiros. Numa ocasião em que foram juntos a Lourenço Marques (eram frequentes estas viagens do Paes Mamede, via África do Sul), o Landerset Simões comprou um bilhete de lotaria e quando o fez o Paes Mamede estava por perto e olhou subrepticiamente, apenas para fixar o seu número e logo se afastou anotando-o na
palma da mão. No dia da lotaria o Paes reuniu na sua casa alguns amigos habituais do poker, incluindo o seu companheiro de viagem à capital, a pretexto de um aniversário na família, facto que levou a reunião a ser tomada como natural. Depois do jantar e quando se jogava, a estação do Rádio Clube de Moçambique, ligada entretanto no rádio-móvel da sala, despertava a atenção
dos presentes pelas excelentes músicas que ia passando e que eram elogiadas pelo anfitrião e convidados. A dada altura o locutor informou que ia ler os números da lotaria daquele dia. Rapidamente o Landerset saltou da cadeira e aproximou-se para ouvir. Não conseguiu captar todos os números mas pareceulhe ouvir alguns correspondentes aos do seu bilhete. O locutor ao terminar a leitura dos prémios secundários repetiu os principais números premiados e quando o fez a atenção já era total: o número do primeiro prémio correspondia ao do bilhete inteiro comprado ! O Landerset deu um salto e numa explosão de alegria gritou: estou rico, estou rico ! Foi muito felicitado por todos e festejouse com bom champanhe!

A festa prolongou-se no meio de um contentamento geral e de repetidas e entusiásticas felicitações ao feliz contemplado e os presentes tiveram ainda a confirmação da exactidão dos números premiados num posterior noticiário daquela “estação de rádio”!

Eufórico como ficou, o administrador Landerset Simões, que naquele dia deveria pernoitar na casa dos Mamedes, resolveu regressar ao Pafúri a meio da noite, dizendo que na manhã seguinte seguiria para Lourenço Marques para receber o prémio.

Depois da sua partida os convivas continuaram a festejar, não a “sorte grande” do Landerset Simões, mas a “partida” que lhe foi pregada! Planificaram depois a acção a tomar no dia seguinte para desmontar a farsa junto da vítima e poucas horas depois o Fernando Figueiredo seguiu para o Pafúri onde chegou pela manhã. Encontrou o Landerset nos preparativos finais para seguir viagem e sem rodeios explicou-lhe que aquilo tinha sido uma brincadeira do Paes Mamede, ardilada a partir do momento em que ele comprou o bilhete em Lourenço Marques e depois bem executada com uma gravação de músicas e locuções imitando um profissional da rádio! Disse-lhe, inclusivé, que a gravação tinha sido objecto de muitas tentativas de aproximação da voz do locutor da rádio e a sua reprodução acabaria por ser tão perfeita e convincente que surpreendeu o autor - o próprio Paes Mamede! Tudo possível graças ao bom equipamento de gravação e reprodução magnéticas que havia comprado pouco tempo antes na África do Sul!

Todas as explicações, porém, não deram para aliviar a carga de stress do visado, que nem sequer dormira nessa noite só de pensar na mudança da sua vida com a inesperada sorte grande! Reagiu de um modo nunca esperado pelo seu amigo e recusou o convite de voltar ao Mapai para ali se refazer das emoções vividas na companhia dos parceiros da noite anterior. Nenhum argumento do seu amigo Figueiredo o demoveu ! Ficou zangado e as suas relações com o Paes Mamede não voltaram a ser como antes. Pouco tempo depois foi transferido do Pafúri para o norte de Moçambique.

O Orlando Paes Mamede continuou igual a si mesmo, recebendo, fazendo amigos e pregando as suas habituais partidinhas que ele definia como “praxes do Mapai” e que eram aceites desportivamente pela esmagadora maioria dos atingidos. E continuou também a prosperar em todas as direcções do seu vasto “império” comercial, pecuário e industrial, até que as mudanças impostas pelo fim do império colonial português alteraram radicalmente o rumo dos seus negócios e da sua própria vida. Ausentou-se para Portugal depois da independência de Moçambique, vindo a falecer em 1987 na África do Sul. Posteriormente, em 1991, viria também a falecer sua esposa Dária.
Seus filhos - Sérgio e Orlanda - garantiram a continuação do clã dos Mamedes e, tal como os pais, adoram África, onde nasceram e vivem!

ESCLARECIMENTO
Recentemente fui contactado por um dos netos do Orlando Paes Mamede, que visitou esta página e me dirigiu palavras de apreço pela forma como recordei aqui o seu avô materno (ele é filho da Orlanda Mamede), deixando também no GuestBook, uma simpática mensagem!
Para além de algumas informações pontuais e fotografias que me forneceu e permitiram melhorar o conteúdo desta história, este descendente dos Mamedes informou-me que o seu nome - Rui - também lhe foi atribuído em homenagem à memória de seu saudoso tio!

Marrabenta, Agosto de 2001
Celestino Gonçalves


NOTA: Esta história foi publicada em 2001 no primeiro site pessoal do autor, já desactivado e, em 2008, no presente Blog. Renovo aqui a mesma publicação pelo interesse que despertou e por continuar a ser das minhas histórias preferidas.
Aproveito para saudar todos os descendentes do clã Mamede, cujo patriarca, o saudoso Orlando Paes Mamede, muito me ensinou no início da minha longa carreira em Moçambique!

Marrabenta,  Dezembro de 2012


Celestino Gonçalves