19 June 2007

15 - LIVROS SOBRE FAUNA BRAVIA, CAÇA E CAÇADORES DE MOÇAMBIQUE

(3)



Título:

DA VIDA E DA MORTE DOS BICHOS - Narrativas de Caça



Autor: Henrique Galvão

Ano: 1946



Editor: Livraria Popular de Francisco Franco - Lisboa





Este é o quinto e último volume (extra-série) da obra "Da Vida e da Morte dos Bichos", que Henrique Galvão iniciou em 1934 e terminou em 1946. Uma obra de grande sucesso, sucessivamente reeditada, que teve a colaboração de dois grandes caçadores angolanos, Abel Pratas e Teodósio Cabral, este último também fiscal de caça e que em meados da década de 40 foi viver para Moçambique onde (na Província da Zambézia) continuou a dedicar-se à caça profissional até ao fim da sua vida.


Sendo a maior parte das obras sobre fauna bravia, caça e caçadores, de H.G. , referentes aos animais, pessoas e territórios de Angola, onde aliás viveu muitos anos e desempenhou altos cargos na administração pública, ele dedicou neste último volume algumas narrativas de factos ocorridos em Moçambique, que visitou por várias vezes como funcionário superior do Ministério das Colónias e onde caçou, sobretudo elefantes, a espécie bravia que mais o atraía como adepto fervoroso da caça caça grossa em África.

Da meia dúzia de histórias ocorridas em Moçambique que são narradas pelo autor neste volume V, saliento aquela que me despertou maior atenção, justamente por envolver uma caçada de alto risco aos elefantes e nela terem participado Henrique Galvão e o seu amigo e colaborador Teodósio Cabral, dois grandes mestres da caça e extraordinários conhecedores da vida selvagem africana.

Alguns trechos que a seguir reproduzo, ajudam a entender a preferência desta história por quem, como eu, muito admira os seus protagonistas, pessoas que, pelo que fizeram e escreveram, muito me infuenciaram a enveredar por uma carreira que me levou a viver, em certa medida, uma vida idêntica à deles, cheia de emoções! Por outro lado, também o facto da história narrada ter acontecido em Moçambique, em plena Zambézia, em local que bastas vezes atravessei no exercício das minhas funções, merece a distinção que aqui lhe dedido:

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Moçambique é colónia de muitos elefantes - e, especialmente: colónia onde se encontram elefantes, mais ou menos, em toda a parte, de Norte a Sul.

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Pensava o governo da colónia resolver a situação, por meio de um incitamento aos caçadores para perseguirem os elefantes. E com esse propósito libertou de todas as restrições a caça ao elefante, dispensando-a das licenças caras que até então a embaraçavam.

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Enfim: os elefantes andavam em Moçambique, nesse ano de 1945, não só muito dispersos, como também pouco cómodos.

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Tinha-me encontrado com Teodósio Cabral no posto de Naburi, da circunscrição de Pebane. O prazer do encontro devia naturalmente completar-se com o prazer de voltarmos a caçar juntos - e menos pela caçada do que pelo pretexto para evocarmos outras caçadas realizadas em melhores idades e épocas da nossa vida.

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De passagem por Chaláua - ia eu já a caminho de Nampula e Teodósio Cabral acompanhava-me até esse posto, onde nos devíamos despedir - tivemos notícia das destruições que os elefantes andavam fazendo nas machambas do regulado Gelo.

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Era afinal o melhor pretexto para a caçada. Nem seria humano passar adiante sem prestar aos indígenas o auxílio solicitado.

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De uma machamba, distante três ou quatro quilómetros, romperam gritos e latadas. Evidentemente, os elefantes andavam por lá.

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A mata, não sendo das mais cerradas, não era todavia aberta. ..... O terreno era levemente ondulado - e nenhum de nós sabia dos acidentes que havia para diante, pois o pisávamos pela primeira vez.

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Avançámos nós, enquanto os pretos, à cautela, se deixavam ficar para trás. Menos de cinquenta metros adiante, além da barulheira dos ramos, demos com a agitação dos próprios ramos que nos ocultavam os elefantes.

Estavam ali.

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Demorámo-nos três ou quatro minutos, na esperança de que novo deslocamento dos elefantes nos pusesse finalmente o mastodonte a descoberto.

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O animal foi imediatamente alvejado com uma descarga - dois tiros quase simultâneos , que não o seguraram. Mais dois tiros - e deteve-se atordoado. Rompeu novamente. Dois tiros ainda - e ajoelhou. Levantou-se com agilidade incrível e carregou de novo. À terceira vez, finalmente, despejadas as nossas espingardas, adornou, voltou costas - e vimo-lo afundar-se no lugar onde antes o tínhamos descoberto.

O estardalhaço que ia na mata era de vendaval desfeito. A agonia do mastodonte, com roncos de vulcão, e o pânico dos companheiros abarrotavam de ruídos demolidores o silêncio da mata.

Ainda ofegantes, recarregávamos as espingardas e preparávamo-nos para ganhar posição distante, mais segura, quando, não menos inesperadamente que da primeira vez, vimos os restantes cinco bichos que completavam a manada disparados sobre nós.

Reacendeu-se o combate, agora em condições muito mais apertadas.

E só o facto de sermos dois e de termos arrostado a situação com a serenidade indispensável nos livrou de apuros. A rapidez dos tiros sobre o animal maior, repetida e colocadamente atingido, fê-lo desviar um pouco do rumo - o bastante para que nos passasse, seguido de todos os outros, em fuga desabalada, a dez metros de distância.

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O primeiro elefante, que ainda víramos cair, atroava os ares, ali a poucos metros, com o seu ruidoso estertor.

Passado um quarto de hora surgiram os pretos. Um deles subiu a uma árvore. Do alto fez-nos sinal. O elefante estava ali deitado - quase a morrer. O sinal e a expressão do negro queriam dizer: "Está a dormir".

Do outro elefante ferido nada diziam - senão que se tinham tresmalhado quando sentiram a manada correr na direcção em que se encontravam.

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Seguimos nós o trilho em cata do ferido. Encontrámo-lo, morto já, a menos de quinhentos metros. Só então fomos tomar conta do primeiro - um lindo animal.

O que tem interesse na narrativa é explicar os dois acontecimentos imprevistos (um imprevisto só por mim e o outro imprevisto por ambos).

1º.- Porque atacou tão fulminantemente aquele elefante, que comia tranquilamente, que não atacámos, e que também não alarmámos com qualquer ruído?

2º.- Porque veio o grupo sobre nós - e não fugiu para a frente, lançado em pânico pela fuzilaria?

A primeira pergunta só pode ter uma resposta: o vento rondou a nosso desfavor e o elefante pressentiu-nos.

Porque tendo-nos pressentido, atacou, em lugar de fugir, o que seria mais normal, nas condições em que os animais se encontravam?

A resposta à segunda pergunta responde a esta também.

A pequena manada estava, quando a descobrimos, a última vez, e sem que nós o suspeitássemos, pois, como dissemos, não conhecíamos a região, à beira de uma escarpa vertical e muito alta, que emparedava um vale onde corria um rio.

Os elefantes não podiam fugir... senão sobre nós.

O primeiro que nos surpreendeu, irritado por se ver num beco sem saída - carregou.

Os segundos não carregaram; apenas fugiram na direcção em que nos encontrávamos.

Donde se conclui, uma vez mais, a importância do vento - e como exige as maiores cautelas qualquer aproximação sob vento leviano. E também: quando não se conhece o terreno em que se caça tem de prever-se o pior.

Henrique Galvão (ao centro), com os seus colaboradores

Abel Pratas (esquerda) e Teodósio Cabral (direita)

(Foto extraída do II volume da série: Da Vida e da Morte dos Bichos)

Marrabenta, Junho de 2007

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